Retomando assunto tratado na última segunda feira, vamos falar um pouco sobre a possível crise econômica que se avizinha.

O leitor que leu a resenha dos filmes “Capitalismo, Uma História de Amor” e “Job Inside”, dos livros “Enganados” e “O Mundo em Queda Livre” e os posts sobre a Grécia e anteriormente a Espanha sabe como foi mal conduzida pelos países desenvolvidos a resposta à crise de 2008. No fim das contas, a economia americana foi jogada no abismo pela ânsia de salvar os bancos de Wall Street e recursos públicos que deveriam ter sido utilizados para garantir empregos e estimular a economia acabaram sob a forma de bônus para os mesmos executivos que causaram a crise.

Na Europa estamos vendo em menor grau um repeteco do ocorrido nos Estados Unidos: economias como a grega, a portuguesa, a espanhola e em menor grau a italiana se submetendo a enormes e inúteis sacrifícios para não atingir bancos europeus. Pior é que se está criando um círculo vicioso: aumentos de impostos e cortes de salários e despesas públicas deprimem o poder de compra da economia. Com isso o consumo cai, o desemprego aumenta, a arrecadação de impostos diminui, a capacidade de cumprir os compromissos financeiros cai e se faz necessária uma nova rodada de cortes – que deprime ainda mais a economia a um custo social trágico.

A receita clássica do Fundo Monetário Internacional – corte de despesas públicas, redução de salários e pensões, privatizações, aumento de juros e aperto de crédito – parece adequada apenas aos bancos credores. Isso sempre foi percebido, mas neste momento parece ainda mais claro. Como resultado a Europa está entrando em recessão como um todo e a paralisia política dos Estados Unidos também está jogando a economia estadunidense em recessão. Cálculos da Organização Internacional de Trabalho indicam que 20 milhões de postos de trabalho foram perdidos desde 2008 e existe possibilidade de outros 20 milhões também se extinguirem a curto prazo.

Aí temos outra questão. Alertado pelo excelente “Tijolaço”, fui buscar uma entrevista que a BBC fez com o operador independente de mercado financeiro em Londres Alessio Rastani. Em um rasgo de sinceridade este deu diversas declarações que corroboram muito do que vemos acontecer na economia mundial – com interesses particulares se sobrepondo ao interesse público. Vamos à primeira delas:

“Sonho com esse momento (de declínio econômico) há três anos. Vou confessar: sonho diariamente com uma nova recessão. Se você tem o plano certo, pode fazer muito dinheiro com isso”

Isso é mais ou menos sabido: uma nova recessão diminui o investimento produtivo na economia e recursos que seriam investidos acabam aplicados no mercado financeiro à espera de melhores dias. Por outro lado com a queda de emprego e renda o endividamento tanto de empresas como de pessoas físicas tende a aumentar e uma vez mais os serviços financeiros se expandem. Ou seja, os bancos “ganham nas duas pontas”.

Explica-se porque o mercado financeiro como um todo defende teorias econômicas desregulamentadoras e que pressupunham a menor intervenção possível do Estado na Economia. Sem regulação não há limites para os ganhos, ainda que às custas de derrocada de uma economia nacional. O primado do mercado significa que os mais fortes e poderosos levam vantagem, e esta turma de Wall Steet, da City londrina e assemelhados é bastante poderosa.

O exemplo americano é bem claro: com regulação frouxa ocorreu a corrente de fenômenos que levou à crise de 2008 – e os recursos públicos injetados acabaram nas contas dos mesmos executivos que a causaram, em última instância. Hoje, mesmo os tíbios órgãos de regulação do sistema financeiro americano são comandados por executivos de Wall Street – que não tem pudores para utilizar seus cargos públicos em benefício das empresas as quais serviram.

Então passamos à segunda afirmação do sincero operador: “Os governos não controlam o mundo. O (banco) Goldman Sachs controla o mundo. O Goldman Sachs não liga para esse resgate, nem os grandes fundos.”

Ele se refere à segunda tentativa de salvação da Grécia, que consiste em se injetar recursos em um fundo europeu de resgate com desconto da dívida – desconto, aliás, que eu havia previsto meses atrás. Seu raciocínio é claro: danem-se as economias, danem-se os empregos, danem-se as pessoas: nós mandamos no mundo e vamos ganhar dinheiro à custa da desgraça e do bem estar dos demais agentes.

Novamente o caso americano exemplifica bem isso: os bancos foram salvos, mas milhares de famílias perderam seus empregos e suas casas. Formaram-se instituições financeiras ainda maiores. A fraca regulação estatal do mercado financeiro contribuiu ainda mais para este quadro de poder absoluto – bem como a maioria republicana no Congresso, que defende apenas os mais abastados e pretende reduzir de qualquer forma a já pequena presença no Estado na economia, a um custo social e econômico incalculável.

E o Brasil?

Como expliquei em outras ocasiões, nos saímos bem da crise de 2008 por termos adotado uma política anti-cíclica, claramente inspirada na teoria econômica de John Maynard Keynes. Foram dados estímulos à economia através de recursos públicos, aumentos reais do salário mínimo, programas como o Bolsa Família, expansão do crédito e dos investimentos de empresas estatais – notadamente a Petrobras.

Para a crise que se avizinha – que ao que tudo indica será mais forte – além da questão do câmbio que tratei na última segunda feira vai se fazer necessário, mais uma vez, um conjunto de medidas anti-cíclicas e que mantenham o poder de compra da população. O Brasil no Governo Lula finalmente conseguiu construir um mercado interno de consumo de massa e é a manutenção do poder de compra deste que deve ser perseguida a fim de minorar os efeitos internacionais. A desaceleração econômica da China irá reduzir a demanda por commodities brasileiras, em especial produtos como o minério de ferro, e este é um fator que precisa ser considerado nas análises de conjuntura.

Faz-se necessária uma mudança de política econômica a fim de perseguir menos as metas de inflação e mais a atividade econômica. Como também já escrevi aqui os fatores que impulsionaram a inflação foram mais externos que internos, e estes tendem a se arrefecer como reflexo da própria crise – em especial os preços dos alimentos. A desvalorização do real também deve dar novo fôlego às empresas brasileiras, e a regra de aumento do salário mínimo, definida em lei, deve representar um acréscimo de cerca de 14% neste em janeiro – o que dará um novo impulso à economia.

Além disso o Bacen sinaliza estar trabalhando em cooperação mais estreita com o Ministério da Fazenda, atendendo menos às pressões do mercado financeiro. Isto significa que, ao contrário de 2008, a taxa básica de juros deve ser reduzida antes que a recessão mundial aconteça – o que deve diminuir os efeitos sobre nossa economia. A Presidenta Dilma Roussef deu uma declaração em Washington esta semana que é peremptória: “É importante procurar respostas novas a problemas novos. Não acredito que se saia da crise produzindo recessão. Temos a experiência de duas décadas perdidas.”

O caminho, a meu ver, é este. Certamente teremos algum impacto, ainda que seja na base de menor crescimento, mas o governo dispõe de ferramentas a fim de contrabalançar os fatores indutores de recessão e manter a economia do país com geração de emprego e renda a todos os agentes. Vale lembrar também que o programa de compras internas da Petrobras também tem um efeito dinamizador da economia expressivo, ao estimular setores da economia nacional que precisam ganhar musculatura para atender aos desafios representados pela exploração do petróleo da camada pré-sal.

Voltarei ao tema.

Para saber mais (basta clicar sobre os títulos):

 – Resenha de “Job Inside”;
 – Resenha de “Capitalismo, Uma História de Amor”;
 – Resenha de “O Mundo em Queda Livre”;
 – Resenha de “Enganados”;
 – Crise na Grécia;
 – Desemprego na Espanha;
 – A queda da Selic;
 – O amargo chá de Barack Obama;

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