Hoje a coluna do estudante Leonardo Dahi inicia uma série de duas colunas abordando os sambas enredo do Grupo Especial do Rio de Janeiro para 2014. Hoje as escolas de domingo, amanhã as de segunda.

Não irei escrever sobre o tema, mas considero Portela e Salgueiro os melhores sambas deste grupo em minha opinião.

Sambas Enredo do Grupo Especial: Domingo

A pouco menos de três meses do Carnaval, a Liesa lançou na semana passada o CD oficial com os sambas das 12 escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. É chegada a hora, portanto, em que todos nós viramos especialistas no assunto e, para usar um termo popularizado em transmissões televisivas, “brincamos de ser jurado” dando notas a torto e a direito para os hinos de cada agremiação.

E eu, que não perco a oportunidade de dar um pitaco em qualquer coisa, não sou diferente. Portanto, seguem minhas modestas avaliações para o Grupo Especial do Rio de Janeiro. Para aproximar um pouco do julgamento real, dividi as notas em dois sub-quesitos – como faz a Liesa: Letra do Samba e Melodia, cada um com notas de 4,5 a 5,0.

Observação: embora eu esteja ouvindo os sambas desde a época em que se sagraram vencedores nas eliminatórias, algumas notas podem eventualmente mudar no meu conceito, afinal, como eu disse, ainda faltam três meses para o Carnaval.

Agora sim, como diria Jorge Perlingeiro: eis as notas. Hoje domingo, amanhã segunda feira.

Império da Tijuca

Enredo: “Batuk”

Compositores: Márcio André, Vaguinho, Rono Maia, Alexandre Alegria, Karine Santos e Tatá

Intérprete: Pixulé

De volta ao Grupo Especial após 17 anos, o Império da Tijuca vem homenageando as batucadas africanas, contando um pouco dos rituais e celebrações que envolveram o “batuk” ao longo da história. Talvez devido ao excelente enredo, a escola do Morro da Formiga teve o privilégio de ter a melhor disputa de samba do ano, onde todos os quatro finalistas tinham condições de representar muito bem a agremiação no desfile. Tanto a parceria favorita, de Samir Trindade, quanto a minha predileta, de Leco da Alerj, sucumbiram perante o samba de Márcio André e cia., notoriamente mais fraco que os anteriores.

À parte a escolha equivocada observando-se apenas o samba, o primeiro Império do Samba abrirá o Carnaval com uma grande obra. Com um refrão principal fortíssimo e uma segunda parte irretocável, o samba conta perfeitamente o enredo e promete levantar a Sapucaí. Confesso que por muito tempo tive resistência com esse samba, talvez por preferir os outros concorrentes, mas agora reconheço sua qualidade. O único problema é que a mudança repentina de melodia entre os versos “é dom de comunicação” e “em cada cultura, entoa rituais”, ainda na primeira parte (que é perfeita até este ponto) acabou tirando um pouco da força do samba.

O meu destaque é  para os versos “é o ‘fervo’ que desce a ladeira / o batuque levanta poeira… capoeira”. O intérprete Pixulé estreou no Grupo Especial de maneira sensacional. O Imperinho, por questões conhecidas por todos nós, não deve se manter no Especial. Já quanto ao intérprete, não sei sairá do grupo das grandes escolas…

Letra do Samba: 5,0. Melodia: 4,9. Nota: 9,9.

Grande Rio

Enredo: “Verdes olhos sobre o mar no caminhão: Maricá”

Compositores: Deré, Robson Moratelli, Rafael Ribeiro, Hugo e Tony Vietnã

Intérprete: Emerson Dias

Após um desfile lamentável no Carnaval de 2013, que acabou em um absurdo sexto lugar, a Grande Rio vem homenagear os 200 anos da cidade de Maricá, estado do Rio de Janeiro, através dos “verdes olhos” da falecida cantora Maysa, que, segundo consta, adorava visitar as praias locais – tinha casa na cidade.

O samba, se ouvido sem uma atenção especial, é até agradável, embora tenha umas subidas de tom repentinas na primeira parte que acabam sendo bem desagradáveis. Afora este problema, tem uma melodia bem construída, um refrão do meio bacana e uma letra muito bonita nos versos finais da segunda parte. O problema é que o samba, que desbancou a muito favorita parceria de Jorge Aragão, Péricles e Arlindo Neto, não tem quase nada a ver com o que foi proposto na sinopse.

Ela é muito clara: a ideia é contar um dia em Maricá sob os olhos da cantora, o que é muito interessante, porque foge ao lugar comum dos ‘enredos CEP’. Porém, o samba vai na mão contrária e fala de tudo aquilo que a gente já viu em outros enredos do tipo e que poderia ser aplicado a qualquer outra cidade praiana do Planeta.

Para piorar, o refrão principal pretende levantar a Sapucaí, mas o tiro sai pela culatra e o mesmo acaba dizendo coisa nenhuma. “Eu sou feliz em Maricá, sou emoção” é ruim demais, convenhamos. O muito criticado Emerson Dias, na minha opinião, levou bem o samba. Nada espetacular, mas também nenhum desastre.

Letra do Samba: 4,6. Melodia: 4,9. Nota: 9,5.

São Clemente

Enredo: “Favela”

Compositores: Ricardo Góes, Serginho Machado, Grey, Anderson, FM e Flavinho Segal

Intérprete: Igor Sorriso

Finalmente saindo das últimas posições, e assim se livrando de ter que abrir uma das duas noites de desfile, a São Clemente vem para 2014 com o melhor enredo do Grupo Especial: uma homenagem à favela e aos favelados de todo o Brasil. Pela 21389218432ª vez, a parceria de Ricardo Góes se sagrou vencedora na escola e, mais uma vez, a preto-e-amarela vem com um grande samba para o seu desfile.

Ele não tem bububu e bobobó, não explode a Dona Redonda, mas tem uma melodia irretocável e uma letra absurda de boa. Tem um refrão do meio belíssimo, mas o refrão deste samba é o que antecede o principal: “é nas vielas que nasce o mais puro samba / se tem batucada nos guetos tem bamba / é o coração quem manda”. E o que impressiona é que nem é o trecho mais belo da obra, superado pelo “pobre… mas rico de emoção / livre… mas preso na paixão” que, a meu ver, são os grandes versos de 2014. Também destaco o trecho que fala do improviso na construção da favela, ainda na primeira parte.

Porém, ah, porém, o samba comete três erros que acabam o jogando lá para o final da minha lista de preferência. Sabe aquele samba que você gosta de ouvir, mas, quando vai dar nota, ele acaba lá no final? Pois é. O primeiro erro é o de não ser um samba irreverente, com a cara da São Clemente. O que seria só algo a se lamentar em circunstâncias normais, se torna um erro porque a própria sinopse pede isso. Eu esperava uma favela mais alegre  e acabei surpreendido. Outro erro é não explorar o ponto mais bacana do enredo, que é o fato do asfalto gostar de ver a favela “de longe”. Por fim, o verso “a fome de amor faz meu sonho sonhar” foi um erro grande, principalmente pela repetição de palavras. Igor Sorriso, pra variar, deu show.

Letra do Samba: 4,7. Melodia: 5,0. Nota: 9,7.

Mangueira

Enredo: “A festança brasileira cai no samba da Mangueira”

Compositores: Lequinho, Junior Fionda, Igor Leal e Paulinho Carvalho

Intérprete: Luizito

Sob nova direção, a Mangueira vem falar das festas brasileiras no Carnaval de 2014. Mais uma vez, o samba da escola vem da parceria de Lequinho e Junior Fionda. E, mais uma vez, é um excelente samba.

O refrão principal tem tudo para “pegar” facilmente na Marquês de Sapucaí, com o seu “oba, oba, eu quero ver quem vai”. A segunda parte tem uma melodia muito bem trabalhada, principalmente no trecho alusivo ao Festival de Parintins e à Parada Gay. O refrão do meio também é ótimo, além de ser bem grande o que, de certa forma, me lembra o samba de 2002, ano do último título da verde-e-rosa. Falando em título, o ponto alto deste samba é a parte final, que alude ao Supercampeonato de 1984: “é Carnaval / estou aqui de novo / lá vem meu povo a desfilar / na Supercampeã da maior festa dacultura popular”. Eu, como mangueirense, posso falar que é daqueles trechos que se canta com força e isso deve ser visto no desfile.

O único problema do samba é que a melodia acaba sendo um pouco arrastada na primeira parte. Já Luizito, novamente cantando sozinho, deu uma aula de interpretação. Sem firulas, sem enrolação, sem gritos, só cantando – e muito bem – o samba.

Letra do Samba: 5,0. Melodia: 4,9. Nota: 9,9.

Salgueiro

Enredo: “Gaia – a vida em nossas mãos”

Compositores: Dudu Botelho, Xande de Pilares, Miudinho, Rodrigo Raposo, Betinho de Pilares e Jassa

Intérpretes: Quinho, Serginho do Porto e Leonardo Bessa (Part. Especial: Xande de Pilares)

Talvez com o samba mais famoso deste pré-carnaval, o Salgueiro vem com um enredo bastante confuso sobre a lenda grega de Gaia para a criação e sustentação do universo. Deste tema saiu um sambaço e que ganhou a melhor gravação do Grupo Especial.

Ao contrário da sinopse, que é bastante confusa, o samba conta muito bem o enredo, enfoca com perfeição a questão da sustentabilidade e tem uma das melhores melodias dos últimos anos no Grupo Especial. Samba fácil de cantar e que curiosamente não possui um refrão principal, o que acaba sendo uma novidade agradável vinda da Academia, que quase sempre tenta achar um novo “Explode Coração”. Além do mais, a obra é interpretada com perfeição pelo trio de intérpretes Quinho, Serginho do Porto e Leonardo Bessa. Só não sei porque chamar o Xande de Pilares, que também assina o samba, para cantar no CD.

E chega a ser um pecado tirar ponto desse samba, mas é necessário dizer: o refrão do meio está completamente fora do que foi proposto na sinopse e também não quer dizer nada. Como foi dito por aí, é a “lista de chamada dos Orixás”. Uma pena que dois versos estraguem uma obra tão boa.

Letra do Samba: 4,9. Melodia: 5,0. Nota: 9,9.

Beija-Flor

Enredo: “O astro iluminado da comunicação brasileira”

Compositores: Sidney de Pilares, JR Beija-Flor, Júnior Trindade, Zé Carlos, Adilson Brandão e Diogo Rosa

Intérprete: Neguinho da Beija-Flor

Chegamos ao grande desastre sambístico do ano. Um enredo pessimamente mal desenvolvido, uma safra de sambas tenebrosa e um assassinato à única obra mais ou menos do concurso, que se sagrou vencedora.

Por causa do verso “a campeã voltou”, Laíla teve a brilhante ideia de cortar todo o refrão principal e transformar a estrofe antecedente em refrão. O resultado foi desastroso. O samba ficou arrastado e o novo refrão nos dá a sensação de durar uns cinco minutos. A primeira parte, que tinha uma melodia bacana, teve o seu tom (que já era baixo) diminuído ainda mais. Uma tragédia.

A letra é até aceitável, tem trechos agradáveis como os versos de 4 a 6 da primeira parte. Porém, “sonhar o sonho de um sonhador” é sacanagem, né? Neguinho da Beija-Flor faz o possível, mas não evita que o samba seja o pior de 2014.

Letra do Samba: 4,9. Melodia: 4,5. Nota: 9,4.

Amanhã, as escolas de segunda feira.

(Imagem: SRZD Carnaval)

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