Abrindo a nossa programação especial do terceiro aniversário do Ouro de Tolo, temos uma edição especial da coluna “Made in USA”, assinada pelo advogado Rafael Rafic. Hoje ele retoma tema abordado em coluna “Bissexta” anterior e mostra alguns problemas de gestão que ocorrem nos esportes norte-americanos.
US$ 200 mil mensais no cartão de crédito – e o clube é quem paga
Mais uma vez a Made in USA é inspirada em outra coluna do Ouro de Tolo, desta vez a Bissexta de 30/04.
Após ler essa coluna, decidi aqui contar alguns casos de como o acionista majoritário de um time-empresa (como todos os são nas ligas americanas) pode influenciar os rumos de um time, não importa o tão grande ele seja (e normalmente de maneira negativa). A coluna ficará restrita ao baseball, porque é a liga que acompanho mais de perto. Mas os exemplos são tantos e tão diversificados, que já teremos um bom panorama. Sobrará até para o Bernard Madoff.
Qualquer coluna que se preste a este assunto tem que começar com o dono de time mais conhecido da história dos esportes americanos: George M. Streinbrenner III, ou simplesmente ‘Mr. Streinbrenner’, como sempre foi conhecido. Ele foi o dono do New York Yankees, o mais tradicional do baseball, de 1973 até sua morte, em 2010, e foi responsável por impor um “código de ética” extremamente restrito no Yankees. Código este que inclusive proíbe os atletas de terem cabelo grande ou de cultivar qualquer tipo de barba ou bigode. Código esse que até hoje, mesmo após sua morte, todo atleta é obrigado a assinar em contrato e é parte da marca de “superioridade” que o time ostenta.
Com seu jeito espalhafatoso e concentrador, também foi o dono que simplesmente assumiu o total controle operacional do time sem entender como funciona o “negócio”. Resultado: nessa “jestão” o Yankees sofreu seu maior jejum da história, de 79 a 95, com direito a escândalo nas páginas policiais: o mesmo contratou um lobista para “jogar lama” em um jogador do time do qual Mr. Streinbrenner queria se livrar. Por isso ele tomou um banimento das operações do time pela liga. Banimento esse que foi retirado em 1993.
Em sua volta, totalmente por baixo, ele decidiu deixar seu ego (que é do tamanho do mundo) de lado e entregou o dia-a-dia do time nas mãos de alguém do ramo, Gene Michael. Os resultados rapidamente apareceram e o time ganhou 4 títulos entre 1996 e 2000, com Mr. Streinbrenner apenas fazendo aparições ocasionais. Normalmente para “chutar o traseiro gordo” dos jogadores (o que ele sempre foi mestre em fazer) quando o time estava em má fase.
Aos poucos ele voltou a se sentir “à vontade” e voltou a interferir nos rumos do time, junto com outros executivos que entendiam bastante de finanças e nada de baseball. Mais uma vez, o resultado em termos esportivos foi desastroso, com o Yankees ficando mais nove anos sem títulos.
Porém dessa vez, ele conduziu o Yankees a uma das maiores revoluções gerenciais do esporte americano. Ele percebeu que as emissoras de TV estavam lucrando bastante em cima dos jogos de baseball e repassando muito pouco aos times. Contra isso ele decidiu lançar seu próprio canal de TV a cabo para passar os jogos do Yankees – que hoje é a YES Network.
Justamente para impulsionar a audiência da mesma e os ganhos publicitários se fazia necessário contratar as maiores estrelas do jogo, mesmo que o time desse prejuízos gigantes seguidos (entre US$ 30 a 50 milhões por ano). A estratégia era simples: não importaria o prejuízo financeiro se o time aumentasse seu valor de mercado – que escalou absurdos US$ 800 milhões nesse período. Dinheiro nunca foi problema para o milionário Mr. Streinbrenner.
Porém essa constelação não dava liga como um time vencedor na hora dos playoffs e isso ajuda a explicar o segundo jejum de campeonatos.
Por causa do sucesso estrondoso da YES Network, desse novo jeito de investimento e do novo estádio inaugurado em 2009 – graças a manobras políticas do mesmo Streinbrenner – hoje o Yankees é o time valioso dos EUA, com valor de mercado de US$ 1,85 bi, quase o dobro do 2° time de baseball da lista. A YES Network já está estabilizada, o time já voltou a dar lucros e o título veio no mesmo ano de 2009.
Apesar de tudo, quando Mr. Streinbrnner morreu podia se gabar de ter dado ao Yankees sete títulos durante seu mandarinato como proprietário: 77, 78, 96, 98-00 e 09. Só dois times no baseball ganharam mais títulos em sua história: o próprio Yankees (27 ao todo) e o St. Louis Cardinals (11).
Posso aqui também falar de Jeffrey Loria. Inicialmente, ele foi dono do Montreal Expos, um dos dois times de baseball que ficavam no Canadá. Em um negócio obscuro até hoje, ele vendeu o Expos para a liga (que rapidamente o tirou do Canadá e o “repatriou” para Washington DC) e comprou o Flórida Marlins (a partir de 2012 Miami Marlins) em 2003.
Assim que ele entrou no Marlins teimou que o time precisava de um estádio só para ele – o Marlins alugava o estádio do Dolphins, da liga de futebol americano. O estádio teve várias idas e vindas em sua construção por questões políticas, já que Loria queria que a cidade de Miami bancasse o estádio. Enquanto isso, Loria de pirraça não investia 1 centavo no time, apenas trazendo jogadores da sua base para “cumprir tabela”.
Resultado: o Marlins sempre era um time bastante perdedor que ficou sete anos apenas lutando contra a lanterna de sua divisão. O pior de tudo é que todo ano o Marlins ainda dava lucros de US$ 15 milhões ao ano, graças ao dinheiro do Revenue Sharing da MLB (tema de coluna anterior). Aliás, este é um dos grandes pontos fracos da Revenue Sharing do baseball: dar lucros a times ‘pão-duros’ que nada gastam em troca da competitividade.
O estádio finalmente ficou pronto este ano (por isso a troca de nome do time) e Loria, de repente, torra tudo o que não gastou nos últimos sete anos e ‘faz a limpa’ no mercado de jogadores livres. Do nada, o Miami é alçado ao posto de favorito ao título da divisão só por causa da mudança de mentalidade de seu dono.
Para terminar a coluna, falo dos problemas que o Los Angeles Dodgers e o New York Mets enfrentaram por causa da vida pessoal de seus donos.
A mídia já alertava havia tempos, que o EBITDA [N.do.E.: lucro bruto menos as despesas operacionais, excluindo-se destas a depreciação e as amortizações do período e os juros] de ambos os times estava muito ruim e que isso poderia colocar em risco a saúde financeira dos mesmos em caso de problemas financeiros. E foi exatamente isso que ocorreu com ambos.
Para começar, o problema do Dodgers e do seu dono Frank McCourt. Ao final de 2009 sua esposa – e CEO do time – entrou com o pedido de divórcio na justiça americana. Durante o processo, que se arrastou por dois longos anos, ficou evidente o porquê do péssimo nível do EBITDA do Dodgers: o time era usado para pagar as despesas pessoais exorbitantes do casal McCourt (notadamente a fatura do cartão de crédito de sua mulher, na faixa de US$ 200 mil/mês).
A crise ganhou a mídia e, no seu ponto mais crítico, o Dodgers anunciou em junho de 2011 que não teria dinheiro para pagar os salários dos jogadores da semana seguinte  -isso nos EUA é muito sério e a liga corria o risco de greve caso isso ocorresse. A MLB correu para emprestar dinheiro ao Dodgers a fim de pagar os salários, mas não descansou enquanto não retirou o time das mãos dos McCourt. A venda foi concluída no início desse ano para um grupo de investidores liderados por Magic Johnson – sim, aquele do dream team de basquete americano.
Enquanto isso, no meio dessa lama, o bom time do Dodgers, afetado psicologicamente, foi muito mal nas temporadas 2010 e 2011. Em 2012, com o imbróglio resolvido, o time está liderando sua divisão folgadamente com um aproveitamento de 67% no momento em que escrevo. Detalhe: o elenco é praticamente o mesmo de 2010 e 2011.
Já o Mets e seu dono Fred Wilpon acabaram se enrolando de vez junto com a quebra da pirâmide financeira de Bernard Madoff (assunto bastante comentado até no Brasil) e, pouco depois, revelou-se que o mesmo estava envolvido em outro esquema semelhante.
Para piorar a situação, ainda foi revelado que Madoff foi usado para gerir o dinheiro do próprio time (o que talvez ajude a explicar o EBITDA), que sumiu junto com a quebra do esquema. A Liga e o Bank of América emprestaram dinheiro para o Mets se salvar de um colapso de liquidez e a MLB acompanha de perto o pagamento desse empréstimo. Na primeira parcela não paga, a liga tomará o time de Wilpon e o revenderá – tal qual fez com McCourt.
Enquanto isso o Mets, que é o terceiro time em valor de mercado do baseball e deveria ter dinheiro sobrando graças à sua própria TV a cabo, sofre com a falta de dinheiro que o obrigou a deixar ir embora, no início desse ano, seu maior ídolo: José Reyes (que fez parte do tsunami de contratações do Marlins).
O Mets teve uma péssima temporada em 2011 por causa de uma crise importada de seu dono e um 2012 e 2013 nada promissores ainda por causa da crise de dinheiro. A situação só não é periclitante pois a base se mostrou mais valiosa do que parecia e está apagando o incêndio, fazendo uma temporada decente – mas apenas isso.
Após essas histórias: se isso tudo ocorreu nos EUA, com tradição em SAs e clubes-empresas, imaginem os leitores se os clubes no Brasil viram empresas e o Corinthians é comprado pelo Carlinhos Cachoeira, o Flamengo pelo Cavendish, o Paysandu pelo Barbalho e o Moto Clube pelo Sarney…

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