“Oi, vó, tudo bem? Continua brigando com o vô aí em cima?

Mas escrevo esta carta não para saber das novas aí no Céu. Sei que está tudo bem, tudo tranqüilo. Trago notícias sobre a sua “Unidos”, como a senhora gostava de chamar a Tijuca.

Lembra que a senhora sempre me perguntava após os desfiles se a sua escola estava bonita? Se seria campeã? Pois tenho boas notícias. Aquele garoto que a senhora elogiou na última vez em que estivemos juntos fez a Unidos campeã!

Isso mesmo, vó. A Unidos, depois de ser campeã em 1936, voltou a ganhar o carnaval em 2010. Tinha um show de mágica na abertura, depois um carro que “pegava fogo”. Tenho certeza que a senhora iria gostar de ver e ficaria feliz. Eu fiquei.

Mas isso não é tudo. A escola ganhou de novo dois anos depois. Desta vez homenageando Luiz Gonzaga, o “Rei do Sertão”. Hoje a sua Unidos deixou de ser uma escola pequena e briga para ser campeã todo ano. Todos os anos a sua Unidos está linda: vale a pena ficar acordada para vê-la desfilar.

A mesma Unidos que chamava a senhora para desfilar e seu pai não deixava, lá atrás. A senhora era uma cabrocha bonita, pelo menos assim dizia o vovô. Ainda assim, a senhora me contava que acompanhava os preparativos da Tijuca naqueles tempos, lá no Morro do Borel. Hoje a escola ensaia no asfalto, mas o sentimento inicial da brava gente do morro continua lá.

Mas a sua Unidos, vovó, também tem outra coisa muito bonita: hoje a turma do Borel divide espaço com uma turma jovem e que passou a gostar de Carnaval por causa desse moço que a senhora elogiava, o Paulo. Paulo Barros. A Unidos agora é do morro e do asfalto, unindo a cidade partida – com o perdão do trocadilho.

Depois que a senhora infelizmente nos deixou, seu neto foi estudar a história de sua escola, vovó. E descobriu grandes temas, grandes sambas. Como “Delimiro Gouveia”, “Macobeba”, “Lima Barreto”, “Devagar com o Andor” e “Salamaleikum”. Ou o samba mais antigo sobre os deuses afro brasileiros, quando eu era apenas um bebê e a senhora devia estar mais preocupada em ajudar a minha mãe que acompanhar a sua Unidos.

http://www.youtube.com/watch?v=USaA9cmVO54

Depois a sua Unidos passou por tempos mais difíceis. A senhora sempre me perguntando como tinha sido a sua Unidos e minha resposta invariável: “estava bonita, mas não vai ganhar”. Confesso que, como bom neto traquina, às vezes mentia para a senhora…

Andou pelo segundo grupo depois que resolveu homenagear o Vasco (ninguém é perfeito), foi adotado pela colônia portuguesa aqui no Rio de Janeiro por causa de seu presidente – o bom Horta – e depois voltou à tradição de bons temas e bons sambas. A senhora talvez não se lembre, mas até a história dos escravos que voltaram à África a escola contou!

Até que veio o redentor. Aquele que com sua genialidade e seu profissionalismo seria o catalisador da grande virada da escola. Aquele rapaz que a senhora elogiara na última vez em que conversamos sobre sua Unidos.

Pois é. Aquele rapaz, vó, mudou a história do carnaval. Além de mudar a história do carnaval fez a Tijuca campeã de novo após um longo jejum. Hoje não é só a senhora que espera a sua Unidos passar. Todo mundo que gosta de carnaval espera a brava turma do Borel.

Sabe, vó, seu neto não gosta muito dos sambas desta fase recente. Mas entende que foi o caminho vitorioso. Como discordar? Sua Unidos hoje é respeitada e admirada, e a senhora como torcedora ia ficar orgulhosa. Tão orgulhosa como de seus netos.tijuca

Vovô, embora portelense, ia gostar de 2014. A Unidos vai homenagear o grande Ayrton Senna em uma “corrida maluca”. Parece estranho marcar uma data de morte (20 anos), mas sempre é bom celebrar nossos ídolos. Sei que ele deve estar ocupado dando autógrafos aí no céu, mas, se puder, conte a ele a novidade. Acho que vai gostar.

Vó, uma coisa é certa: a turma do Borel deu a volta por cima. Soube mudar a sua história e se fazer vencedora, sem esquecer de seu passado de glória – afinal de contas, é a terceira mais antiga escola do Rio de forma contínua, depois apenas de Portela e Mangueira. A pós-modernidade de seus desfiles somada à tradição de sua história.

Vó, se puder, conte as novidades à rapaziada da Unidos que está aí em cima e que certamente a senhora conheceu: Bento Vasconcelos, Leandro Chagas, Alcides de Moraes, João de Almeida, Alfredo Gomes e todos os outros. Certamente ficarão felizes com o destino da escola que fundaram e levaram na mente e no coração.

O amarelo brilha cada vez mais como ouro e o azul aparece mais e mais como o pavão, símbolo da tonalidade e símbolo da escola. Sua Unidos, hoje, é ouro no mundo do samba.

Esta carta está ficando longa e preciso terminar. A senhora deve ter muito o que aproveitar por aí. Dê lembranças ao vovô e à Tia Diva – e, se puder, me mande um pedaço daquele bolo de fubá que a só a senhora sabia fazer…

Com saudades, de seu neto,

Alexandre

P.S. – como a senhora sabe, acabei escolhendo a Portela do vovô no meu coração. Sabe como é: Cascadura, Madureira, tudo perto… Mas o que a senhora não sabe é que seu neto virou Diretor da Portela. Acho que vai ficar orgulhosa.”

Aos leitores: este texto é uma homenagem à minha avó Germana (falecida em 2007), torcedora da Unidos da Tijuca e que viveu os primeiros tempos da agremiação. Para quem não sabe, meu nome na verdade é “Pedro Alexandre”, embora todo mundo me chame pelo primeiro nome e pelo último sobrenome (Pedro Migão). Somente ela me chamava por “Alexandre”. Abaixo, ela está em foto de 2006 com minha filha mais velha recém nascida.

WWL

5 Replies to “Escola do Meu Coração: “Carta à Minha Avó””

  1. Emocionante, parabéns pelo texto e para a sua avó que deve estar feliz no céu com sua Unidos

    1. Pedro,

      Há um tempo eu não vejo algo tão veraddeiro e simbólico sobre a Unidos da Tijuca.

      Como a sua avó, também sou torcedor da Unidos. Com certeza após essa mensagem, ela está radiante!

      Parabéns!

Comments are closed.