Os preparativos para a visita ao Brasil do presidente Barak Obama ganharam contornos, na modesta e francamente iconoclasta visão deste escriba, inacreditáveis. Devo ressaltar que ando cada vez mais avesso aos rituais que cercam o exercício do poder. Parecem-me inevitavelmente fadados ao ridículo. Desconfio, por natureza, de todo aquele que, independentemente do viés ideológico, busca o poder e o exerce com apreço. De sacerdotes paramentados e governantes eu prefiro guardar  prudente distância – até mesmo para manter algumas esperanças minimamente vivas.
Afora as exigências descabidas do serviço secreto americano, praticamente querendo transformar a cidade do Rio de Janeiro em uma zona de exclusão militar nos moldes da Líbia, a maneira como o salamaleque da visita afronta o cotidiano do cidadão carioca é inaceitável. Desde a chegada da corte de D. João VI, em 1808, não se assistia a tamanha intervenção do poder público no dia-a-dia da cidade. Festas de casamento marcadas com grande antecedência para a Confeitaria Colombo, no Centro do Rio, chegaram a ser proibidas em virtude da necessidade de se isolar a área para o discurso presidencial. O Bar Amarelinho, que nunca fecha, recebeu o comunicado de que não poderia funcionar durante a performance do presidente pop. Só falta mesmo confiscarem moradias – fato que ocorreu em 1808 – para o pior aspecto do furdunço da chegada da corte portuguesa se repetir. “Ponha-se na rua” , porque o novo D. João  está na área…
A sorte (aos quarenta e cinco do segundo tempo)  é que, por medidas de segurança, o discurso que seria feito na praça foi transferido para o interior do Teatro Municipal. O povo carioca não tem culpa se todo presidente americano é um assassinado em potencial. Procurem as razões para isso na lamentável política externa dos EUA e no fundamentalismo de um bando de malucos que andam por aí, mas deixem o cidadão beber o chope de cada dia em paz.  O que existe é o homem humano, já dizia o jagunço Riobaldo.
Esse arrazoado não tem qualquer pretensão de discutir a relevância política da visita de Obama, as relações entre o Brasil e os EUA, a força simbólica do presidente negro ou coisa que o valha. Me falta o tempo e, principalmente, o tesão para entrar nesses meandros. O que acontece na Confeitaria Colombo tem me interessado mais do que os eventos da Casa Branca. Os rumos da futura administração do Império Serrano certamente me preocupam mais do que os rumos que Obama dará aos EUA. Sou um homem da minha aldeia, circunstância da qual, necessariamente, encaro o mundo.  
Sempre me recordo, quando a lenga-lenga dos poderosos começa, dos rituais de poder  entre os índios Guarani, magnificamente dissecados por Pierre Clastres, um grande pensador libertário, em seu “A Sociedade contra o Estado” –  livro que li nos tempos de faculdade, me marcou tremendamente e está na lista dos que precisam ser relidos.
Certa comunidade, estudada por Clastres, estabelecia um ritual diário envolvendo o grande chefe. A coisa funcionava de uma forma curiosa e fortemente ritualizada. A função  do chefe era a de, todos os dias, subir a um monte e discursar, com as devidas pompas, aos seus governados. Deveria, o chefão, ditar as normas de comportamento da sociedade e estabelecer as prioridades do governo.

A obrigação ritual da comunidade, neste teatro do poder, era muito simples: ignorar solenemente tudo que o poderoso chefão dizia e encontrar ( por conta própria ) as  soluções cotidianas para reinventar a vida.

Abraços e saudações deste guarani ao grande chefe.

9 Replies to “SAUDAÇÕES AO GRANDE CHEFE”

  1. Também não tenho “qualquer pretensão de discutir a relevância política da visita de Obama”, mas acabo de chegar da feira da Glória. A menina da barraca onde fui comer uma tapioca dizia que a feira teria que encerrar ao meio dia, por conta da visita ilustre. Ainda comentou que nem iria ter feira hoje, mas como esqueceram de avisar semana passada, decidiram permitir que ela funcionasse até ao meio dia. Mas pelo adiantado da hora e com todas barracas ainda lá, sei não.
    Agora, não sei se me alegro por ver que mandaram às favas as exigências esdruxulas e o alargado raio de segurança ou pondero que é esta a cidade que será sede de grandes eventos da copa e não se lembra de avisar mudanças necessárias para uma organização.

  2. Assino embaixo de tudo, Simas.

    Um abraço de um leitor que descobriu o blog recentemente, estudante de História da UFRJ e homem de sua aldeia também.

  3. Concordo! Vamos discutir assuntos de interesse da nossa aldeia !!! Vamos criar um projeto de saneamento basico para todos com o intuito de despoluir o Rio Maracana ! Obviamente que isso incluiria, tmb, as possiveis ligações clandestinas dos condominios as margens do dito !
    Acho uma pena esse rio estar no estado em que se encontra ! Eu moro de frente para ele e me da vontade de chorar quando penso que um dia ele ja abasteceu boa parte dessa cidade com agua limpissima !
    Sem contar naquela escadinha que o centro de referencia do samba tem pra dentro do Rio ! Meu deus !
    :)

Comments are closed.