Nesta quarta feira, a coluna “História e Outros Assuntos”, do Doutorando (CPDOC/FGV) e Mestre em História (UNIRIO) Fabrício Gomes, versa sobre a influência da internet e das redes sociais no ensino, além de propor um debate sobre o papel do professor na sala de aula.
Os Historiadores e as redes sociais
Vivemos no admirável mundo das novas tecnologias. A internet, que desde meados dos anos 1990 vem brindando os cidadãos com a facilidade de pesquisar qualquer coisa, em qualquer hora do dia, veio realmente para ficar. Redes sociais, Twitter, Facebook e Blogs são ferramentas que estão somadas a esse “pacote” de benefícios.
Hoje, uma criança mal acaba de nascer e é apresentada a tudo isso, compulsoriamente. Entretanto, ao mesmo tempo em que é um benefício, pode também ser prejudicial, principalmente no que tange à questão das crianças não terem mais tempo de fazer algo que é fundamental nesses novos tempos – e justamente que acaba por ser o diferencial nos momentos decisivos – como provas, concursos, entrevistas, entre outros: a capacidade de raciocinar. 
Somos apresentados a idéias pré-concebidas. Já lecionei para alunos que, diante de trabalhos em grupo, automaticamente recorriam ao Google e ao Wikipedia e simplesmente utilizavam o famigerado recurso do “Copy/Paste”. Pior: longe deles lerem o que estavam clonando, o que dirá raciocinar sobre as idéias contidas no texto. E se eu sofisticasse os exercícios um pouquinho mais, havia uma brecha comumente utilizada por eles: a decoreba.
Esta introdução, que parece rechaçar o conceito de modernidade do tempo presente, não tem esse propósito. Muito pelo contrário.
Sou um fã da web, estou praticamente conectado 24 horas por dia, todos os dias, seja no notebook, no smartphone ou no iPad. Mas justamente por perceber que o mundo de facilidades que a tecnologia nos oferece é provido de armadilhas – que a longo prazo podem ser terríveis às novas gerações, torna-se premente uma análise mais detalhada sobre o processo de aprendizagem que temos atualmente nas instituições de ensino.
É fundamental uma atenção especial ao papel dos historiadores e professores de história nesse contexto. Especialmente, avaliar a formação de professores de história e pesquisadores, que saem das universidades “prontos” para um mercado de trabalho concorrido e saturado.
E transversalmente novas questões como por exemplo, o quão úteis são as redes sociais para os historiadores na disseminação do conhecimento? Como se dá a relação entre alunos e professores na utilização desta ferramenta? Como lida o historiador com as questões do tempo presente, que surgem a cada segundo na web? E por fim, pode o historiador tecer uma opinião sobre os atuais acontecimentos?
No período em que cursei os antigos primeiro e segundo graus – que foi imediatamente posterior à abertura política pós-ditadura, tive alguns professores de história (e acreditem: até professores de física!) que não mediam esforços em emitir opiniões políticas.
Reinava certo revanchismo aos militares e também a quem tinha apoiado aquele sombrio regime de exceção. Tive até um professor que fazia propaganda política nas aulas de Educação Moral e Cívica, para candidatos de “esquerda”. Eu desde cedo questionava se era papel do professor fazer isso ou simplesmente lecionar, oferecendo aos alunos subsídios e possibilidades para o raciocínio, por eles mesmos, do cenário político pré-1964 e os desdobramentos causados pelo golpe civil-militar.
Realmente cabe a questão, que merece um aprofundamento. Professor pode, sim, ter uma preferência política e ideológica como bem entender. Professor não é um tirano, distante e que fica intransponível atrás da mesa.
A imagem do professor que “cobrava” a tabuada, corrigia o caderno de caligrafia com extremo rigor, que utilizava a decoreba com os alunos e que dava “bolos”, calejando as mãos dos alunos inofensivos é coisa dos séculos passado e retrasado. Professor é um ser normal como qualquer outro, com emoções, qualidades e defeitos.
Mas creio que o bom professor é aquele que não entrega a matéria de bandeja aos alunos. Bom professor é aquele que incentiva o raciocínio. É aquele que “não oferece o peixe, mas a vara de pescar”. É o que faz os alunos pesquisarem temas, não apenas copiar e colar textos do computador. Por fim, bom professor é aquele que oferece conteúdo, mas sabe cobrar a análise de questões exponenciais inseridas num contexto.
Quando dei aulas para turmas do ensino fundamental, percebi que os alunos não gostavam de escrever no caderno. Quando eu me aproximava da lousa, eles praticamente imploravam para eu “maneirar”, para não escrever muito. Não prendiam a atenção por muito tempo nos conteúdos aplicados.
E quem não gosta de escrever também não gosta de… LER.
Talvez esse seja o principal ponto para a carência de raciocínio: a falta de hábito de leitura, não incentivada por professores que: 1) Estão preocupados apenas em cumprir a ementa dos cursos e o cronograma de aulas; e/ou 2) Professores que procuram incentivar a leitura, mas sofrem naturalmente pressões da direção das instituições de ensino (privadas) – mais interessadas no processo mercadológico – $$$ – para que aprovem alunos.
Uma terceira possibilidade se apresenta: a falta de um trabalho que deveria ser feito na base, com alunos, fomentando as práticas de leitura, aos exercícios discursivos. Alunos são “pedras preciosas” que precisam ser lapidadas desde os primeiros anos de suas vidas escolares. Se a “pedra” chega “bruta” ao Ensino Médio, por exemplo, o trabalho do professor é triplicado. Ou ele reprova ou passa o aluno de ano, permanecendo com essa pendência Então surgem os novos desafios – entre eles, a adequação do ensino de história à realidade das redes sociais, altamente populares entre os jovens.

O trabalho não é fácil. Despertar nos jovens o mesmo interesse pela História que eles nutrem, por exemplo, pelo jogo “Angry Birds” (que eu nunca joguei e nem tive o mínimo interesse e paciência em jogar, apesar dos inúmeros convites – que acho chatíssimos – de amigos que recebo até hoje, diga-se de passagem), corresponde a uma tarefa ingrata, mas ao mesmo tempo desafiadora aos profissionais de História.

Uma questão que há um tempo foi discutida é se é saudável (e ético) professores dos ensinos fundamental e médio terem alunos entre seus amigos nas redes sociais. Particularmente não vejo problemas, desde que haja transparência e não se misture o público (no sentido do ensino como bem comum a todos) com o privado (a vida pessoal).
As ferramentas web precisam e devem ser incentivadas como forma paralela de aprendizagem aos alunos. Há uma infinidade de jornais e revistas que estão na internet, prontos a serem explorados e dissecados. Há livros e publicações gratuitas, disponíveis para download. Há filmes e documentários interessantes no YouTube, que podem ser utilizados como apoio às aulas. Há certo tempo criei um canal de videos sobre história no YouTube (clique aqui para acessar), voltado para alunos, pesquisadores e interessados no tema, sem qualquer tipo de propósito que não seja o de acrescentar novas oportunidades de aprendizado.
Por outro lado, tenho reparado certa intolerância entre professores e historiadores no que concerne à questão editorial de certos veículos de comunicação. Um professor de história deve recomendar a seus alunos que não leia determinada revista só porque esta tem um conteúdo editorial questionável? Ou deve incentivar que leiam, apenas para produzirem, em efeito comparativo, argumentos contrários àquela publicação? A questão é espinhosa – e rende polêmica.
Na semana que passou, tivemos o desaparecimento do arquiteto Oscar Niemeyer. Foi bom constatar o reconhecimento de vários jornais, revistas e sites internacionais ao legado de Niemeyer à humanidade, traduzido em suas obras arquitetônicas espalhadas pelo mundo, tendo na cidade de Brasília sua maior obra. Grandes homens são reconhecidos justamente pelo que deixam para a posteridade.
Mas um veículo teve uma opinião dúbia a respeito do grande Niemeyer: a revista Veja, mais precisamente seu colunista Reinaldo Azevedo, que o rotulou de “metade gênio, metade idiota”. Não concordo com o colunista, achei totalmente desproposital e equivocado seu raciocínio – Niemeyer deve ser avaliado pelas obras produzidas, não pela sua ideologia, que, aliás, não podemos dizer se estava certo ou errado em defender. Mas defendo o direito do colunista de se expressar – e principalmente que os alunos leiam o que ele escreveu, mesmo que seja algo polêmico.
[N.do.E.: uma constatação: caiu muito o nível do pensamento conservador no Brasil. Ontem tínhamos Roberto Campos; hoje, Reinaldo Azevedo. A diferença é abissal.]
Vi comentários de profissionais de história nas redes sociais rechaçando a publicação e o que é pior: recomendando que amigos, alunos e conhecidos não lessem a revista, pois seria “perda de tempo”.
Não cabe a mim ser árbitro nessa questão – cada um tem sua própria opinião e deve agir como bem entender. Mas questiono sim se é saudável essa atitude na aplicação da metodologia do ensino de história.
Que cidadãos iremos formar, se dizemos a eles para lerem apenas aquilo que concordamos? E o que não concordamos (por ideologia), não devemos levar aos alunos? Não seria interessante utilizar o referido texto de Reinaldo Azevedo em sala de aula e em seguida utilizar outro, em contraponto? Que tal incentivar aos alunos a análise dos dois textos e no final, promover com os alunos, um raciocínio sobre o que representou, de fato, Niemeyer para a história e a cultura brasileira?
No âmbito da pesquisa, a situação pode se agravar.
Já imaginaram um historiador se recusar a ler um artigo de Goebbels (Ministro da Propaganda de Hitler) só porque “acha” que o nazismo foi um período sombrio da história? Realmente foi, mas é período em que historiadores devem adquirir uma postura neutra de pesquisa.
Ou então ser intolerante aos textos de Francisco Campos (jurista cuja doutrina era anti-liberal e autoritária, responsável pela redação da Constituição brasileira de 1937), só porque ele era simpático ao Estado Novo? Revolução cubana? Se o professor de história for antipático ou simpático (ao extremo) a Fidel, já imaginaram o caos que seria a aula?
Esse tipo de sugestão está longe de se pautar por preferências ideológicas. Acredito que o professor de história, enquanto cidadão, tem todo o direito de ter opiniões – e deve tê-las. Mas a partir do momento em que entra em sala de aula deve ser neutro, apolítico e exercer um papel de mediador, provendo os alunos de recursos de aprendizado e como já escrito acima, incentivando a prática do raciocínio. Não devemos formar pessoas teleguiadas, com idéias pré-concebidas e preconceituosas.
[N.do.E.: não sou docente, mas não acho ruim o professor mostrar todos os lados e, ao final, indicar sua linha de opinião ou raciocínio. Que fique claro que é um pitaco]
Voltando ao ofício do pesquisador de história, essa idéia também é válida para aqueles que desejam escrever biografias e/ou trajetórias biográficas: se for antipático ao seu biografado, melhor nem começar a escrever. Não vai sair boa coisa.
E se for simpático a ele, é preciso ter muita atenção e comedimento, sob o risco de incorrer na ilusão e na utopia biográfica – termos cunhados respectivamente pelos sociólogos franceses Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron.
Nos novos tempos midiáticos, com as redes sociais se popularizando a cada dia que passa, essas questões merecem atenção. As novas ferramentas web devem corresponder a um bom caminho tangencial de aprendizado e não a um meio de intolerância e restrição de idéias que os profissionais de história simplesmente não concordam por opiniões particulares – e nem se dão conta que podem influir negativamente na formação de futuros cidadãos.
Novos desafios, novas questões se abrem, sem dúvidas, nesse sentido. Vamos ficar atentos.