E eis que ontem, após 23 anos, Ricardo Teixeira renunciou ao cargo de presidente da Confederação Brasileira de Futebol, que ocupava desde 1989. Curiosamente, ao invés do esperado alívio fica aquela sensação de um travo amargo na boca. Explico.

O ex-mandatário renunciou alegando “problemas de saúde” – que realmente existem – mas está claro para todo mundo que acompanha minimamente o futebol que a razão principal é o desdobramento do escândalo das propinas da ISL, que já escrevi aqui por ocasião da resenha do livro “Jogo Sujo” e que está em vias de ser totalmente revelado ao público. Além disso os desentendimentos com o governo federal e com a própria Fifa por ocasião da organização da Copa de 2014 e a revelação de outras suspeitas de corrupção também parecem ter pesado na decisão – que, aliás, me foi antecipada há mais de um mês por uma fonte otimamente informada.

Digo que fica um travo amargo na boca porque não parece que a CBF vá ficar melhor após a esperada saída do mandatário. Por outro lado a renúncia não foi provocada por novos ventos na entidade, mas sim para prolongar o atual estado de coisas. Teremos uma CBF de Ricardo Teixeira sem o próprio – talvez até pior em certos aspectos.

Não sou daqueles que demonizam o dirigente totalmente. Como tudo na vida houve coisas boas e coisas ruins.

Diria que foram méritos a criação da Copa do Brasil, a instituição dos pontos corridos em 2003 e a organização do caixa da entidade: em que pesem algumas operações notoriamente lesivas à entidade hoje a Confederação parece dispor de uma situação financeira confortável, com bons contratos de publicidade. A Seleção obteve dois títulos mundiais e fez mais uma final e, mal ou bem, conquistamos o direito de sediar uma Copa do Mundo.

Destacados os pontos positivos, vamos às mazelas, que foram muitas. Nem citarei aqui os escândalos de corrupção envolvendo a CBF e seu (agora ex) mandatário, fartamente explanados e que são a principal razão da saída. Mas aos efeitos do futebol brasileiro como um todo.

Em sua gestão Teixeira optou por fortalecer a Seleção em detrimento dos clubes. A visão era de que o futebol brasileiro é simples exportador de “pé de obra” para a Europa e outros centros, com os clubes locais não importando. Grosso modo é a repetição da velha política econômica de exportar produtos agrícolas e e importar industrializados, adaptada ao futebol. Os clubes estão mais endividados e mais fracos, enquanto a Seleção desfruta de ótima situação financeira. É uma paradoxo curioso: a Seleção está bem financeiramente enquanto os clubes foram abandonados à própria sorte. Um modelo a longo prazo insustentável – e começa a ficar claro isso.

Apesar das Séries A e B estarem razoavelmente organizadas, o modelo adotado para as divisões inferiores mostrou que os clubes menores não eram considerados no quadro do futebol brasileiro: as Séries C e D padecem de problemas de organização e viabilização economico-financeira. Estas foram abandonadas à própria sorte.

Teixeira também afastou a seleção do público brasileiro, com a visão de que são os “Harlem Globetrotters” brasileiros e, portanto, tem de se exibir para o mundo todo. Isso rendeu rios de dinheiro à entidade, mas por outro lado trouxe uma crescente indiferença do brasileiro com a sua Seleção.

No âmbito nacional houve uma maior racionalização do calendário, mas se avançou muito pouco na profissionalização das gestões, nas relações com a televisão e em outras questões adjacentes. Houve pelo menos dois grandes escândalos de arbitragem, os Casos “Ivens Mendes” e “Edílson” – curiosamente, nos dois casos o Corínthians foi o clube principal beneficiado. Ainda deu de presente ao clube paulista um estádio novinho em folha, naquele que a meu ver é de longe o maior escândalo desta organização da Copa do Mundo de 2014.

Também ficam como marcas indeléveis o desprezo pela opinião pública e por parte da imprensa.

A saída de Teixeira seria salutar se envolvesse a entrada de pessoas novas, com ideias modernas e que dessem à entidade e ao futebol brasileiro maiores profissionalismo, justiça e transparência. Entretanto, ao que parece incrivelmente teremos regressão em todos estes aspectos com a saída do mandatário. Explico.

Com a saída de Teixeira, que deixou tudo bastante amarrado para que não houvesse uma devassa nas contas da entidade ou houvesse mudanças substanciais na gestão da entidade, apesar de estar assumindo o vice mais velho José Maria Marin o poder estará de fato nas mãos do Presidente da Federação Paulista Marco Polo Del Nero e do Diretor de Seleções Andrés Sanchez (ex-presidente do Corínthians). Isto significa que pelo menos em termos internos teremos duas castas de clubes para a CBF: os paulistas e o resto.

Del Nero já afirmou em mais de uma oportunidade que em sua visão o Campeonato Brasileiro ideal teria de dez a doze clubes do estado de São Paulo. Lógico que ele estava defendendo os interesses da Federação da qual era presidente, mas conhecendo os cartolas brasileiros arriscaria afirmar que a CBF será dirigida como uma imensa Federação Paulista de Futebol. Isto a médio prazo tende a ser péssimo para os clubes de fora do estado e em especial para o Campeonato Brasileiro. Também acho que se deve sepultar quaisquer esperanças de ver mudanças no calendário a fim de diminuir o tamanho dos Estaduais, que hoje representam quatro meses de partidas absolutamente inúteis.

Quanto ao Comitê Local da Copa, a meu ver a tendência seria a de uma maior participação do Governo Federal, que em última instância é quem está pagando a conta. Não era segredo para ninguém que a Presidenta Dilma Roussef estava muito insatisfeita com Ricardo Teixeira e lamentando não poder intervir diretamente na entidade. Agora resta ver qual será a postura dos novos mandatários da entidade em relação ao Governo Federal.

Ao fim e ao cabo, a renúncia de Ricardo Teixeira somente serviu para que ele se livrasse da responsabilidade sobre os diversos escândalos de corrupção e malversação de verbas dos quais era suspeito e permitir que leve um final de vida sossegado em Miami. Mal comparando, me lembrei daqueles senadores e deputados que renunciavam aos mandatos para não serem cassados por seus pares.

Ou seja, caro leitor: infelizmente esta é uma “vitória de Pirro”. Teremos um “teixeirismo sem Teixeira” a partir de agora – em certos aspectos, pior. E o presidente que sai não responderá pelos seus atos – na prática, uma gigantesca pizza.

Portanto, não podemos comemorar, infelizmente.

(Charges: Mário Alberto, Lance)

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One Reply to “O legado de Ricardo Teixeira”

  1. Texeira é como o Lula. Nao é o ideal, tem diversos porens, mas só de lembrar do que tinha antes eu dou graças a deus por ele ter chegado lá.

    Abs, MArco.

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