Neste sábado a coluna de contos carnavalescos do compositor Aloisio Villar, a “Enredo do Meu Samba”, conta a divertida história do sequestro da sogra de um presidente de escola de samba (fictícia) do Grupo de Acesso.

Sequestraram Minha Sogra

Achei a história de Juan fantástica e comecei ali a entender porque Manolo era tão querido e carismático: de certo puxara o pai. Conversei com ele, fiz a tal entrevista e fui para casa com o material. 

No notebook escrevi a matéria e depois fui para a sala. Abri uma Chimay e pensei na tarde agradável que passara no bar; fiquei com pena que ele fechasse. Pensei em quantas histórias maravilhosas aquele local escondia e com o seu fim ninguém conheceria. 

Pensando nisso tudo, decidi ligar para meu velho pai. 

Tempo que não conversava com seu Jair; fiquei mais de meia hora com ele no telefone falando sobre samba. No fim comentei com meu pai que o “Casa de Bamba” fecharia e se tornaria uma igreja evangélica. Meu pai lamentou e perguntei se ele não queria no dia seguinte beber uma cerveja no local. 

Meses que não via meu pai, fiquei atolado com o processo de separação, o trabalho e decidi que era hora de fazer uma média com o coroa. Fui até a frente de sua casa e buzinei. Rapidamente, muito bem vestido meu pai surgiu. 

Pedi sua benção e, brincando, perguntei o porquê de toda aquela elegância. Meu pai sorriu e respondeu que o sambista por natureza é elegante. Sempre tem uma calça branca, um sorriso no rosto e gingado nas pernas. 

Fomos em direção ao “Casa de Bamba” e chegando no bar meu pai se emocionou e exclamou: “Nossa, quanto tempo não venho aqui!!”. Pegamos uma mesa e fomos servidos pelo Almeidinha. Bebíamos cerveja, comíamos umas calabresas e falávamos de samba quando o pessoal de outra mesa reconheceu meu pai. 

Vários senhores de idade estavam na mesa e começaram a gritar: “Olha o Jair da harmonia!!”, chamando por meu pai. Meu pai reconheceu alguns que estavam na mesa e, feliz, se aproximou dos homens. Cumprimentou a todos e me chamaram pra se juntar a eles. 

O papo estava bem animado. Perguntaram meu nome e respondi: Pedro de Oliveira. Um dos homens comentou “nome pomposo, igual de Noel Rosa de Oliveira”. Outro homem comentou que sempre achara bonito o nome Noel Rosa de Oliveira e um deles perguntou se o conhecia. 

Respondi que sim, era o poeta da Vila. Eles riram falando que não, esse era outro. Noel Rosa de Oliveira era um renomado compositor nascido no morro do Salgueiro e compositor de Xica da Silva. Eu em minha ignorância comentei que achava que Xica da Silva era de Jorge Benjor e eles riram. 

Um dos homens comentou que quem passara pelo bar mais cedo fora um dos filhos do Dr. Bezerra e perguntou se meu pai conhecia o homem. Ele respondeu “claro que sim, fui diretor de harmonia da Unidos do Saca Rolha na época do sequestro . Jornalista convicto, fiquei curioso com aquela história de sequestro e perguntei do que ele falava. 

Todos na mesa riram e meu pai decidiu me contar. 

Voltamos alguns anos no tempo e a Unidos do Saca Rolha era uma escola do grupo de acesso capitaneada pelo Dr Bezerra, famoso bicheiro da região. O carnaval se aproximava e a promessa era de um grande desfile da comunidade “sacarrolhense”. O ensaio fervia quando Dr Bezerra pediu a palavra. 

“Alô meu povão da comunidade sacarrolhense!!”. A bateria fez rufar e Bezerra parou para tal. Quando a bateria se aquietou o homem continuou. 

“Podem ter certeza que a gente viemos pra ganhar o carnaval!! Eu garanto que se alguém tiver que ganhar o carnaval tem que ganhar da gente!!”. Outro rufar silenciou o patrono que esperou que a bateria parasse e continuou. 

“A gente temos garra, temos dedicação…” novamente a bateria rufou e irritado Bezerra gritou ao microfone “Para com essa porra que eu quero falar!! Próxima manifestação da bateria vou mandar minha rapaziada enfiar a baqueta nos senhores e os senhores sabem aonde!!” 

Um silêncio sepulcral tomou conta da bateria enquanto Bezerra continuava: “Obrigado… Como eu tava falando a gente temos empenho, dedicação, suor e dinheiro pra cacete!! No dia do desfile teremos trinta microondas na frente da quadra pra enfiar o povo dentro e ir pra Sapucaí…” 

Pequinês (braço direito de Bezerra) falou em seu ouvido “é microônibus, doutor”. Enfurecido Bezerra pegou o microfone e disse “Stallone, enfia a baqueta!!”. 

Dessa forma Stallone, o chefe da segurança de Bezerra levou o pobre Pequinês (que gritava em desespero) para o lado de fora da quadra enquanto Bezerra novamente falava ao microfone “Então a parada é a seguinte!! Quer saber? Vou falar mais porcaria nenhuma!! Encheu o saco!! A cerveja na quadra hoje é ‘0800’ pelo coroamento da nova rainha da bateria, minha dileta esposa Katylene Cristina!!” 

A bateria, que vestia camisas com o rosto de Katylene, finalmente pôde fazer o rufar enquanto a moça, mulher escultural digna de capa de playboy sambava na frente da bateria “pão com ovo”. 

Bezerra, cheio de cordões de ouro, anéis de ouro, relógio de ouro, dente de ouro e até unha encravada de ouro bebia uísque no camarote quando um homem chegou ao seu ouvido e comentou “ sequestraram sua sogra”. 

Bezerra se assustou e perguntou como aquilo poderia ter acontecido, o homem que também era seu assessor pediu que Bezerra fosse ao lado de fora da quadra. O bicheiro saiu e alguns policiais que estavam na rua e trabalhavam como seus seguranças já estavam de prontidão. Bezerra perguntou o que acontecia. O homem contou que invadiram a casa do bicheiro e roubaram quadros, esculturas, o poodle da família e sequestraram a sogra. 

Bezerra espantado perguntou: “Até o poodle?” – e o homem perguntou o que fariam. Naquele instante Stallone voltava com um dolorido Pequinês e Bezerra deu a ordem “Stallone, pegue os homens e dê uma geral pelo bairro. Tragam o poodle de volta e se possível a jararaca da mãe da Katylene também”. 

Bezerra foi para casa com muitos assessores, seguranças e puxa-sacos em volta enquanto Katylene chorava e era consolada pelo carnavalesco. Em determinado momento Stallone entrou na sala com o poodle nos braços e Bezerra sorriu, indo a seu encontro. Pegou o cachorro no colo, beijou e perguntou se tinham lhe feito mal. 

O homem, bem mais aliviado, disse que já estava tudo bem e que todos fossem dormir. O carnavalesco se levantou, pôs as mãos na cintura e perguntou “Como assim benhê? E a mãe da Katylene? Katylene levantou e perguntou: “Isso mesmo, e mamãe?”. Baixinho Bezerra comentou “bicha desgraçada” e pediu que todos sentassem e esperassem contato dos sequestradores. 

Depois de algum tempo o telefone da casa tocou e Pequinês atendeu: eram os sequestradores  Passou o telefone a Bezerra e sentou-se em cima de uma almofadinha. Bezerra atendeu e do outro lado da linha o sequestrador, aparentando bastante nervosismo, pediu um milhão de reais para soltar a senhora. 

Bezerra ouviu a tudo e pediu que o sequestrador ligasse para seu celular em cinco minutos. Passou o número e desligou. 

Ninguém entendeu nada. Katylene perguntou o porque daquela atitude e Bezerra respondeu que preferia falar reservadamente com o bandido. Ele foi ao quarto e o telefone tocou. Ele atendeu e pediu que o sequestrador fizesse novamente a proposta. Então ele confirmou: um milhão pela soltura da velha. 

Bezerra no ato revidou: pagava dois milhões para o sequestrador ficar com a sogra. 

O sequestrador nada entendeu e Bezerra confirmou a proposta. Furioso o bandido gritou “o senhor pensa que eu estou brincando!! Eu não estou!! Eu mato essa velha!! Juro que mato!!”. Bezerra retrucou que não mataria e lucraria mais ficando com a sogra. 

Mais uma vez o marginal disse: “Eu vou mandar a orelha dessa desgraçada pra provar que não estou brincando!!”. Bezerra pediu que mandasse a língua: seria um favor para a humanidade. Desligou. 

Para a família Bezerra disse que negociava e tudo daria certo, mas a verdade é que o sequestrador ligava todos os dias tentando negociar o resgate e Bezerra irredutível falava “só pago pra ficar com ela”. 

O desespero do meliante aumentava a cada dia e em vez de um milhão ele já pedia dez mil pelo resgate. Bezerra continuava irredutível até que em um dia de grande desespero o sequestrador ligou de novo.

Entediado, Bezerra atendeu e o sequestrador implorou: “pelo amor de Deus doutor, to liberando de graça, vem pegar essa jararaca”. Bezerra respondeu que não negociava e ele continuou implorando “Doutor, tenha piedade, minha vida se transformou em um inferno desde que sequestrei  A velha come pra caramba, bebe, me faliu, não para de falar, reclama de tudo e nem meu futebol consigo mais ver na tv, tenho que aturar novela todas as noites!!” 

Bezerra bateu pé firme e desligou o telefone com o homem chorando e gritando que pagava mil reais para buscarem a velha. 

Todos assistiam à tv quando entrou um link ao vivo mostrando o fim de um sequestro  Era o da sogra de Bezerra, que saía da casa protegida pelos policiais da divisão anti-seqüestro e um homem depois saiu chorando da casa, mãos para o alto gritando “Pega eu!! Pega eu que sou ladrão!!”

Sem conseguir negociar com Bezerra o homem preferiu ligar para a polícia e se entregar a ficar com a velha. Na mansão de Bezerra todos comemoravam enquanto o homem, com o poodle no colo, lamentava baixinho: “acabou a folga”. A velha entrou na casa sendo festejada por todos, se aproximou de Bezerra e deu um tapa na cara dele dizendo: “imprestável, nem pra pagar um resgate”. 

O sequestrador sentia-se aliviado na cadeia, livre do sofrimento de conviver com aquela velha, quando o carcereiro lhe chamou dizendo que tinha visita. O homem estranhou e foi até a sala de visitas. Entrou, a porta foi fechada e deu de cara com a sogra de Bezerra. A senhora vestia um sobretudo, tirou e ficou apenas de camisolinha. Maliciosa deu um sorriso e disse “hoje você não escapa de mim”.

O sequestrador desesperado pegou nas grades e começou a gritar por socorro. 

Sequestraram a sogra de Bezerra, bem feito pro sequestrador… 

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