bagnascoNesta segunda feira, a coluna “Made in USA”, do advogado Rafael Rafic, inicia uma série de duas colunas sobre o conclave que elegerá o substituto do Papa Bento XVI, que renunciou ao cargo recentemente. Hoje teremos a primeira parte e amanhã a segunda.

O Conclave Papal: Parte I

Eu juro ao leitor do Ouro de Tolo que tento manter meus textos no mundinho americano que dá nome à coluna, mas os fatos sempre me atropelam. Agora, todos os olhos do mundo ocidental estão presos ao Vaticano, atônitos com o repentino e surpreendente anúncio de renúncia do Papa Ratzinger (Bento XVI) e ansiosos, como sempre, pelo conclave que lhe seguirá, elegendo o novo Papa. 

Parêntese: ao longo do texto o leitor verá que tenho a mania de chamar todos os papas pelo seus sobrenomes de batismo. Colocarei entre parênteses seus nomes pontifícios para melhor compreensão. 

Apesar de ser ateu hoje, já fui católico praticante e ainda hoje estudo um pouco a história do papado, sua liturgia e, principalmente, o momento político da Igreja Católica e do seu colégio de cardeais. Logo, quero compartilhar no blog alguma das idéias que tenho sobre a eleição do próximo papa. 

A intenção é que seja uma coluna pragmática e menos rancorosa do que a “procissão de ódio” (da qual não discordo nem concordo totalmente) feita pela Milly Lacombe há pouco tempo. 

Para começar é preciso entender que hoje, o Colégio de Cardeais, pelo menos ideologicamente, é quase um monólito. 

Ou seja: não importa se o próximo cardeal seja um conservador ferrenho, como o Cardeal Bagnasco (foto, presidente da CEI, a CNBB italiana), ou um progressista rasgado, como o Cardeal Maradiaga (Arcebispo de Tegucigalpa, contra o qual existe a suspeita de ser anti-semita): muito dificilmente o novo Papa será favorável ao aborto, à eutanásia, ao homossexualismo, ao sexo com camisinha ou ao fim do celibato. 

Sempre haverá um ou outro cardeal que defenda algum desses pontos. Como o Cardeal Turkson (ganense do Conselho Pontifício para a Justiça e Paz) que defende, ou melhor, não condena o uso da camisinha para conter a AIDS. Ou o Cardeal O’Brien (irlandês, Arcebispo de Edimburgo) que defende o fim do celibato. Porém, mesmo discordando de um dos pontos, eles concordam em todos os outros. 

De tal forma que, dos 118 cardeais que votarão na eleição do novo papa, em cada um dos pontos polêmicos atuais uns 111 ou 112 cardeais concordem com a posição atual. Sendo assim, é praticamente impossível a eleição de alguém que seja discordante, mesmo que seja em apenas um dos pontos. A divisão atualmente, como disse o vaticanista John Allen Jr, é mais de tom do que de ideologia. 

Parêntese: já aqui fulmino um dos nomes ditos como papáveis: o Cardeal Turkson. 

Tendo esclarecido esse ponto inicial, passemos aos problemas atuais da Igreja, que deverão (iam) pontuar as conversas sobre o nome a ser escolhido. Ratzinger, apesar de ser um papa intelectual para a posteridade, escrevendo excelentes livros teológicos antes e durante seu papado, foi um desastre em dois pontos: no trabalho pastoral e na ordem administrativa da Igreja. 

Quanto à administração, esse é um problema antigo que já vem se arrastando há mais de 30 anos, ainda na época do papa Wojtila (João Paulo II). A Igreja está uma zorra, na qual não se tem um mínimo de gestão, seja financeira, seja hierárquica; e esse quadro acaba se tornando propício para o surgimento de inúmeros escândalos. Vide os escândalos de pedofilia (que até hoje não foi estancada por causa da falta de controle administrativo do Papa nas dioceses), o Vatileaks (resultado desses vários anos de desleixo que criaram uma cúria altamente política no pior sentido da palavra) e os recorrentes escândalos financeiros no Instituto para as Obras de Religião (o nome oficial do famoso Banco do Vaticano). 

Esse é um problema grave que o novo Papa deverá ter muito pulso para organizar, porque os privilégios já estão arraigados. Muitos ficarão bastante insatisfeitos com as mudanças necessárias e farão de tudo para atrapalhar o Papa nessa missão. Inclusive tentarão o forçar a uma nova renúncia. 

Só que já temos o primeiro problema do conclave: as pessoas que estão criando esse problema administrativo comporão boa parte do colégio que irá escolher o novo papa. A probabilidade de elas manobrarem para a escolha de um nome fraco, ou pelo menos conivente com tais posturas, é grande. 

Dentro disso, até pelo fato da Igreja ter conseguido apagar o vulto criado por Wojtila, seja pelo seu longo papado ou sua veia midiática, é bastante possível que o novo escolhido seja jovem o suficiente para ter forças de mudar os rumos da Igreja e ter um papado maior que uma década. 

É possível que ele tenha entre 65 e 70 anos, talvez até 60 anos, em contraste com Ratzinger, claramente um papa de transição, eleito com 79 anos – e que sobreviveu mais do que os cardeais esperavam. 

O outro problema, o pastoral, é mais recente e figura exclusivamente na personalidade de Ratzinger, um Cardeal intelectual e dos maiores beneficiados pela zorra administrativa. Porém, não conseguia se comunicar com os fiéis da forma que seu antecessor fazia (alias, era mestre) e com isso não só dificultou a comunicação com os fieis atuais como principalmente, quase impossibilitou a conversão de novos fieis. 

Tudo indica que é consenso, dentro e fora da chefia da Igreja, que o novo papa terá que ter um perfil pastoral. Ou, pelo menos, um papa que mesmo que não tenha esse perfil, saiba dar as condições litúrgicas, políticas e administrativas, para que pessoas com tal perfil se sobressaiam na Igreja e façam esse papel. 

Pela quase unanimidade da relevância desse ponto, provavelmente o novo papa será um papa com forte experiência pastoral. Aqui ganham relevância aqueles que ocupam relevantes Arcebispados. 

Nas últimas cinco eleições, em três os escolhidos vieram de um Arcebispado, ou de um Patriarcado – que não deixa de ser um Arcebispado. Assim foram Wojtila (João Paulo II, Arcebispo da Cracóvia), Luciani (João Paulo I, Patriarca de Veneza) e Roncalli (João XXIII, Patriarca de Veneza). 

As exceções foram os integrantes da cúria Montini (Paulo VI) e Ratzinger (Bento XVI), que ainda sim tiveram experiências em Arcebispados, sendo o primeiro Arcebispo de Milão e o segundo, Munique. 

Alias, aposto com convicção que o novo papa venha de um Arcebispado e garanto que se não vier de um Arcebispado, que já tenha tido longas experiências em Arcebispados importantes. 

Parêntese – aqui mato outro nome bastante ventilado: o Cardeal Ouellet (canadense da Congregação para os Bispos). Amanhã retomaremos o tema a fim de completar a análise e estabelecer alguns prognósticos.

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