BRAZIL-SOCIAL-HOUSEKEEPING

Nesta segunda, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, discorre sobre a recém aprovada lei que regulamenta o trabalho das empregadas domésticas. É um texto que assino integralmente.

A PEC das Empreguetes

“Com a PEC das empreguetes promulgada, vou alterar o contrato social aqui de casa, promover Maria à sócia e passar a pagar pro-labore.”

Foi assim, bem humorado, que um amigo meu reagiu no Twitter à aprovação da famosa emenda constitucional que estendeu aos empregados domésticos os direitos que todos os demais empregados já possuíam; fazendo com que a aplicação da lei trabalhista passasse a ser, doravante, universal.

Só este fato em si – a existência de contratos de trabalho que eram regidos de forma diferente, fazendo que uma classe de trabalhadores tivesse menos direitos que as demais – deveria causar espanto e mesmo indignação. Mas, ao contrário do meu amigo, quase ninguém que conheço reagiu com bom humor à ampliação dos direitos trabalhistas dos trabalhadores domésticos. Falo, evidentemente, do lado em que me encontro, o lado dos empregadores, porque imagino que do outro lado, o dos empregados, haja profunda comemoração.

Fui obrigado a ouvir tantas coisas nessas últimas semanas que havia discussões que tudo o que sonhava era poder plugar os headphones no celular e ouvir Led Zepellin em volume máximo, para não me decepcionar com as falas das pessoas.

Gente que não teve pudores de declarar, na frente de conhecidos e desconhecidos, que um “absurdo” desses não leva em conta as “ajudas” que tanto se dá a essa gente sofrida, coitados, que recebem apoio para a festa de aniversário dos filhos e são tratados como gente da família, privilegiados por comer as sobras das finas iguarias da Casa Grande.

A rigor, a mudança nem chega a ser tão radical: em termos monetários (no meu caso, pelo menos), o que se tem é um acréscimo imediato de 8% do FGTS, além de uma ameaçadora multa de 40% caso se resolva despedir o trabalhador. A demissão, sim, vai representar um custo severo, mas o dia-a-dia ficou só um pouquinho mais caro.

Isso, claro, no meu caso e no da maioria das pessoas que conheço, que contratam seus empregados para cumprirem uma jornada de trabalho “normal”. A coisa começa a engrossar de vez para quem conta com empregados em tempo integral e mais ainda para quem tem o luxo de ter serviços domésticos 24 horas ao dia.

Não vou entrar no mérito de que isso deve ou não ocorrer. Eu mesmo, até bem pouco tempo, tinha. Sou pai de duas filhas gêmeas de pouco menos de 2 anos, não tenho parentes por perto para nos ajudar, minha esposa voltou a trabalhar antes de 4 meses após o parto e, não fossem as babás que se dispuseram a pernoitar em nossas casas, eu não sei como teria sido nossa vida.

Pois é justamente para quem precisa ter empregada por mais tempo em casa (ou até por tempo integral) que a nova lei traz alterações sensíveis. Porque agora não dá mais para ter só uma empregada cuidando de tudo, mesmo que a patroa esteja disposta a pagar caro por isso.

Esses dias de mudança têm sido pródigos na colheita de informações e opiniões. Pululam especialistas, dando conselhos e certezas impossíveis de serem confirmadas, porque só o tempo e a Justiça do Trabalho (principalmente esta) é que poderão afirmar como vai se dar a dinâmica das relações domésticas.

Mas algumas coisas eu não preciso esperar para dizer:

a) empregada dormindo na mesma casa do patrão (principalmente babá) não está descansando, está de sobreaviso (quem não está de sobreaviso é caseiro de sítio). E sobreaviso é remunerado;

b) motorista esperando o patrão no trabalho, a mesma coisa

c) ainda que a jornada seja de 44 horas semanais, ela só pode ser prorrogada em no máximo 2 horas por dia, totalizando 10 horas – não dá para fazer a empregada trabalhar 18 horas em um dia e folgar o dia seguinte: a conta não vai fechar.

Pegando aqui meu exemplo pessoal, se eu ainda precisasse de uma babá que dormisse conosco, eu precisaria ter uma ajudante diurna, trabalhando, digamos, de 8h às 19h e outra que chegasse às 20h e fosse embora às 6h, ambas recebendo horas extras. Sendo que a última ainda teria adicional noturno e uma hora de trabalho que não é de 60 minutos, mas de 52 minutos e meio. Algo bastante caro, mas que me forçaria a avaliar se vale a pena ou não ter alguém que acorde no meio da noite em meu lugar para trocar as fraldas das meninas.

Dura a vida? Certamente, mas é o preço a se pagar por tantos anos em que nós, brasileiros de classe média, nos acostumamos a ter alguém que fizesse em nosso lugar aquilo que deveria ser uma responsabilidade primária de cada casal. É raro, muito raro, que casais brasileiros de classe média se ocupem de tarefas domésticas. Uma aberração tupiniquim, convenhamos.

Prova maior disso é que em condomínios espaçosos se acha de tudo, salão de festas, salão de jogos, brinquedoteca, piscina, sauna e uísqueria, mas nunca vi uma lavanderia comunitária, com aquelas máquinas imensas que os vizinhos europeus e norte-americanos compartilham alegremente em seus finais de semana. Aqui a Maria lava na máquina doméstica, todos os dias, as sujeiras da família.

O que eu realmente torço é que a sociedade passe a demandar mais e melhores serviços, que haja mais praticidade nos alimentos que compramos, mais lavanderias, mais serviços de limpeza e menos gente a compartilhar das nossas intimidades em casa. Um dos dias mais vergonhosos de minha vida foi quando me esqueci que agora tínhamos empregada em casa, saí pelado do banho e fui colocar a roupa suja no cesto, mas dei de cara com a Dona Maria, sem ter o que dizer.

Não acreditem nesse terrorismo de que a nova lei trará desemprego. Quem precisa de empregada doméstica, continuará a ter, sacrificando outros itens do orçamento. Quem não precisa já não tem, são raros os casais da minha geração que possuem empregadas em tempo integral, as diaristas já dominam o cenário faz tempo.

A única ironia disso tudo fica por conta da tirada bem humorada do meu amigo citado na introdução: enquanto as domésticas, com décadas de atraso, finalmente conseguem ascender à legislação trabalhista, quem a passos largos se afasta dela são os profissionais do topo da cadeia produtiva, que se submetem sem reclamar à precarização das relações de trabalho e aceitam se vincular aos empregadores mediante arranjos simulados com pessoas jurídicas de fachada, a chamada “pejotização”.

 

3 Replies to “Bissexta – “A PEC das Empreguetes””

  1. Perfeito Walter. Comentava essa semana, entre amigos, que isso ainda é fruto dos tempos da escravidão no Brasil. Não pode ter funcionário em casa amigo? Vá fazer. Mas se puder e quiser ter, pague como tal.

  2. Sigo o editor e assino embaixo do texto. Desde o 3° período da faculdade achava o § Único do Art. 7° da Constituição uma aberração e que seria eivado de incostitucionalidade não fosse ele uma norma do Poder Constituinte Originário.

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