Nossa coluna “Samba de Terça”, a última do ano, traz uma escola já enfocada aqui – com o maior samba enredo de todos os tempos, “Os Sertões” – com um samba que, se não é um dos maiores de sua história, é bastante pitoresco: é o único samba enredo da história do carnaval carioca dedicado exclusivamente ao Revéillon.
Como estamos na semana do Ano Novo, o último texto do ano pode ser considerado “temático”: Em Cima da Hora 1989, “Num Passe de Mágica”. Escolas como a Beija Flor em 1997 e a Acadêmicos do Dendê em 2004 também se referem ao revéillon, mas dentro de enredos com outras temáticas.
A escola de Cavalcanti – onde uma vez fui jurado no concurso da rainha de bateria, mas esta é oura história – havia passado pela última vez no Grupo Especial em 1985, mas atravessava tempos difíceis. Chegara a estar no terceiro grupo no ano anterior, sendo promovida com o vice-campeonato – atrás apenas da campeã Tupi de Brás de Pina, hoje extinta.
Os carnavalescos Regina Celi e José Leonídio desenvolveram um enredo que buscava mostrar toda a temática, a esperança e o ritual do Ano Novo: os orixás, a festa, o estourar do champanhe, a cor branca e os demais aspectos da festa.
Entretanto, a escola atravessava dificuldades. Se hoje, vinte anos depois e com todo o crescimento deste grupo no carnaval carioca há problema de falta de recursos financeiros, imaginem naqueles tempos. Ainda mais vindo do que hoje se chama “Acesso B”, terceiro grupo, e abrindo o desfile do sábado de carnaval, o que é uma situação bastante problemática para qualquer escola de samba – o público ainda está frio e os jurados costumam ser mais rigorosos, até pela falta de referencial.
A Em Cima da Hora abriria o desfile do sábado de carnaval, 04 de fevereiro de 1989. Além das dificuldades naturais de uma escola que vem de um grupo inferior promovida e abre o desfile, a azul e branca enfrentou uma forte chuva durante o seu desfile, o que a prejudicou mais ainda.
As fantasias eram simples e, como se pode ver no vídeo que abre este post, a escola veio com um contingente de componentes bastante desfalcado. Por outro lado, pode-se ver a ginga dos passistas, pura arte, e uma bateria cadenciada.
O curioso é que o vídeo é interrompido duas vezes para entrarem entrevistas com integrantes da escola seguinte, a Tupi de Brás de Pina.
Além da chuva, a escola sofreu com fantasias e alegorias extremamente simples, reflexo da falta de recursos.Isso fica claro observando-se as imagens.
Com todas as dificuldades, a escola ainda teria de enfrentar um grupo onde cairiam quatro escolas entre dez agremiações. O descenso de quatro agremiações tinha como objetivo receber escolas vindas do Grupo Especial, “inchado” com 18 escolas e que rebaixou um número maior a fim de contar com apenas 16 para o ano de 1990.
A apuração trouxe o resultado esperado: o nono e o penúltimo lugar e o rebaixamento ao Grupo 2 – atual Acesso B – com 182 pontos. Entretanto, é um samba histórico pelo ineditismo do tema, que jamais seria trazido novamente de forma isolada, como nunca, também, havia sido enredo antes.

Vamos à letra do samba, que o leitor pode ouvir acima:

Autores:
Nunes, Jorginho das Rosas, Reinaldo Vilas e Bigo

Puxadores:
Rocha e Adilsinho

Vou levantar o astral
Fazer o meu carnaval e cair na folia
Erguer a taça de cristal
Transformar minhas lágrimas em fantasia
Qual será o orixá
Que reinará os novos dias
Como num passe de mágica
Com muito mais sabedoria

Noite bela
Assista a missa meu amor na catedral
Põe o vinho sobre a mesa
E convida o pessoal

Adeus ano velho
Felicidade para o ano que vem
Que a paz se harmonize em seu interior
Quando os anjos disserem amém
No sorriso da criança uma nova esperança
O seu grito está no ar
Acenda em seu peito aquela chama
Dê um abraço em quem te ama
E traga alegria pra seu lar
Seja rico ou seja pobre todos fazem reveillon
Nas esquinas pelos bares
Em casa ou nos salões
Com pierrot e colombina, serpentina pelo ar
O povo de braços abertos

Se confraterniza feliz a cantar
Oh divina luz que me conduz e ilumina o meu viver
Como é linda a passarada
Numa revoada ao amanhecer


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