Nesta segunda feira, a coluna “Bissexta”, do advogado Walter Monteiro, traz uma série de importantes reflexões, utilizando o Flamengo como exemplo, para algo que é considerado uma panacéia à gestão dos clubes de futebol brasileiros: a transformação em sociedades anônimas, as “S.As.”
Lembrando aos leitores que, mais que clubismo, são indagações que cabem em qualquer dos clubes grandes brasileiros.
Clubes S/A, a Solução?
Um chavão típico do ideário futebolístico, um tanto quanto atrelado à idéia do gestor profissional, é a transformação das atividades de futebol em uma empresa, preferencialmente uma sociedade anônima. Exemplos europeus de sucesso dessa transformação alimentam as ilusões em torno do tema. No caso específico do Flamengo, a criação de uma espécie de “Flamengo S/A” ou “Flamengo Futebol” ainda teria o benefício adicional – segundo alguns de seus defensores – de congelar as dívidas acumuladas pelo clube na estrutura antiga, uma solução heterodoxa que dividisse o Flamengo entre a “banda boa” e a “banda podre”.

Há uma diferença sensível de concepção entre um clube e uma S/A. O dirigente do clube deve satisfações ao universo de associados, uma massa disforme, onde cada membro tem rigorosamente o mesmo poder. Já o dirigente de uma S/A deve muito mais satisfações ao acionista controlador que à assembléia de acionistas.

Uma sociedade anônima dedicada à gestão de práticas esportivas seria uma presa fácil nas mãos de investidores do ramo, que, sem os devidos cuidados, poderiam assumir o controle da empresa e passar a ditar os seus rumos segundo suas próprias conveniências. Há exemplos europeus, principalmente de times ingleses, cujo controle societário é transferido sem qualquer tipo de restrição.

O investidor típico do futebol brasileiro é um negociante de atletas, com visão de retorno rápido do capital investido. Qualquer clube que se transforme em empresa será um chamariz para esse tipo de investidor, que, na qualidade de acionista (ainda que não necessariamente controlador) poderá se valer de mecanismos diversos para impor sua vontade.

O alerta vale mesmo para o caso de uma sociedade anônima onde o clube seja o controlador. Primeiro, porque a futura S/A teria de emitir ações em favor do clube e os desdobramentos a partir daí, inclusive quanto aos credores, passa a ser incerto. Segundo, porque um excesso de criatividade jurídica na formação da S/A pode gerar empecilhos de toda sorte, em um modelo totalmente desconhecido. E terceiro, o mercado acionário brasileiro, que ainda é muito incipiente, vem se sofisticando a cada ano e não há como descartar, totalmente, a possibilidade de uma oferta hostil pela tomada do controle.

Portanto, longe de ser uma solução definitiva para os problemas de gerenciamento e financiamento, a transformação do Flamengo ou de parte dele em uma empresa pode ser, ao contrário, uma tremenda dor de cabeça.

Por outro lado concordo que a grande vantagem da S/A é criar uma atmosfera de seriedade e responsabilidade para o gestor, além de uma normatização própria ao lançamento do IPO, que vai ser muito útil no futuro. Nesse ponto eu seria a favor.

O problema é que isso é só um dos aspectos. O mercado, por si só, já seria refratário a um investimento em um segmento tão pouco rentável como o dos clubes de futebol – menos ainda se o controle permanecer nas mãos do clube. Porque o que atrai investidores é justamente a possibilidade de exercer ou compartilhar o controle. Para funcionar, teria que ser algo como uma “privatização”, o Clube de Regatas do Flamengo como detentor de uma ‘golden share’ para opinar em matérias chave.

Isso eu falo no plano teórico, apenas.

Porque, na prática, dado o mercado atual de investidores em futebol no Brasil, a opção seria temerária. Os investidores institucionais qualificados teriam empecilhos para participar do projeto, porque o rating da futura Fla S/A tende a ser baixo. Sobraria o capital volátil e, sobretudo, os investidores tradicionais do segment – as Traffic e 9nes da vida. Todos com visão de curto prazo e baixo comprometimento institucional.

Sem contar que a minha aposta é que logo após o IPO as ações sofrerão uma queda vertiginosa. Isso já é comum com empresas sólidas, imagina com uma empresa de futebol, cujo fluxo de caixa é diretamente influenciado pela incerteza dos resultados. A marca Flamengo, cujo real valor hoje remanesce no imaginário intangível, teria que ser valorada e naturalmente sofreria uma depreciação fulminante.

Por isso, sou contra a criação da Fla S/A. É risco demais, só para nos livrarmos dos dirigentes de sempre. Há, por certo, caminhos mais rápidos e seguros.

Talvez a solução ideal, aliás já advogada pelo Editor Chefe algumas vezes, seja criar um padrão de governança semelhante ao que seria exigido para um IPO. E cumprir esse programa à risca.

O Presidente do clube seria um articulador político. Igualzinho ao que acontece, por exemplo, na esfera pública. Um ministro é um político, fala com a imprensa, atende outros políticos, faz palestras, participa de solenidades, etc. Mas quem toca o trabalho é um Secretário Executivo.

É disso que o Flamengo precisa. Um presidente que aceite delegar a gestão integral a um CEO. E que se contente com o seu papel institucional, que já é muito, dá trabalho e igualmente requer boas qualificações.

2 Replies to “Bissexta – "Clubes S/A, a Solução?"”

  1. Talvez o maior problema de se transformar os clubes em S/A é que os clubes viram reféns dos acionistas controladores. Assim, o sucesso do clube depende umbilicalmente do sucesso do controlador na vida pessoal e do comportamento dele na gestão do clube.
    O baseball fornece um sem número de estudos de caso para aprofundar o argumento do Dr. Walter Monteiro, os quais acabo de decidir que serão tema de uma “Made in USA” em um futuro muito próximo.
    Se no baseball americano, em que não há rebaixamento, a situação já é complicadíssima; na estrutura brasileira um problema com o acionista controlador e a segundona (ou quem sabe terceirona) é tiro quase certo.

  2. Gente, alguém se lembrou que é possível criar uma S.A., fazer um I.P.O., sem necessariamente vender o controle acionário. Pode-se ter as vantagens de uma S.A. sem os riscos da mesma. Simples, não? Vejam bem: eu não acho que este seria o único caminho, nem o defendo cegamente. Mas antes de exclui-lo, vamos analisa-lo sem limitações impostas como absolutas, quando não o são.

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