Nesta quarta feira, a coluna “História & Outros Assuntos”, assinada pelo Mestre em História Fabrício Gomes, trata de um personagem revisitado em livro e filme: Heleno de Freitas.
Crônica de Uma Morte Anunciada
O título que dá nome a esse texto não é apenas coincidente com uma das obras de grande sucesso do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez (“Crônica de uma morte anunciada”). 
Mais do que uma obra literária, poderia resumir em apenas uma só frase o que foi a (meteórica) carreira de Heleno de Freitas, ex-craque da bola que, embora mineiro de São João Nepomuceno, desfilou seu futebol pelos gramados do Rio de Janeiro – no Botafogo, no Vasco e no América, de Buenos Aires – no xeneize Boca Juniors, e na Colômbia – Junior, de Barranquila. 
Dentro das quatro linhas, tinha um futebol arrojado, explosivo, temperamental e prafrentex; fora de campo, um ilustre representante do jet set carioca, frequentador do high society, das festas do Copacabana Palace, assíduo nas apostas do Cassino da Urca. Heleno fez parte até do Clube dos Cafajestes, notório grupo de rapazes bon vivants que aproveitavam como ninguém os prazeres da vida. A história de vida de Heleno se confunde com a Era de Ouro do Rio de Janeiro dos anos 1940, que respirava glamour e destilava as big bands nos finos salões da sociedade carioca.
Paulo Roberto Falcão, também ex-craque de futebol, é o autor de uma frase emblemática, porém verdadeira entre os boleiros: “Jogador de futebol morre duas vezes: a primeira, quando pendura as chuteiras; a segunda, quando morre de fato”. Eis aí outra frase que pode representar o que foi a trajetória final de Heleno de Freitas: aos 39 anos, morreu longe do futebol, num sanatório em Barbacena, vítima de uma sífilis cerebral.
Recentemente, duas obras se propuseram a abordar o percurso deste jogador: a primeira, a biografia “Nunca houve um homem como Heleno”, de Marcos Eduardo Neves, inicialmente lançada em 2006 e agora reeditada pela Editora Zahar; e a cinebiografia “Heleno – o Príncipe Maldito”, dirigido por José Henrique Fonseca, com Rodrigo Santoro, Aline Moraes e a surpreendente atriz colombiana Angie Cepeda no elenco.
E o que difere as duas obras? Como de costume, o livro é muito mais completo. 
O filme, a despeito da assombrosa interpretação do vascaíno Rodrigo Santoro no papel do próprio Heleno, dos irretocáveis cenários do Rio dos anos 1940, da trilha sonora e dos figurinos de época, é um festival de incongruências, de erros e graves falhas no roteiro.
Certamente, para quem não leu a biografia, esta crítica poderá parecer mordaz, mas não há explicação quando o filme distorce momentos decisivos da vida de Heleno – talvez por conveniência, talvez por economia de tempo.
Se na vida real (contada no livro), sua esposa se chamava Ilma, no filme, se chamava Silvia (interpretada por Aline Moraes). Se na vida real, Heleno embarcou com Ilma e o filho Luiz Eduardo para Buenos Aires, contratado pelo Boca Juniors, no filme Ilma… ops, Silvia fica no Rio e trai Heleno com Alberto – seu ex-companheiro de time no Botafogo
Se na vida real, Ilma se separou de Heleno e foi morar em Petrópolis com o filho, se casando com um rico empresário da região (que depois virou alcóolatra – pobre Ilma!), no filme, vejam só, Ilma/Silvia se casa com Alberto. E quando Heleno já estava no sanatório em Barbacena, em estado terminal, Ilma não se deu ao trabalho de ir visitá-lo – conforme narrativa do livro, no filme Ilma/Silvia vai até Minas com Alberto visitar o ex-marido, inconsolável e se sentindo em parte culpada pelos acontecimentos.
Resta então a pergunta: porque tantas idiossincrasias na comparação entre as duas obras? Porque tantos conflitos e dissidências, tantos disparates e distorções?
É justamente no tratamento biográfico existente nas duas obras que percebemos onde reside a qualidade: no livro. O filme, como já mencionado, não é de todo ruim, mas os disparates acabam por confundir verdade com verossimilhança. Um ponto positivo, no entento, reside nas duas obras: a total ausência da costumaz hagiografia, tão presente nas obras biográficas, onde o autor/diretor, por gostar tanto do biografado, acaba por confundi-lo com um santo ou herói. 
Por outro lado, na ausência de heróis, o Botafogo fica ‘mal na fita’: quando retorna de Buenos Aires, o alvinegro recusa seu ex-craque. Heleno, que nunca ganhou um campeonato pelo Botafogo, vai jogar no Vasco, naquele time que ficou conhecido como o “Expresso da Vitória”, no início dos anos 1950, onde por ironia do destino, torna-se campeão carioca em 1949.
Heleno era assim: 8 ou 80. Nunca foi unanimidade por onde passou. E talvez por isso, mesmo 53 anos após sua morte, as duas obras que buscaram retratá-lo também sejam conflitantes – como o universo de sua mente explosiva dentro de campo.
Trailer Oficial, em HD:

 Entrevista com o autor da biografia:

 

 Heleno de Freitas no Esporte Espetacular: