Leitor, com o perdão do mau termo, imagine um filho da puta. Mas daqueles que não fazem a menor questão de esconder isso.
Imaginou?
Pois após a leitura desta resenha os conceitos do que é “filho da puta” tem de ser totalmente revistos. Nomes que imaginamos como arquétipo desta classe – não preciso citar nomes – são totalmente inofensivos perto do personagem do livro que resenho hoje.
Bernie Ecclestone.
“Dono” da Fórmula 1, personagem controverso e com práticas muito pouco recomendáveis para chegar onde chegou. Um dos homens mais ricos do mundo, estando facilmente na casa dos bilhões – apesar de um divórcio bastante custoso – e que já entrado nos oitenta anos de idade não faz a menor menção nem de se aposentar nem de dividir o poder absoluto.
O livro, escrito pelo jornalista Tom Bower, entrevistou o próprio Ecclestone e inúmeras personalidades ligadas à Fórmula 1, traçando um perfil bastante fiel do biografado. E arrasador.
A biografia se inicia desde o nascimento, passando pelos tempos da guerra onde o local onde morava foi atingido por bombas alemãs – embora sua casa não tenha sido atingida – e pela formação dada pela família.

Ecclestone pouco estudou, mas desde muito jovem demonstrou pendor para o comércio. Fez fama como comerciante de carros e motos usados em Londres desde tenra idade, sempre com tino para os negócios e uma máxima que seria seu mantra na vida: “eu tenho de ganhar sozinho”.

Ele se envolveu com automobilismo por influência do pai, mas era um piloto abaixo do sofrível. Logo entendeu, contudo, que o esporte precisava ser organizado e a partir daí foi pouco a pouco construindo o império chamado “Fórmula 1”. Império onde ele leva “a parte do leão” até hoje.

Também foi dono da equipe Brabham de F-1, conquistando dois títulos de pilotos com Nelson Piquet. Junto com Niki Lauda, são dos raros a levar vantagem sobre o dirigente em qualquer tipo de negociação – ambos foram pilotos da Brabham. Piquet, aliás, tem confirmada a sua fama de garanhão: até a secretária de Ecclestone ele “pegou”.

O dirigente iniciou na F-1 como representante das equipes na negociação com os autódromos, assumindo tal tarefa por delegação dos outros chefes de equipe. Aos poucos, a comissão que ele levava sobre estas negociações foram aumentando e ele foi se transformando no homem forte da categoria.

Inegável que Ecclestone organizou e profissionalizou algo em origem bastante amador, mas a um preço muito alto: a fatia das receitas que ia para sua conta bancária era maior que a das equipes somadas, em média. Seu “pulo do gato” foi perceber que a televisão seria a grande mantenedora do esporte, e controlar a cessão destes direitos uma fonte insaciável de lucros. O dirigente conseguiu que lhe fossem repassados por valores ínfimos e montou toda uma estrutura a fim de fornecer e vender estas imagens.

O exemplar mostra também que Ecclestone não tinha amigos, não expressava emoções e era capaz de descartar as pessoas como marionetes ou resíduos se isso lhe trouxesse vantagens financeiras. Inclusive esposas: ele está no quarto casamento – com uma brasileira – e com exceção da croata Slavica ele as descartou quando lhe foi conveniente.

Slavica, a propósito, a única a dominar o dirigente, a ponto de bater nele. Trinta centímetros mais alta que Ecclestone, arrancou um acordo de divórcio bastante vantajoso quando da separação. Também ganha destaque no livro os ataques dados por ela em ocasiões absolutamente impróprias.

Para o amante do esporte é lamentável saber que a trapaça faz parte dele: Ecclestone diz que “o importante é não ser pego”. Ficamos sabendo que carros como a Benetton de Schumacher em 1994, a Ferrari de Raikkonen em 2007 e a própria Brawn de 2009 estavam fora do regulamento, entre outros. Neste último caso o dirigente manobrou junto à FIA para que o difusor duplo, flagrantemente ilegal, fosse considerado dentro do regulamento.

FIA que, aliás, é um capítulo à parte nesta história: o exemplar descerra as relações de poder entre Ecclestone e a entidade, com ela sendo manipulada pelo dirigente a fim de maximizar seus ganhos. Este é um traço marcante da personalidade do dirigente: o que importa é ganhar dinheiro, não importa como.

Ganham destaque, também, as manobras envolvendo uma doação que Ecclestone fez ao governo de Tony Blair a fim de brecar a proibição da propaganda de tabaco nas escuderias. Isso gerou um grande escândalo,a ponto de um milhão de libras- valor da doação – passar a ser conhecido como “um Bernie”.

Outra prova da “esperteza” são as diversas trocas de donos que a F-1 viveu, sempre com uma única característica em comum: Bernie saía mais rico de cada transação e continuava com o poder absoluto em suas mãos.

Também digno de nota são as relações entre os dirigentes da F-1, sempre muito tensas. E a postura da Ferrari de sempre se achar superior às outras escuderias.

Algumas revelações também são feitas, como o fato de que Jochen Rindt iria abandonar a F-1 ao final daquele 1970 onde ele acabaria se tornando o único campeão “post mortem” da F-1. Ou que Fernando Alonso chantageou Ron Dennis em 2007, pedindo para que deixasse Hamilton sem gasolina ou ele revelaria que a McLaren tivera acesso a segredos da Ferrari.

Alonso e Flavio Briatore, aliás, saem bem chamuscados no livro, que conta em detalhes o acidente de Nelsinho Piquet  em Cingapura e toda a conspiração envolvida.

Fico muito longe de esgotar os assuntos tratados aqui, mas é indispensável para quem gosta de Fórmula 1, até por revelar todo um lado de bastidores que nós fãs pouco conhecemos. E mostrar como o manda chuva da entidade é uma pessoa absolutamente aética, que só pensa em dinheiro e não hesita em fazer o que for pelo vil metal. Um filho da puta em caixa alta.

Na Livraria da Travessa, custa R$ 47. Vale a pena.

3 Replies to “Resenha Literária – "Não Sou Um Anjo"”

  1. Aliás sempre defendi que o Senna morreu por forçar o carro e a equipe além do limite para acompanhar um carro que estava trapaceando e por isso era mais rápido. Aliás de fdp a F1 está cheia. Eu parei de assistir esse negócio há muito, isso nem esporte é. A Globo ainda tenta forçar uma emoção que há décadas não está mais lá.

  2. Pois é o Eclestone e sua Brabham também usava carros fora do regulamento, quem não se lembra dos amortecedores hidropneumáticos que parados deixavam o carro 5 cm de altura de acordo com o regulamento da época, mas andando ele encostava no chão e o Brabahm que carregava 35 litros de água pra “refrigerar os freios”, dava uma freiada e a água desaparecia aos pouco em 1 volta o carro estava 35 kgs mais leve e o ventilador debaixo do Brabham que eles copiaram do Chaparral americano, tem coisa que a Brabham fez e não foram trapaças como o PIT STOP pra carregar menos combustível e o aquecimento de pneus com mantas elétricas, o Piquet disse que foi ele que inventou, mas a parada obrigatória já tinha nos EUA, e o aquecimento de pneu o Emerson já usava nos Mclaren em 1974 só que em vez de usar eletricidade usava gás. O Piquet era um gênio na mecânica e ficou muito forte quando foi estudar mecânica nos EUA, só que muitas vezes ele usava pra trapacear tanto nos Brabham como nas categorias inferior onde ele também foi acusado por vários pilotos o mais famoso foi o Chico Serra, puxa aquela vez que o Piquet colocou 30 Kms/h na reta no Chico foi demais detalhe com o mesmo motor e o mesmo chassi e mesmo aerofólio. Depois que o Chico acusou o Piquet de usar carro fora do regulamento, nas divisões inglesas, nunca mais ocorreu este massacre nas retas, os fiscais ingleses começaram a analisar tudo no carro de Piquet principalmente a gasolina. O próprio Eclestone diz que o importante é não ser pego quando tu trapacea. Pra mim o maior trapaceiro da F1 é o Alonso em segundo o Piquet e em terceiro o Schumacher.

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