O mundo vem assistindo estarrecido à perseguição que vem sendo empreendida contra o site “Wikileaks”, criado pelo australiano Julian Assange. O site tem como objetivo divulgar documentos referentes a políticas de Estado e assuntos diplomáticos, assim contribuindo para a disseminação da verdade e sem mascarar os fatos reais.

Os leitores que tiveram a oportunidade de ver o post com a resenha de “Diplomacia Suja” sabem que a linguagem oficial, para o grande público, é uma. Internamente, a leitura é outra e muitas vezes divergente do que se afirma oficialmente. Craig Murray demonstra bem isso e também como questões de direitos humanos ou de democracia são postas em segundo plano em nome de relações comerciais ou objetivos geopolíticos nem sempre confessáveis – como torturar prisioneiros inocentes, por exemplo.

A estratégia do site era divulgar documentos entregues por funcionários da diplomacia, das Forças Armadas ou governamentais que a eles tivessem acesso. Para isso contavam com uma rede destinada a coletar, escanear se fosse o caso e publicar dados que tragam à opinião pública a verdadeira natureza dos dados, democratizando a informação.

Tempos atrás já houve um grande embaraço com a divulgação de dados sigilosos referentes às guerras no Iraque e no Afeganistão, inclusive com vídeos internos mostrando a execução de inocentes. Agora houve um escândalo – na visão dos governos, que fique claro – muito maior com a divulgação de documentos referentes a embaixadas americanas no exterior e ao Departamento de Estado norte americano.

Não é meu foco relatar o que se obteve nestes documentos, já amplamente divulgado na grande imprensa, mas para o leitor ter uma idéia comprova-se a frase atribuída à ex-Presidente do Chile Michele Bachelet de que “só não há golpe de estado nos Estados Unidos pois lá não tem embaixada americana”. Os documentos relatam gestões no sentido de solapar os governos tanto de Hugo Chávez quanto o de Evo Morales, respectivamente na Venezuela e na Bolívia. Também se revela que o governo americano monitorava – melhor seria dizer espionava – gastos nos cartões de crédito de funcionários da ONU, inclusive do Secretário Geral da Organização, entre outras aberrações.

Os documentos ressaltam também a fragilidade da equipe de análise do governo americano, que sempre se preocupavam em ressoar opiniões externas – nem sempre verdadeiras – e optar pela força como caminho de obtenção de informações. Sem contar desgastes diplomáticos – em especial com a Turquia – referentes a opiniões pouco elegantes de diplomatas em suas correspondências privadas.

Como se poderia esperar, houve um verdadeiro terremoto mundial e nas esferas de poder com a divulgação de todas estas informações. Entretanto, ao invés de tal fato provocar uma salutar mudança nas relações de poder, com maior transparência e relações mais justas, optou-se por, como se diz na gíria, “atirar no mensageiro”: tentar fechar o site e prender seu criador a todo custo.

A hospedagem do site retirou o “Wikileaks” do ar, mas surgiram inúmeros sites “espelho” visando a manter na rede mundial de computadores os dados divulgados. Jornais europeus também deram amplitude às informações, ao contrário de seus congêneres americanos – e a mídia nativa brasileira – tornando mais amplo o fluxo de informações. Do nada apareceu um processo na Suécia de estupro – detalhe, estupro duplo (!) – e a Interpol efetuou a prisão no início desta semana. O governo americano quer processá-lo por espionagem, contudo não há como isto ser feito juridicamente por não ter sido o criador do site a vazar o conteúdo dos documentos – ele apenas as divulgou. E o sigilo da fonte é inviolável.

Os movimentos dos governos, em especial o americano, deixam claro que há muito maior sobre a perseguição ao criador do site: a questão do controle da informação. Não é exagero dizer que Assange está preso por “crime de opinião”, pois o tal processo sueco é bem frágil para se dizer o menos – uma das reclamantes, descobriu-se depois, tem relação com a agência de inteligência americana, a CIA.

Há algum tempo observam-se uma série de tentativas de controle do que é divulgado na internet. No Brasil mesmo há um projeto de lei, de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que determina o que pode e o que não pode ser feito, o que pode e o que não pode ser dito, com sanções severas. Uma espécie de “AI-5” digital. Na China sites como o Google e o Twitter são controlados pelo governo, que decide o que pode e o que não pode ser visto na grande rede.

Torna-se fundamental reprimir a iniciativa representada pelo “Wikileaks” pois esta representa a primeira fissura séria no controle de informações diplomáticas, governamentais e, especialmente, de restrição de informação. Se há um maior acesso a esta, a possibilidade de se escamotear os fatos em nome de interesses nem sempre confessáveis ou republicanos passa a ser muito menor. Explicitam-se as injustiças nas relações governamentais e comerciais, escancaram-se as guerras por petróleo e contratos de engenharia, mostram-se governos atuando a serviçoes de interesses privados que não os das populações.

Evidentemente, grandes corporações também tem seus motivos para apoiar uma restrição e perseguição ao Wikileaks: em um segundo movimento podem vir à luz práticas como cartéis, concorrências desleais, “dumping”, produtos com malefícios à saúde… O caso da Monsanto é bem característico, a empresa omitiu em relatórios dados sobre danos à saúde e ao meio ambiente causados por seus produtos. Mas assim como a empresa química qualquer grande corporação teme os efeitos da disseminação livre e irrestrita de um site como este.

Ou seja, interesses muito poderosos uniram-se a fim de calar Assange, calar o Wikileaks e retornar ao seu mundinho de hipocrisia e “verdades convenientes”. Cabe a nós, em uma atitude quase que de guerrilha, lutar pela disseminação da informação, lutar pela verdade e buscar tentativas de impedir a restrição à informação e, mais que isso, à livre expressão.

O mais irônico nesta história toda é que o fundador do site está longe de ser um “comunista”, “socialista” ou “marxista”. Julian Assange é um entusiasta do livre mercado, da competição irrestrita e oponente aos monopólios, oligopólios e coisas correlatas. Está muito mais próximo de Milton Friedman que de Karl Marx ou mesmo John Maynard Keynes. Ou seja, a velha cantilena racionária sequer pode ser aplicada no caso ,por um lado; e o fundador do site, pode-se dizer, levou à informação o princípio liberalista econômico do “laissez faire, laissez passé”: “deixar fazer, deixar passar.

Finalizando, ainda dá para se divertir em ver a velha mídia brasileira, reacionária e golpista, desmentida pela CIA. Esta afirma em memorandos divulgados que sim, o que houve em Honduras foi um clássico golpe de estado, ao contrário do esforço hercúleo empreendido pelos órgãos brasileiros em fazer circular a idéia de que houve uma “transição constitucional e pacífica” – contra todas as evidências…

A luz é o melhor detergente que existe…

5 Replies to “O Caso Wikileaks – e atiraram no mensageiro…”

  1. Vamos ser sinceros, o que houve em Honduras foi um contra-golpe: diante da possibilidade de um golpe contra a constituição hondurenha, em que não é permitido sequer cogitar novos mandatos consecutivos ao presidente, os militares agiram antes e deram o golpe para que as eleições ocorressem sem Zelaya… Uma situação em que “casa que não tem pão, todos brigam e ninguém tem razão”.

    E quanto ao “laissez faire, laisser passer” eu sou plenamente a favor. Na economia e no trânsito de informações. Se as atitudes dos governos e corporações continuarem tal como está, a Internet vai (como alguns hackers já estão fazendo, vide ataque ao site da Mastercard) se lançar em guerrilha digital, tornando a vida destas corporações, no mínimo, um pouco mais desagradável.

    E não existe sistema 100% seguro…

  2. Não é bem assim, Bruno, leia os posts que escrevi à época sobre Honduras.

    E não sou a favor do “lf, lp” econômico. Sou keynesiano e social democrata. abs

  3. Parabéns ao Pedro Migão por este texto.

    Os brasileiros andam muito “timidos” e por fora em relação à perseguição do Assange e também em relação ao Projeto de Lei que pretende cercear liberdades na Internet.

  4. So uma perguntinha tôla: alguem acha que, em toda a historia da humanidade, as relacoes diplomaticas entre as nacoes ja foram alguma coisa melhor? Que absolutamente TODAS as nacoes fazem exatamente o que os EUA fazem, em nome de seus interesses? (bom, exceto talvez a politica externa de Lulla, que parece ser sempre contra o Brasil, e a favor de ditadores e regimes anti-democraticos de toda especie).

    Alguem duvida que se interceptarem mensagens entre diplomatas e Secretarios de Estado europeus, asiaticos, etc., a situacao seria exatamente a mesma?

    Do jeito bobo que algumas pessoas tratam essa questao do Wikileaks fica parecendo que só os EUA agem dessa maneira no mundo… Ahhh, gimme a break!

  5. Seja bem vindo, Amílcar

    Rubens, ninguém está dizendo que somente os EUA fazem isso, mas sendo o país mais poderoso, natural que o escãndalo seja maior.

    abraços

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