Nesta segunda feira, mais um delicioso texto do historiador Luiz Antonio Simas e sua coluna “Histórias Brasileiras”.

Almofadinha – a Origem

Vez por outra me ocorre uma ideia que quase imediatamente abandono: penso em escrever um dicionário de termos em desuso. O título, para dar um caráter mais sensacionalista ao projeto, seria algo como “Dicionário das Palavras Moribundas”. Ninguém mais xinga ninguém, por exemplo, de mequetrefe, bilontra, safardanas, sicofanta, pascácio, poltrão, onagro, toleirão, charro, valdevino, bonifrate ou sibarita.

Outra expressão, com certo tom entre o jocoso e ofensivo, que quase não se ouve mais é almofadinha. É sobre a origem dela que faço rápidas observações.

Corria o ano de 1919, meses após o final da Grande Guerra. Um concurso esquisito mobilizou a cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro: “rapazes elegantes e efeminados” se reuniram para definir quem era o melhor na arte de bordar e pintar almofadas trazidas da Europa especialmente para a ocasião.

Antes que alguém se ofenda com o efeminados do parágrafo acima, aviso logo que a expressão não é minha. Foi assim que o escritor Raimundo Magalhães Jr., um tremendo conhecedor das coisas daquele tempo, biógrafo de João do Rio e pai da carnavalesca Rosa Magalhães, se referiu aos participantes do concurso.

Magalhães Jr. explica que esse curioso certame deu origem à expressão almofadinha, para designar os tipos afetados, cheios de salamaleques e não-me-toques, nos tempos da República Velha.

Outra versão diz que o termo deriva dos bancos de madeira dos bondes cariocas, que causavam transtornos aos bumbuns mais sensíveis e obrigavam alguns passageiros a levar almofadas para se sentar com o mínimo de conforto. Os machões achavam que só os frescos precisavam das almofadinhas. Gosto das duas versões, a do concurso e a do bonde. Desconfio, todavia, que a primeira é mais verossímil.

Voltemos ao campeonato de almofadinhas bordadas em Petrópolis. A disputa entre os mancebos foi acirrada. Há relatos de que dois concorrentes deram chiliques, tiveram queda de pressão e desmaiaram depois do anúncio do resultado. Meninas prendadas acompanhavam atentamente o desempenho dos varões não tão assinalados.

Quem não gostou coisa nenhuma da contenda, com direito a faniquitos e siricoticos dos rapazolas, foi o escritor Lima Barreto. O autor do Triste Fim de Policarpo Quaresma vociferou contra os participantes do concurso em uma de suas crônicas mais famosas. Cito o grande Lima:

“Foi à custa deste esforço e desta abnegação dos pais que esses petroniozinhos de agora obtiveram ócio para bordar vagabundamente almofadinhas em Petrópolis, ao lado de meninas deliqüescentes. Hércules caricatos ao lado de Onfales cloróticas e bobinhas.”

Pausa para um esclarecimento das antigas. Posso imaginar alguns leitores pensando o seguinte: que diabos o Lima pretendeu dizer com Hércules caricatos e Onfales cloróticas? Explico rapidamente.

Diz a mitologia grega que Hércules, em um momento dos menos afortunados de sua trajetória de semideus, foi exilado na Ásia e condenado a viver três anos como escravo. Foi vendido à Rainha Onfales, viúva do Rei da Lídia, Tmolo. Rolou, evidentemente, um clima de novela do Manoel Carlos entre a Rainha e o filho de Zeus e Alcmena. Onfales resolveu libertar Hércules. O fortão, entretanto, estava apaixonado e preferiu continuar escravo da soberana.

Onfales, que não era mole, pintou e bordou com o semideus. Para mostrar o poder da sedução feminina, se vestia de macho e ordenava que Hércules se vestisse de mulherzinha e ficasse aos seus pés fiando a lã no fuso e na roca.

É isso mesmo – o sujeito que desceu o cacete no terrível Leão de Neméia deu uma de travesti apaixonado, bordando toalhinhas aos pés da Rainha Onfales. Os gregos enxergam nesse mito uma metáfora poderosa do domínio da beleza sobre a força bruta.

O fato é que o homem almofadinha, que tanto asco causou a Lima Barreto, ganhou fama e acabou, inclusive, consagrado como um típico personagem carioca nas caricaturas de J. Carlos, o maior nome do cartum brasileiro na primeira metade do século XX. O almofadinha, nos traços do grande desenhista, era o homem com trejeitos delicados, impecavelmente vestido, perfumado, vaidoso, que acabava dominado pela melindrosa, uma mulher avançada, de vestido curto, pernas grossas e disposta a fazer valer os seus direitos.

Como já digressiono em demasia e até Hércules entrou no furdunço, é melhor ficar por aqui. A almofada do sofá, afinal, me espera para um descanso merecido. Quem sabe me animo e começo o tal dicionário…

Abraços.

One Reply to “Histórias Brasileiras – “Almofadinha – a Origem””

  1. Obrigado pela explicação.
    Agora só me falta entender a origem da expressão “salta-pocinhas”, embora a imagem por si já seja bastante sugestiva.

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