(por Luiz Antonio Simas)
Benjamin, meu moleque, vamos aos fatos.
Não posso te educar para ganhar dinheiro e a razão é muito simples: não poderei ensinar o que nunca soube e não quero saber.
Não tenho como te educar para ser bem sucedido e ter sucesso no mercado; o único mercado no qual este teu pai consegue se virar bem é o de Madureira. Ali, na macaia das mandingas, sou capaz até de te dizer onde se compram as melhores folhas para preparar o omi eró (o banho que acalma) dos orixás e caboclos do Brasil.
Vai ser ruim te ensinar a se comportar com a devida etiqueta em jantares cheios de salamaleques; não entendo de talhares, copos, louças finas, raras porcelanas. Sei, entretanto, que antes de uma boa feijoada é regra tomar uma abrideira, daquela que matou o guarda. Um dia tomaremos juntos uma branquinha de leve, na coité, como manda o figurino. Sobre os jantares mais requintados, me tira dessa e confia na tua mãe, que sabe das coisas.
Não te direi como harmonizar vinhos e pratos sofisticados, cervejas caríssimas e petiscos certos. Fui criado na regra de que harmonia é o entrosamento entre o canto e a dança durante um desfile de escola de samba, como eu vi – e vou te contar! – a Vila Isabel fazer na Quizomba de Martinho e Luís Carlos da Vila . E foi bonito pacas!
Não posso te ensinar sobre como lidar com chefes para subir em empresas; como comandar e saber ser comandado, crescer no emprego em dez lições e coisa que o valha. Mas posso te cantar uma curimba de umbanda para Ogum, meu pai, que começa assim: Só Deus, Só Deus, será meu general… Você há de entender.
Enfim, moleque, se depender de mim você vai ter que se virar para arrumar os caraminguás da cerveja e da folia. E se vira mesmo, porque daqui não vem herança em terras, jóias de familia ou contas forradas em bancos. Sentiu o drama?
Mas tem uma herança que meus avós me deixaram e eu posso te passar. É o seguinte: os velhos, trouxeram no matulão nordestino o conhecimento dos baiões, xotes, rojões, valsas, choros e xaxados paridos pelo refolego da sanfona de Luiz Gonzaga.
Ele, o velho Lua, nos legou um embornal de alumbramentos, capaz de desvirar os mundos e percorrer os espaços no voo retirante da Asa Branca. O melhor Brasil, eis o mistério, é aquele que pode ser visto pelos olhos cegos de um Assum Preto. Te mostrar isso, camaradinha, é a minha tarefa ao longo dos anos que virão.
Estou convencido, enfim, de que me cabe te educar falando, lendo e ouvindo sobre o Brasil de Luiz Gonzaga. O resto eu entrego aos caprichos da sorte, zeloso de que me guiará a sabedoria incerta e adivinhada de um amor maior do que o mundo; um amor do tamanho do sertão brasileiro de onde, não se esqueça, nós viemos um dia.
Um beijo do teu pai.

 

7 Replies to “Histórias Brasileiras – “Herança – Uma Carta Para Meu Filho””

  1. Salve, Simas!

    Também vou deixar ao Gabriel uma herança parecida. O Brasil de verdade é a melhor herança a se deixar para um brasileiro da gema. Vou falar para ele da origem da família, lá entre os índios Puris do interior da Serra do Couto em Miguel Pereira, de onde veio Vô Arthur do Couto. Vou falar também da mistura com negros (Vó Elza era uma mulatona do Morro do Salgueiro) e com brancos europeus (Vô Hélio era neto de espanhóis), uma origem comum a muitos brasileiros “puros”. Um abraço, mestre.

  2. E assim,como para mim foi meu pai,tú serás o melhor exemplo que teu doce moleque poderá ter.
    Lindo texto que ele vai qdorar ler quando estiver mais velho!
    Abraços,
    Anna Kaum

  3. Bravo!!!

    Pode ter certeza que acaba de ganhar um leitor para o seu blog!
    Todos os dias acesso em busca de um novo post.
    Ao meu ver todas tuas postagens trazem a essência do Brasil, aquela malandragem de um fim de tarde, aquela cervejinha com o sol quase se pondo…
    Muitas coisas que sinto e que vejo traduzidas em teus textos carregados de alegria e de muito Axé!
    Até mais, Luiz!

  4. Caramba, Simas, essa carta está de arrepiar! Podias acrescentar que vais ensiná-lo a escrever com um estilo carioca inimitável, onde cada palavra é sentida com paixão. Parabéns!

    Um grande abraço,

    Alvito

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