É engraçado, porque apesar de ser carioca, amar nossa Portela, o samba-enredo e as escolas de samba, sempre fui um amante à distância, pela TV. Nunca assisti a um desfile ao vivo na Sapucaí (espero fazê-lo em 2013) e, até o ano passado sequer tinha ido a um ensaio. Também não tenho qualquer conhecimento mais profundo sobre música além das três marcações de surdo.
Por isso, apesar de ter razoáveis conhecimentos sobre harmonia, evolução, conjunto e bateria, não tenho a menor condição de discutir com os experts Pedro Migão e Aloísio Villar. Sobre samba-enredo meus comentários acabam sendo mais baseados no senso comum e na experiência de 18 anos de safras (além dos sambas históricos que qualquer iniciado TEM que conhecer). Por isso, não comentei sobre os sambas-enredo esse ano nem sobre os desfiles, o que o Migão fez magistralmente.
Porém tem uma área que eu conheço bastante: enredos e suas sinopses. Seja pelos anos a fio que fiz questão ler todas as sinopses do Grupo Especial, seja pelos anos de treino intenso em redação, seja pelos conhecimentos gerais que acumulei nos meus anos de formação. Com isso acho que posso comentar sobre os enredos com a propriedade que o Ouro de Tolo merece.
É justamente a análise das sinopses do especial para 2013 é que faço aqui, aproveitando o fato que a última sinopse, Grande Rio, foi divulgada no início desta semana.
Para começar já posso dizer que estou decepcionado. Depois de ótimos enredos que tivemos ano passado, que propiciou com sobras a melhor safra dos últimos 20 anos (com direito a um samba antológico da Portela e outro quase da Vila Isabel), achava que as escolas tinham aprendido a lição.
A safra de 2013 é medonha, com poucas salvações. Alias, existem duas ou três escolas que conseguiram se “superar” e talvez fosse mais fácil tirar “Danoninho” de pedra do que fazer samba para alguns enredos propostos. Também temos uma profusão de enredos CEP (cidade, estado, país ou, se o leitor quiser, em referência ao código postal dos Correios). Mas vamos à análise escola por escola em ordem de desfile.
Em tempo: as notas que atribuo se referem apenas à qualidade da sinopse, seja em coerência, correção ou em estrutura; e a possibilidade dela facilitar ou não o trabalho dos compositores. Não levei em consideração a capacidade da escola ou de cada carnavalesco individualmente falando em transformar a sinopse em fantasias e alegorias.
Autores da Sinopse: Roberta Alencastro Guimarães e Wagner Gonçalves
Carnavalesco: Wagner Gonçalves
O enredo tem a intenção de comemorar os 50 anos de imigração sul-coreana no Brasil, algo muito parecido com o que a Porto da Pedra fez em 2008 com o centenário da imigração japonesa. Mas dizer que o resultado saiu muito ruim ainda seria um elogio.
Eu li e reli a sinopse, mas até agora não entendi onde ela quis começar, nem onde ela tenta terminar, muito menos tive qualquer pista sobre o que as sete confluências do rio tem a ver com isso.
A Coréia do Sul já não é tão fácil de carnavalizar quanto o Japão, nem sua cultura está tão enraizada nas mentes dos cariocas. Talvez por isso, a sinopse tenta ser algo mais aberta, dizendo a importância da água para o povo sul-coreano e, aqui e ali, joga algumas informações sobre o país que não encontram qualquer encaixe no enredo. Em um ano de enredos ruim, ele parecia conseguir ser a proeza de ser o pior deles, e por muito. Isso até o último dia 23 (amanhã os leitores entenderão o que quero dizer).
Esse enredo ruim complica ainda mais a situação de uma escola que já é péssima em virtude dos acontecimentos estranhos de sua vitória no grupo de acesso em 2012. É quase pule de dez para o rebaixamento – e ainda estamos em agosto…
Nota: 2.
2. Salgueiro
Texto: Renato Lage e Márcia Lage
Carnavalescos: Renato Lage e Márcia Lage
Mal começamos e já chegamos na polêmica do ano.
Desde quando o tema foi anunciado, com o patrocínio da Revista Caras (via lei Rouanet), as brincadeiras, galhofas e decepções com a escolha já pululavam nas redes sociais. O Salgueiro completa 60 anos em 2013 e por isso era esperado que ele mesmo fosse o enredo, ou ainda a homenagem a Xangô.
Quando o tema foi lançado, eu já esperava uma sinopse fraca. Mas sua divulgação superou minhas péssimas expectativas: a sinopse é muito ruim e só não a classifico como a pior do ano, principalmente quanto à estrutura, porque superar a Inocentes era uma tarefa hercúlea.
Ela tenta ser aberta, mais insinuando do que explicando, mas ao mesmo tempo tenta fazer uma abordagem histórica da fama que exigiria bastante explicação para se tornar coerente. Apenas como exemplo segue uma estrofe da sinopse que, a exemplo da excelente sinopse de 2012, foi feita em versos:
“Ora se esconde, ora se revela
A máscara no rosto é uma interrogação
Não sei se a mocinha é princesinha bela
Se diz uma mentira, e tem cara de fera!”
Assim como não entendi, os compositores também não e em uma escola que já gosta de um samba “pula-pula” isso foi traduzido como “Ihh, a sinopse está aberta, estamos livres, pode tudo”. Ou seja, lá teremos mais um samba em que o Salgueiro irá “sacudir, levantar e explodir a fama no ritmo da bateria furiosa”…
Só o talento infinito de Renato Lage e uma possível obra milagrosa do compositor Dudu Botelho (o único que não pula na área) terão o poder de consertar esse samba do crioulo-doido famoso armado no “caldeirão”. [N.do.E.: ao que parece o talentoso compositor abriu mão de disputar samba na Academia este ano.]
Nota: 3,5
Texto: Isabel Azevedo, Simone Martins, Ana Paula Trindade e Paulo Barros
Carnavalesco: Paulo Barros
Diferentemente da viagem maluca de Paulo Barros sobre o medo de 2011 que só ele entendeu, pois ninguém ainda encontrou o nexo entre medo e Priscila, Rainha do Deserto, a sinopse desse ano sobre a Alemanha em mais um enredo CEP é bem enxuta.
Porém sofre da mesma falta de nexo que percebi na sinopse de “Esta noite levarei sua alma” e que foi mostrada nua e crua na avenida. A transição entre o deus Thor, da tradição nórdica, para a Alemanha da pujança científico-cultural dos sec. XIX e XX, que claramente é o ponto crucial desse enredo patrocinado pelo Instituto Goethe, é muito fraca – para não dizer inexistente.
Em um enredo com muitas informações relevantes, esse problema de introdução pode até passar despercebido ou bastante minimizado na avenida, mas está lá e é um obstáculo…
A Alemanha por si só já tem elementos para fazer um enredo interessante e a abordagem é um tanto diferente do “padrão CEP”. Mas não achei no enredo algum traço genial de Paulo Barros para contar o enredo, tal como o “desembarque da corte para coroar o rei Luis do Sertão” do ano passado. Alias, até agora estou procurando a marca de Paulo Barros nessa sinopse e pela primeira vez desde 2004 não achei isso. Pode ser um problema.
Por fim, a Tijuca tem que fazer de tudo para conseguir fugir do Fusca, evitando menções a Hitler (que seriam necessárias nesse caso) e problemas com a comunidade judaica carioca – sempre alerta contra as escolas de samba. A boa notícia é que a sinopse me pareceu ser concebida exatamente para isso e dá o espaço necessário para falar dos automóveis, indispensáveis em um enredo sobre Alemanha, mas sem identificá-los.
Em resumo: não é um ótimo enredo, mas em se escapando de algumas armadilhas que ele concebe, é até interessante. Porém, como já é tradição na Tijuca de Paulo Barros, será uma tarefa complicada para a ala de compositores.
Nota: 6,5.
Texto: Alex de Souza
Carnavalesco: Alex de Souza
Vinícius é uma pessoa densa, com várias facetas, muitas coisas para contar e uma ligação especial com o carnaval e com o bairro da Ilha do Governador, o que sempre acaba sendo uma faca de dois gumes. Se por um lado dá um enredo muito interessante e inspirativo, pode acabar se perdendo no gigantismo e na falta de uma estrutura dependendo da viga mestra da história que se conta no enredo. Porém o enredo não deixa nada a desejar: fala de todos os pontos de Vinícius com uma lógica que o amarra e dá sentido.
Alias, é de se destacar o que foi a grande inovação desse ano em sinopses: a mesma foi elaborada em forma de uma entrevista fictícia entre a União da Ilha e o homenageado, buscando suas respostas em várias outras entrevistas concedidas pelo homenageado e pelo que ele próprio escreveu em seus livros. Acho que foi inclusive essa solução que deu um jeito de, mesmo com tantas informações, o enredo fazer sentido.
Inicialmente, fiquei com apenas uma ressalva conta ele: sua extensão exagerada. Não me lembro de ver enredo tão grande (deve dar umas 7 ou 8 páginas) e fiquei com receio dos compositores se perderem no meio de tanta coisa para se colocar em apenas um samba.
Porém, o colunista deste Ouroi de Tolo Aloísio Villar, que é atual vencedor de samba-enredo da Ilha, elogiou bastante o enredo: disse que isso não é o menor problema e que ele adoraria ter mais quatro ou cinco enredos assim. Se ele afirma isso, quem sou eu para contradizer?
Mas fica aqui a nota triste, que nada tem a ver com a sinopse, pela direção da escola transformar o jornalista e insulano apaixonado Anderson Baltar “persona non grata” simplesmente por ele aderir a um movimento de modernização do carnaval. Ei, não era a Ilha a escola mais democrática do Rio?
Nota: dez, dez, nota 10!
Texto: Alexandre Louzada (pelo menos é quem assina)
Carnavalesco: Alexandre Louzada
A Mocidade foi a primeira escola a anunciar o tema de seu enredo para 2013, ainda em setembro de 2011. Não me lembro de nenhuma escola divulgar seu tema com tanta antecedência. Quando o mesmo foi anunciado, os detratores de plantão já vieram reclamar que “Rock não dá samba” e que a Mocidade jogou fora o carnaval com mais de um ano de antecedência.
Eu já achava o contrário, que eles poderiam fazer um ótimo enredo sobre os grandes momentos das várias edições do evento: grande show do AC DC, a ressureição de James Taylor, o fato de todo carioca ter um lado sambista que gosta de rock – entre outros.
Mas quando vi a sinopse me decepcionei mais uma vez. Um texto inacreditavelmente longo que simplesmente faz uma declamação laudatória histórico-institucional da marca Rock in Rio. A típica sinopse que não é nada carnavalizável e que os compositores terão que rimar Lisboa com Madri e Rio de Janeiro. Uma pena para uma escola que estava buscando a recuperação e tinha surpreendido com um lindo Portinari ano passado.
Nota: 5
Texto: Carlos Monte e Paulo Menezes
Carnavalesco: Paulo Menezes
Se esse ano nós portelenses pudemos nos gabar de ter o samba do ano, para 2013 podemos nos gabar de termos o enredo do ano, junto com a Ilha. Além disso, diferentemente do ano passado em que fomos lanternas convictos [N.do.E.: na verdade não, a Porto da Pedra entregou ainda depois], agora a Portela é a segunda escola a entregar a sinopse.
Paulo Menezes, em mais uma tacada genial, juntou três datas importantes para qualquer amante da escola. Oficialmente o enredo é sobre o bairro no qual a escola cresceu, Madureira, que completa os 400 anos da freguesia que lhe deu origem em 2013. Pasmem: mesmo tendo duas grandes escolas Madureira nunca foi tema de nenhuma escola a passar nem no Especial, nem o Acesso A, nem no B.
Como falar de Madureira sem falar de Portela é impossível (junto com o Mercadão são os dois traços que identificam o bairro perante qualquer carioca), é óbvio que iremos nos auto-referenciar por uma boa parte do tempo para comemorar nossos 90 anos. Alias, a sinopse até abre uma bela brecha para ter “mais 90 e menos 400” como diz o nosso editor. Além disso o Império Serrano também estará presente como um dos homenageados.
Por fim, assim como Clara Nunes foi o fio condutor do enredo desse ano sobre a Bahia, quem melhor que Paulinho da Viola para ser o desse ano? É claro que Paulo Menezes, que não é bobo, usou desse artifício e assim também comemora os 70 anos de idade do grande compositor portelense.
Ou seja, é um enredo com a cara da escola e nesse ponto ele é imbatível esse ano.
Para melhorar, a sinopse foi escrita em estilo bem aberto, típico do carnavalesco, apostando apenas nas ligações de campos semânticos mais cognitivos do que estruturais, justamente para deixar os compositores livres para criar e não se amarrar em qualquer ordem. Foi assim que saiu o “Madureira sobe o Pelô” ano passado.
Quem são vocês para falar da Academia? Temos o melhor enredo, teremos o melhor samba e seremos campeões!
Lavem a boca, seus portelenses!
Obrigado pela solidariedade, Rafael!
Grande abraço!
Anderson Baltar
Tenho que comentar o seguinte, trabalho com Internet desde 1997 e sei que a web trouxe muitas coisas boas e ruins também. Dentre as ruins a possibilidade de um individuo covarde falar o que quer e não se identificar.
Obrigado pelo seu comentário Sr. ” Ignorante”
Obrigado Migão esclarecer-me mais uma vez com a sua opinião
A Academia é melhor que qualquer outra escola. Somos a melhor escola e não serão portelenses decadentes a nos denegrir. Seremos campeão!
Mandou muito bem Rafael, parabéns pela coluna
Obrigado, Aloisio!
Obs: os salgueirenses aqui apenas estão provando que eu não estava errado quanto a patrulha…