Segunda feira, trago, com atraso – culpa do editor, que fique claro – a coluna “Sobretudo”, assinada pelo publicitário Affonso Romero. O texto de hoje é um excelente balanço comparativo dos Anos FHC e do Governo Lula.

Respondendo ao Sr. Ruy

“Internet é um quase-lugar muito interessante. Um desconhecido se torna íntimo instantaneamente. A opinião de alguém que até ontem era um completo anônimo é enviada por outra pessoa de quem você nunca ouviu falar e repassada para você por um amigo que, pensando bem, você só conhece no universo virtual. Estranho, né? Sim, mas bem mais estranho é que você repasse para outros tantos ciber-navegadores caso concorde. Ou que você se dê ao trabalho de responder ao ex-desconhecido, como se fosse possível debater com um estranho através da resposta enviada a um ciber-amigo.

Eu não sou velho, mas sou de uma geração que cresceu sem computadores. Desculpem os mais jovens, mas a mim parece estranho. Não sei se já comentamos aqui, mas eu e o Pedro Migão, titular deste blog, tivemos algumas oportunidades desperdiçadas de nos conhecermos pessoalmente. E, afinal, só nos conhecemos por opiniões, debates e listas de discussão. E somos velhos amigos mesmo assim. Não é mesmo um mundo curioso?

Bem, foi também assim, pelas vias etéreas da internet, que conheci, ainda que indiretamente, o Sr.Ruy de Pernambuco. Não sei a profissão, se é casado, nem qualquer outra coisa sobre ele. Só sei que é eleitor declarado do Serra e escreveu ao Estadão, aquele mesmo jornal que demitiu uma colunista que ousou descobrir que alguém poderia ter bons motivos para votar na Dilma.

Respondi ao Sr. Ruy. Provavelmente, a resposta jamais chegará a ele. A menos que a corrente que trouxe sua carta até mim (não, não a li no Estadão, onde foi publicada), leve-a de volta ao nobre oponente pernambucano.

O título da carta do Sr Ruy é “PORQUE VOTAREI EM JOSÉ SERRA”, mas sua primeira frase é “O Brasil vai bem, obrigado.” E, em seguida enumera um parágrafo de bons motivos para realmente acreditar que o Brasil anda bem. Já estava eu simpatizando com o Sr. Ruy quando ele emenda, para iniciar seu segundo parágrafo, que “nada disso se deve a Lula.”

Ora, o Lula já é Presidente há 8 anos. No mínimo, o Brasil está em direção segura e competente desde então. Porque, ao contrário do que dizia uma apavorada Regina Duarte na campanha do PSDB em 2002, o Lula ganhou e o mundo não acabou.

O Sr. Ruy afirma que Lula “só está surfando em cima da herança bendita que recebeu de Itamar Franco e Fernando Henrique e da qual se apossou sem pagar direitos autorais.” Ora, caro Ruy, isso é uma daquelas mentiras que são repetidas até que soem como verdade.

Itamar Franco e seu ministro FHC não sanearam a economia, como o Sr. Ruy diz. Eles apenas domaram a hiperinflação. Em 8 anos de governo FHC, nada ou quase nada foi feito a mais pela economia. O leigos reduzem a análise econômica a uma questão “inflação x não-inflação”. Como se economia se limitasse a apenas isso. Só um raciocínio muito simplório descarta questões como produção, emprego, câmbio, balança comercial, escoamento, política fiscal, etc. etc etc, milhões de etc.. Tudo isso passa a não existir: só o que existe é o país ter inflação ou não. Parte desse sub-pensamento é devido ao peixe podre que economistas renomados (a maioria dos que são consultados pelo Jornal da Globo são conservadores) acham pertinente falar nos 10 segundos que serão editados de sua entrevista de já curtos 2 minutos. Outra parte disso é devido ao discurso emburrecedor repetido à exaustão pela direita leviana. Este tipo de abordagem denota má-fé intelectual ou puro desconhecimento de economia.

O Sr. Ruy sabe bem repetir este discurso simplório: “…A inclusão social começou aí. A hiperinflação era o imposto mais cruel que caía sobre os pobres e os trabalhadores, que, até então, viam cada vez mais dias sobrarem ao final dos seus salários… “ Legal, Sr.Ruy, então explica aí: por que o Governo FHC deixou o País, 8 anos DEPOIS de cessada a hiperinflação, com índices sócio-econômicos (exceto a própria inflação) muito parecidos com aqueles que existiam na época da hiperinflação? Por que, em 8 anos, o Governo FHC não conseguiu o avanço que foi conseguido pelo Lula? Uma vez cessado “o imposto mais cruel que caía sobre pobres e trabalhadores”, era de se esperar que eles saíssem de imediato da linha da pobreza absoluta, ou que saíssem da classe D para a C. Mas isso só aconteceu depois, já no Governo do PT. Ora, então havia “um pouquinho a mais” para ser feito além de cessar a inflação.

O Sr. Ruy diz que “Lula e o PT ficaram contra o Plano Real”. Fica parecendo que Lula era a favor da inflação. Lula e o PT ficaram contra o modo com que o Plano Real pretendia combater a inflação. O Real “deu certo” a um custo bastante alto para o Brasil, ou pelo menos para alguns brasileiros. Houve um achatamento salarial sem precedentes, porque o custo de vida foi congelado na alta e os salários, por regra, na baixa. Com isso, houve uma perda do poder aquisitivo brutal, principalmente da classe média. O efeito foi a quebra geral de pequenas e médias empresas. Por conseguinte, o Brasil ficou dependente do mercado externo nos primeiros anos de FHC, porque o mercado interno foi corroído pelo Plano Real. Isso deixou a economia brasileira vulnerável às flutuações do mercado de capitais e às crises regionais e mundiais (coisa que não aconteceu no Governo Lula, que manteve aquecido o mercado interno). Na mesma época do Real, outras economias do mundo conviviam com hiperinflação e aplicaram planos econômicos patrocinados pelo FMI e pelas nações ricas, com efeitos muito menos danosos às outras peculiaridades da economia.

O Sr. Ruy alega que o Bolsa-Família é uma cópia de programas do FHC. Aí, os eleitores e correligionários do Serra têm que definir uma linha: ou são contra ou a favor dos programas sociais. No meio do caminho é que não dá. Realmente, FHC tentou implantar alguns programas, mas seu governo foi incompetente para tal. O PT não pagou “direitos autorais” sobre os programas, como queria o bravo Ruy, porque idéias assim existem no mundo inteiro. O que o Lula fez de diferente foi juntar os programas num só e executá-los direito. Coisa que o PSDB não conseguiu, talvez por falta de conhecimento da questão social, talvez por falta de  firmeza de propósitos. Fica difícil executar programas que eles mesmos chamam de “estímulo a vagabundos”.

Outra crítica do Sr. Ruy muito comum entre tucanos é que Lula teria dado continuidade ao processo de estabilização econômica e respeitado os contratos de privatização. Desnecessário dizer que seria muito mais criticado caso voltasse atrás em qualquer dessas coisas.  Partidos não podem viver de mudar de lá para cá o arcabouço legal daquilo que governam. Leis existem para serem respeitadas, e o PT – ao contrário do que diziam – governa em consonância com as leis. Também não se pode ser irresponsável e destruir tudo que foi feitos pelos governos anteriores. E, ao contrário do que diziam, o PT governou aperfeiçoando o que FHC fez sem o devido esmero, e não destruindo tudo o que havia. Até naquilo em que o PT acertou inequivocamente tentam colocar defeito.

O Sr. Ruy elogia as privatizações de FHC esquecendo que uma coisa era a necessidade do Estado em sair de áreas onde ele já não era necessário, outra bem diferente é vender patrimônio público a preço vil, sabe-se lá com que intenções. Vivemos num País em que, pela forma como se privatizou algumas áreas, o pedágio é caro e as empresas de telefonia são campeãs de reclamações no Procom.

A privatização da Vale é tida como um sucesso de FHC pelo Sr. Ruy. Era mal administrada pelo Estado e hoje é uma empresa vitoriosa. Ora, e quem administrava a Vale até então? O PT? Não, o Governo FHC. Eles tinham (literalmente) uma mina de ouro nas mãos, mas não souberam administrar. Então, venderam a preço de banana. Imagine que você tenha um patrimônio qualquer. Uma casa nos Jardins, por exemplo. Deixa-a nas mãos de uma imobiliária. A imobiliária consegue um locatário que paga R$100,00 por mês. Você considera isso ridículo, esta casa deveria te render bem mais. A imobiliária te convence que o mercado de aluguéis está em baixa, que ela está tirando o máximo que a casa pode render. E te convence a vender a casa. Por, digamos, R$ 100mil. Um preço baixo mas, afinal, você foi convencido de que a casa tinha um valor menor do que sua percepção inicial. Pois bem, depois de 8 anos, o novo proprietário, administrando melhor que você o patrimônio, cobra de aluguel a quantia de R$20mil e rejeita propostas de R$ 10 milhões para a venda da casa. Qual o seu sentimento em relação à sua imobiliária? De gratidão? Afinal, ela vendeu a preço baixo um patrimônio que ela não conseguia fazer render, mas que mostrou-se rentável na mão de outro. O que o Governo FHC fez foi vender a preço baixo um patrimônio que, nas mãos de outros, consegue render mais do que rendia, e ainda querem que a gente seja grato por isso. Só pode ser brincadeira!

Segundo o Sr. Ruy, FHC teria saneado o sistema financeiro. Dis que “…depois do Plano Real, grandes bancos perderam receita inflacionária e quebraram. FHC criou o Proer e restabeleceu a confiança dos depositantes… “ Essa é uma forma de dizer que o FHC usou dinheiro público para fins privados. Se os bancos perderam “receita inflacionária” que aprendessem a viver do que os bancos costumam viver em países onde não há inflação (financiar a produção e o consumo) e não viver de pedir dinheiro ao Governo. Na hora em que deveria ter sido neo-liberal, FHC foi o “pai dos ricos”. Aliás, esta é bem uma postura frequente nos neo-liberias: são contra a presença do Estado na economia, a menos que seja para salvar os amigos falidos.

Um indignado Ruy afirma que “…quando a crise internacional de 2008 bateu aqui, os bancos estavam saneados e não houve a quebradeira que aconteceu nos EUA e na Europa.” Errado: “quando a crise de 2008 bateu aqui” a economia brasileira tinha lastro do mercado interno e havia diversificado suas possibilidades de comércio exterior, além de ter acertado sua balança de pagamentos. Ou seja, a economia estava mais forte e os bancos estavam funcionando em compasso com esta economia. Na época do FHC, a dependência de um mercado externo limitado fazia o Brasil estremecer a cada pequeno abalo da economia mundial.

José Serra é apresentado por seu eleitor Ruy: “tem 40 anos de história. Foi presidente da UNE, quando ela era, ainda, a União Nacional dos Estudantes, e não um covil de pelegos.” Novamente, errado: em 1964, muitos foram usados como agentes-duplos, para incitar e conseguir armar um clima de comoção entre as camadas mais conservadoras da população que justificasse um levante das forças armadas contra a democracia. A UNE foi peça fundamental no clima de instabilidade nacional. Naquela época, como até hoje, a UNE extrapolava as questões estudantis e era usada como plataforma política (tanto que o Serra, em vez de economista, até hoje é político). Não se sabe se Serra foi um infiltrado, um “Cabo Anselmo” estudantil, ou se foi um inocente útil. O certo é que sua atuação, e a da UNE, foi uma das “desculpas” usadas pelos miltares para o golpe. Tocou fogo no circo e  não ficou para assumir sua responsabilidade. É… uns ficaram e lutaram; outros, fugiram. Anos depois, Serra também foi o Ministro da Saúde na época do escândalo das sanguessugas. Não é isso que eu espero de alguém que se autodenomina “o melhor Ministro da Saúde” do Brasil.

“…Lula e o PT dizem que lutaram pela redemocratização. Eles mentem, de novo, pois ficaram contra a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral…” segue dizendo o Sr. Ruy. É um erro comum imaginar que a redemocratização do Brasil passava, necessariamente, pela eleição indireta de um único homem possível. Tancredo, afinal, foi eleito (não precisava dos votos do PT, então um partido pequeno no Congresso) e não assumiu, e mesmo assim a redemocratização se fez, pelas mãos de um líder do partido governista dos militares (nada mal para um País em que o filho do rei colonial deu o grito de independência). O mesmo partido, o PDS (que já havia sido ARENA) que deu origem ao PFL, que por sua vez deu origem ao DEM, que por sua vez apóia… José Serra (oh, por que será que eu não me surpreendo?). Ora, Serra é apoiado pelo mesmo partido que sustentou os militares golpistas no poder por 21 anos. Pelas mesmas empresas jornalísticas que apoiaram o Golpe de 64. E quer vir falar de democracia?

Como alguém que não respeita a democracia, o Sr. Ruy segue sua carta mentindo e distorcendo. Diz que o PT recusou-se a assinar a Constituição em 1988: mentira, assinou. E mais importante que assinar a Constituição é respeitá-la. O PSDB de FHC assinou a Constituição mas, quando chegou ao poder, fez questão de rasgá-la quanto ao período regencial de sua alteza, FHC Primeiro, corrompendo o Congresso para votar a emenda que lhe permitiu a reeleição. Ao prever a perda do poder para Lula, tentou impor ao povo brasileiro o parlamentarismo, numa segunda tentativa de golpe contra a ordem institucional em curto período. Contra todos os argumentos de quem acusa o PT de golpe contra a democracia, em 8 anos de Governo Lula, nunca foi enviado ao Congresso pedido de revisão da ordem institucional democrática, ao contrário do que FHC fez por duas vezes em benefício próprio. Chegaram a afirmar que Lula tentaria uma segunda reeleição, porque querem imputar aos outros a sua própria lógica, mas isso nunca foi aventado com seriedade pelo Governo.

O Sr. Ruy força o assunto Erenice Guerra mas omite que, pega sob suspeita de tráfico de influência, foi demitida, está sob investigação, na mira da PF. Muitas vezes, só se conhece a verdadeira face de um colaborador quando se dá poder a ele. Ter avaliado mal a Erenice foi um erro do Governo. Mas o mal foi sanado de imediato.

O que dizer, então, de Paulo Preto? Este é um colaborador de José Serra, indicação do Senador recém-eleito pelo PSDB Aloysio Nunes. Durante todo o Governo Serra em São Paulo, foi Diretor da Dersa, a empresa pública responsável pelas estradas paulistas. Esteve à frente dos principais (e mais caros) projetos do Governo Serra, como a Nova Marginal (como não percebemos?) e o Rodoanel (deve ser o rodoanel do contribuinte, né?). 

Havia sido acusado na Assembléia Legislativa estadual, mas foi mantido no cargo pelo Sr. Governador. Chegou a ser preso pela PF por malfeitos, como está nas revistas semanais que estão nas bancas. Como “prêmio” por isso, ganhou a honra de tomar conta do caixa de campanha do Serra. Foi denunciado por companheiros do próprio PSDB por ter desviado 4 milhões do caixa dois da campanha serrista. Depois disso tudo, Serra declarou a Isto É não conhecê-lo. Com esta cara de pau. No dia seguinte, sob ameaças de Paulo Preto, Serra mostrou sua outra cara, voltou atrás e declarou à mesma Isto É que conhecia Paulo Preto e ainda defendeu-o das acusações. Ah, sim, a filha de Paulo Preto tem um emprego-cabide dado pelo ex-Governador Serra no cerimonial do Palácio dos Bandeirantes. Continua lá, mantida pelo sucessor de Serra, Alberto Goldman. Mostra-se, na comparação direta (sempre ela) daquilo que é feito no Governo Lula e nos governos do PSDB, a diferença: há erros de gestão e envolvidos em escândalos nos dois lados, mas enquanto o PT demite e investiga, o Serra prestigia os tucanos-de-rapina.

O Sr. Ruy, finalmente, enumera os males que acometerão o Brasil em caso de vitória de Dilma, a começar pela anulação da Constituição e findar na opressão, na supressão dos direitos civis e na implantação de uma ditadura socialista em solo pátrio. E que isso justificaria que vale tudo para impedir que Dilma chegue ao seu objetivo, como se o PT não tivesse já 8 anos de poder sem ter tentado as mesmas coisas de que as cartomantes de plantão diz que tentará gora. Ah, as Reginas Duartes…. Impressão minha, Sr. Ruy, ou este tipo de desculpa (vamos dar um golpe antes que o Brasil leve um golpe) foi usada em 1964 por aqueles que furtaram do Brasil sua democracia com o falso argumento de que deveria fazer isso para… proteger a democracia? O resultado de discursos como o seu, Sr. Ruy, a História brasileira já conhece.

Agora me conta, Sr. Ruy: quem é o democracida? Quem taca uma bolinha de papel, ou quem embarca numa farsa, tenta fazer crer ao eleitorado que foi vítima de uma grande agressão e se aproveitar disso para vencer uma eleição em que está perdendo?”

2 Replies to “Sobretudo – "Respondendo ao Sr. Ruy"”

  1. É fácil falar contra a privatização da telefonia com um Blackberry na mão…

    Assim como é fácil pegar carona no crescimento da China com minério e soja na pauta de exportação… Quero ver é educar o povo. Coisa em que o Lula nada fez E NEM QUIS FAZER. Aliás, minto: a única coisa que fez pela educação foi incluir o C.A. como a 1a série o que vai fazer grande diferença prática, já que as escolas já o ofereciam mesmo…

    E me impressiona como o petista mente, mente, mente, mesmo quando confrontado com a verdade: vide mensalão (que o presidente agora nega ter existido, numa total sensação que vivo como no 1984 de Orwell! Aquele que criou o “Grande Irmão”…), Casa Civil e outros casos. Protege seus “companheiros” até que caiam de podres, se caírem (Sarney não caiu)! Se for esse o tratamento aos corruptos e ladrões, o outro lado parece melhor. Pois, se pegos com provas, ao menos lançam os corruptos mais rapidamente aos leões… O resultado final é o mesmo. A justiça trata todos igualmente desde que tenham acesso a bons juízes.

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