Sem dúvida alguma, uma das notícias mais insólitas da seara política nos últimos tempos foi o inacreditável artigo escrito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso onde ele prega que o PSDB deve “abandonar o povão” e mirar nas classes médias a fim de de se recolocar no cenário político nacional.

Entre perorações desgastadas de apoio ao neo-liberalismo e críticas ao governo anterior e atual – sem perceber que a dinâmica da política, da economia e da sociedade mudou enormemente – o ex-presidente defende que a oposição se foque na “classe média”, seja a antiga via canais tradicionais, seja a “nova”, via conexão.

De certa forma retorna-se ao discurso pré eleitoral, onde uma verdadeira “tropa de choque” do candidato oposicionista dedicou-se a uma campanha que eu classificaria como de “ativismo cibernético”, propagando informações às vezes verdadeiras, embora torcidas, outras totalmente falsas. Criou-se um clima de terror que, combinado a panfletos apócrifos, contribuiu muito para que a campanha fosse para o segundo turno.

A idéia do ex-presidente é retomar este tipo de campanha, focado no “combate à corrupção” e em ações mercadológicas no sentido de criar na população brasileira de classe média o sentimento de “passar a vassoura” nos corruptos. Não seria despropositado relacionar esta proposta de estratégia com os métodos do então governador de São Paulo Jânio Quadros, que o levaram à presidência em 1960 – e deu no que deu…

O objetivo é cooptar a chamada “nova classe média”, formada por aqueles que nos dois Governos Lula saíram das classes D e E para a classe C. Pela primeira vez o país tem mais habitantes de classe média que pobres, e esta é uma revolução social sem precedentes. Fernando Henrique Cardoso afirma que “devemos cooptá-los antes que o PT o faça” e prega um estratégia baseada no combate à corrupção e no retorno de práticas econômicas neoliberais.

Outro ponto insólito foi o estímulo às classes médias “tradicionais” para que façam algo como uma “revolução cibernética”, aos moldes dos últimos protestos nos países islâmicos. Testando-se as hipóteses no limite, como costumam dizer economistas matemáticos, o que pode-se depreender do artigo é que ele estaria propondo um levante extra-constitucional – em última instância, um golpe de estado à moda de 1964.

Contudo, o trecho mais incrível do artigo é aquele onde FHC “tira a máscara” e propõe que o PSDB abandone definitivamente os pobres. Nas palavras do artigo, em reprodução do site SRZD:

” (…) Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os “movimentos sociais” ou o “povão”, isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo “aparelhou”, cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias. (…)”

A tentativa de sofismar algo que é simples – as classes mais pobres votam com o bolso e estão sufragando a proposta de governo que propiciou melhora de suas condições de emprego e renda – esconde algo que é da práxis política do partido: o verdadeiro desprezo pelo denominado “povão”. 

Como escrevi aqui várias vezes, as políticas desenvolvidas pelo PSDB enquanto foi governo tiveram como objetivo concentrar a renda em favor dos mais ricos e comprimir a massa de salários. O desemprego chegou a níveis bastante altos e os salários do setor público experimentaram uma queda de aproximadamente 60% em termos reais – o que afetou consideravelmente a economia de cidades como o Rio de Janeiro e Brasília, que possuem concentrações expressivas de funcionários públicos e estatais.

O mais incrível é que pela primeira vez um prócer do partido admite abertamente que, como dizia o personagem de Chico Anísio, “o povo que se exploda”. Não é nada tão surpreendente para quem acompanha a política brasileira dos últimos anos, mas não deixa de ser uma novidade ver esta divisão de classes tão explicitamente declarada.

Fica claro, também, que em caso de retorno desta oposição ao poder todos os mecanismos de geração de emprego e renda – que foram “indutor de crescimento” nos últimos anos – serão desmantelados. 

Até porque, como bem explicou o ex-Ministro da Fazenda e ex-filiado ao PSDB Bresser Pereira em excelente entrevista ao Valor Econômico (em link do Blog do Luis Nassif, haja visto que o citado jornal abre seu site apenas para assinantes), a visão de FHC em particular e da ala dominante do partido é a de um “capitalismo associado à dependência”, ou seja, as multinacionais e as potências econômicas – leia-se: Estados Unidos – como líderes do desenvolvimento nacional. Como a história mostra, este é um tipo de escolha que concentra renda, favorece os mais ricos e gera desemprego e miséria.

Finalizando, não me surpreende esta opção do PSDB pelos ricos e pela classe média, desprezando os pobres. Isto vimos nos últimos vinte anos. Surpreende a sinceridade do ex-presidente, que assim, se assume como uma espécie de “Justo Veríssimo” da vida real.

Caem as máscaras.

2 Replies to “Justo Veríssimo”

  1. Muitas vezes as batalhas nos escolhem
    E enquanto não aprendemos a derrotá-las
    Somos condenados a repeti-las

    Só escolhemos as batalhas
    quando queremos ganhar a guerra
    mas muitas vezes nosso pior adversário
    Está em nós mesmos

    Escolhemos portanto o adversário
    Que exige o pior de nós
    A ânsia de sangue, revanche e violência
    Este fará surgir a besta avassaladora

  2. Vc e o Lula né Migão, basta o FHC assoprar e vcs já dizem que ele causou um furacão, vc daqui e o Lula lá de Londres,rsrsrs

    No meu humilde entendimento deste artigo, não vejo nada de Justo Veríssimo, ele quis dizer que a oposição não deve mais disputar com o PT a preferência do povão – até pq o Lulismo é Pai e Mãe e não quer o povo politizado – mas deve sim, e aí concordo com o FHC, tanto o PSDB quanto qquer outro partido que pretenda fazer oposição ser inteligente na hora de conquistar o voto do restante do povo que não votou na Dilma, e não foram poucos. Na última campanha faltou discurso ao PSDB e mesmo assim,eles conseguiram levar a eleição para o segundo turno.

    Capiche?

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