A coluna do estudante Leonardo Dahi retoma a discussão sobre a polêmica entre alguns sambistas e jornalistas devido a críticas sobre sambas-enredo.

Quando o samba se subestima

No último dia 26, a Rádio Arquibancada, após fazer uma belíssima cobertura de nove das 12 finais de samba-enredo do Grupo Especial do Rio (só não fez as doze porque a Liesa ainda não se tocou que dá pra fazer um calendário sem duas finais no mesmo dia e horário), realizou um debate, transmitido ao vivo, sobre os sambas de 2014. Seis jurados deram notas para as obras e daí saiu um ranking, no qual a Mocidade foi a  mais bem avaliada.

Eu imagino o quanto deve ser gratificante compor um samba-enredo. Ver os versos nascerem, a melodia, cada passo daquele “filho” e poder chamar de seu (ainda que seja um “filho adotivo”, mas isso é outro papo) deve ser espetacular. Mais do que isso, imagino o quanto deve ser sensacional ouvir o seu samba como o vencedor. Vê-lo vencendo cada etapa, cada eliminatória e ser gratificado ao ouvir toda uma comunidade cantando este hino como o oficial deve ser uma das melhores coisas que o samba pode proporcionar. É lógico, portanto, que, após tanta luta, tanto sofrimento, ninguém queira ler críticas negativas a este que, na cabeça do compositor, é uma “Aquarela Brasileira”.

E talvez por isso um fenômeno tenha tomado conta do Facebook. Compositores e intérpretes passaram a última semana criticando severamente a turma da Rádio, cobrando respeito como profissionais do samba, dizendo que estes jurados nunca fizeram um samba, nem sabem como fazer e, por isso, não podem opinar.

Basta voltar ao primeiro parágrafo para notar que, compositores ou não, a equipe da Rádio Arquibancada é uma das que mais deveria ter liberdade e crédito para opinar sobre Carnaval. Primeiro pela cobertura espetacular que tem feito e segundo por seu time de respeito. Evidentemente não se concorda com 100% do que se diz, mas eu não consigo me recordar de muita gente que fale do tema com mais propriedade que Anderson Baltar, Alex Vinícius, Ralph Guichard, Chico Frota e cia. No mesmo nível ali está o também muito competente Eugênio Leal da Rádio Tupi (que também fez uma cobertura muito boa das finais, diga-se).

Ao cobrar respeito dos jornalistas e ofendê-los com acusações das mais levianas (como a de que dão nota pelo tal peso da bandeira), os compositores invertem um suposto desrespeito. Por causa de uma nota, de uma linha que os desagradou, colocam todos os profissionais no mesmo balaio, como se Paulinho Direito e Silas de Oliveira fossem igualmente competentes.

O argumento mais comum de que dispõem é de que “a comunidade canta o samba e isso os deixa feliz”, deixando de lado qualquer crítica (negativa, claro, quando é positiva, agradecem e compartilham com imensa felicidade). Até pode ser verdade, mas se a Rádio Arquibancada não pode avaliar os sambas, uma comunidade, seja de Madureira, Nilópolis ou Mangueira, também não é exatamente o melhor termômetro para se medir a qualidade do hino de sua própria escola.

Mas o que eu tiro dessa história toda, na verdade, é que os compositores, responsáveis por grande parte daquilo que é o Carnaval, estão subestimando a força desta arte que sustentam e pela qual são sustentados.

O Carnaval só não é um fenômeno comparado o futebol por causa da absurda incompetência da Liesa quando o assunto é marketing. Com um pouco mais de boa vontade, os sambas de 2014 já seriam assunto nas mesas de bar, no trabalho, em casa, na escola, ainda mais com a fase lamentável que o Brasileirão tem vivido. A coisa parece que vai melhorar, a Globo tem dado mais atenção ao tema, mas ainda é pouco demais pela força que esse espetáculo tem. Como bem diz o também colunista deste blog, Aloísio Villar, o CD de 2014 do Grupo Especial é melhor que qualquer um produzido no Brasil em 2013.

Agora me diga: será que qualquer um desses compositores acharia errado um “Zé” qualquer dizer que não gostou do samba dele em um boteco (li coisa parecida, só que relativa a um comentário do Espaço Aberto do Galeria do Samba)? É preciso tratar o Carnaval como um assunto popular, onde qualquer um se sente a vontade para ser especialista – e onde a opinião da imprensa é, concordando-se ou não, respeitada.

E para não dizer que estou confundindo uma coisa com outra, a prova disso é que 99,99% dos mesmos compositores que reclamam das avaliações negativas cornetam toda quarta e todo domingo técnicos e jogadores de seu time, quando a maior experiência com futebol dos mesmos foi, no máximo, o torneio de Futebol de 7 da Liesa. Ora, se só compositor pode avaliar samba, quem é você, um muito potencial perna-de-pau para criticar o Oswaldo de Oliveira?

É preciso fazer justiça: Dudu Botelho, autor do samba do Salgueiro, deu uma aula de humildade, bom senso e discernimento ao dizer, também pelo Facebook que, “se não cobram diploma para ser compositor, também não vai cobrar diploma para avaliarem os sambas”. Resumiu basicamente a história toda. Já gostava muito dele como compositor (embora o samba de 2014 não me agrade muito), agora ganha pontos comigo também como pessoa.

Aliás, é importante lembrar que não tenho nenhum tipo de ressalva quanto a esses compositores “no pessoal”. Rede social nenhuma serve para avaliar o caráter de ninguém, bem como essa história, então, vamos separar as coisas. Também não vou gostar menos ou mais do samba de ninguém por isso. Comento isso muito mais com preocupação do que como crítica propriamente dita.

Ao subestimarem a força dessa arte que compõem, os compositores dão um recado um tanto quanto absurdo, e que acaba confirmando uma tese bastante triste: o samba é feito apenas para aquelas quatro pessoas que o julgam para o desfile. Que a gente não sabe o que faz, de onde veio, e que dá 9,9 para samba ruim “para não atrapalhar a escola”. Se bem que, em março, vai ter gente levando um 9,7 (são raros, mas acontecem) e dizendo que “não se preocupa com isso”, já que “o público e a crítica especializada (que muitas vezes são os comentaristas do Estúdio Globeleza” já disseram que sua obra estava entre as melhores.

E assim vamos criando 12 “exaltações à Tiradentes” por ano. E a gente vai, vai, vai, vai, vai…