Na última semana a questão da homofobia voltou à tona com o episódio envolvendo o jogador do Corinthians Emerson. Após uma partida pelo campeonato Brasileiro o jogador se deixou fotografar dando um “selinho” em um amigo, durante jantar em restaurante paulista.

A reação foi irada por parte dos torcedores de clubes paulistas e mesmo de outras equipes. Ameaças ao jogador, reprovações e protestos deram o tom das reações, com direito a faixas no centro de treinamento dizendo que “no Corinthians não tem gay” e coisas correlatas. Ou seja, uma reação visivelmente homofóbica, ainda que os envolvidos neguem.

Contudo, quero ampliar o espectro do artigo. Os leitores deste artigo sabem que em mais de uma ocasião defendi os direitos dos homossexuais neste espaço, mas quero ampliar a questão e discorrer sobre os “fiscais do prazer”.

‘Fiscais do prazer’ são aquela turma que se incomoda diretamente com o que as pessoas fazem entre quatro paredes e buscam ditar o que pode ou o que não pode ser feito. Normalmente são adeptos de uma instituição religiosa cristã e embora os homossexuais sejam o alvo principal, não são os únicos.

Seus alvos são todos aqueles que discordam de duas “cláusulas pétreas”: a de que o sexo deve ser feito apenas para fins de reprodução e que não deve haver prazer durante o ato sexual. Aqueles que não pensam desta forma devem ser perseguidos e punidos.

Parêntese: de certa forma, ocorre algo parecido em relação ao álcool e ao samba, especialmente entre os neopentecostais. Fim do parêntese.

Raciocine o leitor comigo: qual diferença faz na sua vida, na minha ou na de outra pessoa o que terceiros fazem em sua vida privada, no recato de seus aposentos íntimos? No que isto está afetando a sua vida? Nada, né?

Então por que querer normatizar e fiscalizar o que ocorre nestes momentos íntimos? O que deve ou não ser feito é algo que cabe apenas aos participantes daquele episódio, no silêncio de seus atos. O que regula a conveniência ou não de determinada prática é apenas o que faz cada indivíduo se sentir bem.

O que há de errado se duas (ou mais) pessoas estão em um ato sexual onde as práticas adotadas estão mutuamente consentidas e não há prejuízos a elas ou a terceiros? Contudo, ao que me parece a relação da sociedade com o prazer é bastante problemática, para se dizer ao menos.

Desde sempre a ideia de prazer sempre esteve atrelada ao pecado. Sentir prazer é pecado, porque o objetivo judaico-cristão no que toca ao sexo é tão somente a reprodução. Derivado disso também vem a oposição de setores mais conservadores às uniões estáveis/casamentos civis por parte de pessoas do mesmo sexo. Como não visa à reprodução de forma “stricto sensu”, é considerada “anti-natural”.

Além disso, os “fiscais do prazer” não se contentam em patrulhar, censurar e lutar contra o prazer alheio. Buscam normatizar através de seus representantes no Legislativo suas doutrinas, sem muito sucesso até agora – felizmente.

A homofobia é o aspecto mais visível desta questão, mas os “fiscais” também são contra os jovens casais que descobrem o sexo ou a práticas como o ménage ou o swing. Não cabe aqui expressar minha opinião sobre determinadas práticas, mas não temos o direito de impedir que aqueles que se sintam bem o façam. Desde que seja tudo consentido pelos parceiros, obviamente – senão vira estupro.

O mais contraditório nisto tudo, aliás, é ver setores terminantemente contra o sexo por prazer (em todas as suas variáveis) demonstrarem uma tolerância com o estupro muito além do esperado em uma sociedade dita “civilizada”. Não são poucos os casos de estupro dentro destas entidades como um todo, bem como a noção de que a culpa é da mulher; que ela “provocou”.

O estupro sim é algo que deve ser combatido. A mulher não “provoca” o estupro, noção que implica em uma teoria absolutamente machista de que o homem deve ter seu desejo sempre satisfeito e que a mulher não passa de um objeto. Não deixa de ser uma tremenda contradição com a noção divulgada por estes “fiscais” de que o sexo deve ser praticado apenas para fins reprodutivos.

Outra face da mesma moeda são as críticas aos que defendem os direitos dos homossexuais. Sou heterossexual – e não teria o menor problema em me assumir gay, caso fosse – mas entendo que todos são iguais perante a lei e que os direitos devem ser amparados. O fato de uma pessoa defender os direitos dos gays e lésbicas não significa que ela seja homossexual. É uma questão de justiça advogar que todos sejam iguais frente às normas legais do país – e o que as pessoas fazem entre quatro paredes não deveria ser motivo de legislação.

Porém a sociedade brasileira ainda denota claros traços de homofobia, como o recente episódio envolvendo o jogador do Corinthians demonstrou. Não deixa de ser uma face do espetáculo de radicalização da intolerância a que vamos assistindo na sociedade brasileira de anos para cá.

Intolerância. Esta é a palavra chave. Impor nossas convicções, crenças e pensamentos é mais importante que qualquer outra coisa. Pessoalmente, lamento.

O corpo é das pessoas, o prazer é das pessoas e ninguém tem o direito, a meu ver, de controlar ou determinar o prazer alheio. Isso vale para todo tipo de relação consensual.

Encerro este post com uma sugestão: que tal os ‘fiscais do prazer’, ao invés de controlar o que as pessoas fazem com seus órgãos sexuais, passassem a explorar mais os seus próprios? Seria mais prazeroso – para todo mundo.

(Foto: Uol)

3 Replies to “Fiscal do Prazer: evite esta ideia”

  1. Concordo com o que você disse no texto, o que as pessoas fazem entre 4 paredes é problema delas e somente delas, não vejo problema nenhum nisso. Entretanto existem muitos casais (sendo a maioria gays, não a totalidade) que dão verdadeiros shows em publico e isso não me agrada nem um pouco. Uma demonstração de afeto tudo bem, mas não gosto de ver casais, sejam gays ou héteros, chegando quase as vias de fato em público e achando que estão cobertos de razão. Isso eu não concordo.
    Quer fazer? Faça, mas não me obrigue assistir ao show.

  2. O texto em si é muito bom.

    Mas a frase “Normalmente são adeptos de uma instituição religiosa cristã e embora os homossexuais sejam o alvo principal, não são os únicos.” é de uma infelicidade absurda. O preconceito religioso é tão condenável quanto o preconceito sexual.

    Carimbar no cristão a pecha de “homofóbico” em um texto que defende a liberdade individual é uma grande hipocrisia, uma agressão gratuita a uma determinada parcela da sociedade no meio de um libelo pela liberdade individual. Espero que tenha sido apenas uma frase mal redigida, sob pena de se desmerecer a própria opinião do autor em si. O que seria uma pena, dado o teor de tudo o que foi escrito e que merece ser aplaudido e passado adiante.

    Um abraço.

    1. Ricardo, com a frase quero apenas pontuar que os “fiscais” mais barulhentos e mais presentes na mídia são os ligados a estas denominações – basta ver Malafaia e Feliciano. É uma constatação, não uma opinião.

      abraços

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