Um fenômeno muito interessante que venho observando nestas eleições, em especial as presidenciais, é a existência de um declarado “ódio de classe” em especial das camadas de maior renda.
Acho que já contei para o leitor que moro em um bairro de classe média aqui no Rio. Embora seja um local da Zona Norte, suas características geográficas – é um lugar relativamente isolado e que possui a Baía da Guanabara perto e boas áreas verdes – trazem uma boa qualidade de vida e atraem pessoas de maior renda – além de alguns petroleiros que trabalham no Cenpes e na refinaria de Duque de Caxias, relativamente próximas.
Pois é. Em meu carro tenho um adesivo no vidro traseiro da candidata Dilma Roussef – além de um da Portela e outro da Igreja Messiânica, mas isto é outra história… Com o acirramento da campanha tenho de ouvir comentários de vizinhos na linha “vai continuar a sustentar vagabundo?”, “eles vão tomar o seu lugar, hein!” e coisas correlatas.
Ando pelo hortifruti onde faço compras às vezes e ouço uma senhorinha, bem jovem, com seu bebê no colo: “vê se pode, esta gentalha fazendo compra no mesmo lugar que a gente. Não pode!”, apontando para um senhorzinho que comprava a carne provavelmente para o almoço de domingo.
Onde eu quero chegar: que existe uma parcela de voto conservador que defende a extinção dos programas sociais e prega a perpetuação da miséria. Isso se dá, basicamente, por dois grandes fatores.
O primeiro é social. A chamada “elite” social brasileira defende a exclusão e a idéia de que “somos os escolhidos e os demais são nossos serviçais”. A ascensão social de camadas da população nos últimos anos – das Classes D e E para a Classe C e desta para a Classe B – é malvista a partir do momento que retira a “exclusividade” de pertencer à elite, ou à proto-elite – tem muita gente que mora em bairros ricos, mas passa a Guaravita com pão de forma.
Estas novas parcelas de renda mais altas são consideradas “incultas”, “bárbaros” e indignos de frequentarem os mesmos ambientes que estas pessoas que se consideram uma “raça superior”. Com isso há o clamor pela extinção de políticas de inclusão social e de ampliação de oportunidades; na visão destas parcelas sociais o pobre tem um destino imutável em seu nascimento e não deve ter oportunidade de progredir ou de buscar progredir. Pelo mesmo motivo a criação de empregos deve ser freada.
Eu comentei uma vez em tom de brincadeira, mas está se tornando algo sério: as pessoas tem ânsia de vômito somente de imaginar pobres fazendo supermercado, comprando seu carrinho a prestação, indo ao cinema ou ao shopping. A visão é que, com estas condutas, estas classes ascendentes estão ocupando um espaço que não é delas, não lhes pertencem e cuja presença macula os templos sagrados da velha elite.
A percepção destas pessoas é que estas deixam de ser “superiores”, “exclusivas” e passa a ocorrer o maior temor destas classes: passarem a fazer parte da denominada “gentalha”. Um pseudo privilégio.
A segunda razão é puramente econômica.
Indo direto ao assunto: com a oferta maior de empregos, os aumentos reais de salários daí advindos e o crescimento da economia, serviços domésticos – incluindo aí os serviçoes de reparos tais como pedreiros, eletricistas e outros – passaram a ficar bem mais caros que nos gloriosos tempos do tucanato.
Hoje não se encontra mais aquela empregada doméstica morta de fome que dorme no emprego, não tem carteira assinada e trabalha por meio salário mínimo mensal, nem aquela faxineira que faz a faxina e passa a roupa por uma diária de R$ 10, R$ 15.
Com a acelerada expansão da construção civil dado o crescimento da economia, profissionais como pedreiros, eletricistas e encanadores cobram bem mais caro, e tem seu tempo disponível diminuído. Esses serviços tiveram elevação substancial de preço, que acabaram impactando na “inflação” destas classes.
Vejo muita gente reclamar “que é um absurdo pagar um salário mínimo e meio mais os direitos para uma empregada que, olha que audácia, vai embora pra casa todo dia!” Percebe-se que é uma visão excludente, de que “o que importa é eu estar bem, o resto que se dane”, e “do pobre a Polícia cuida”. Mas garanto ao leitor que este mesmo indivíduo reclamaria se em seu emprego tivesse de chegar segunda feira de manhã e somente voltar para casa no final da tarde de sábado…
Também alerto que apesar de reclamarem horrores do Governo Lula, esta turma ganhou muito dinheiro durante os últimos anos. Talvez setores localizados da classe média tenham prosperado menos, mas as classes alta e a maioria dos pertencentes à classe média também melhoraram seu padrão.
Ou seja, resumindo grosseiramente, o importante é acumular dinheiro, ainda que para tal tenha de se explorar o semelhante. A verdade é que os setores favorecidos deste país, em média, são egoístas, mesquinhos, americanófilos e, diria até, perversos. Se estão bem, o resto pode explodir.
Por isso o apoio entusiasmado ao candidato conservador, que promete a volta aos tempos áureos do arrocho salarial, da senzala nas relações trabalhistas, dos juros elevados e da redução do emprego. Sem contar o fim de programas como o Bolsa Família, o ProUni e a reserva das universidades federais para uma minoria – pobre tem de fazer, no máximo, ensino técnico – assim ele ganha menos.
Outro ponto que percebo é que com a introdução cada vez maior da competitividade extrema desde o berço, a juventude é cada vez mais conservadora, egoísta e consumista. Depois reclamam da decadência da sociedade e dos políticos.
Resumindo, existe uma parcela forte de voto conservador calcada no puro preconceito de classe, na noção de que estes são os “escolhidos” e de que os serviços a estas mesmas classes devem custar o mínimo indispensável.
Vale lembrar que parte deste argumento explica a vitória de Serra nos estados da fronteira agrícola brasileira, onde, é bom que se frise, as condições de trabalho são análogas às da escravidão. Não surpreende ver a Senadora Kátia Abreu, líder ruralista, afirmar que o “custo do trabalho está muito alto”. Com outras opções de emprego é evidente que os trabalhadores não gostarão de trabalhar como escravos acorrentados em fazendas de monocultura.
Atualização 18:52: o post foi reproduzido no blog do prestigioso jornalista econômico Luis Nassif, o que muito me honra. Aqui o leitor pode ver o post lá, com excelentes comentários.

8 Replies to “O Voto e o Preconceito de Classe”

  1. Você ainda tem sorte. Uma amiga narrou o fato de que foi a escola do filho buscá-lo, e assistiu de dentro de seu carro (vidro filmado) uma senhora arrancar-lhe o adesivo da Dilma que estava na traseira. Ela saiu do carro, indagou sobre a ação da senhora, e ouviu algo do tipo: “tiro mesmo, odeio ela”.

    Nisso eu tenho que admitir que o Serra é bom. Gerar ódio. Como funcionário e ex-aluno da USP, posso afirmar: nunca antes na história da universidade vi tanto ódio quanto gerou este senhor.

    Muito bom o seu texto. É exatamente o que acontece. Infelizmente.

  2. O meu adesivo não tentaram arrancar, mas já fui ameaçado de agressão.

    Seja bem vindo e se quiser contar sobre o tratamento dado por Serra à USP, o espaço está aberto.

    forte abraço

  3. Pedro, vamos ver se conseguimos colocar 2 pontos sem ser acusado de escravocrata ou de vendido ao sistema: as cotas para estudantes negros e o custo do emprego formal.

    O problema no país é a educação do POBRE. A cota definida pela UFRJ, considerando a origem pobre ou a escola pública não resolve mas minimiza o problema. Por quê? Porque permite a ascensão através do trabalho. A maioria entre os pobres é negra e o auxílio vem da mesma forma.

    A cota para o negro e índio atrapalha. Por quê? Porque dá poder a uma burocracia para definir critérios baseados apenas na sua visão pessoal. Eu, por exemplo, sou um branquelo, mas neto de uma negra. Seria candidato à cota? E quem é mulato, quão “negro” precisa ser para auferir o benefício. Isso me parece uma futura forma de venda de “facilidades”, se é que você me entende… Atrapalha também no mercado de trabalho, pois os candidatos de cotas podem ser vistos como candidatos menos preparados. E no caso da cota por opção genética, deixa claramente associado à cor da pele.

    No caso do custo do emprego formal, é preciso lembrar que nem todo o custo do salário é resultado de benefícios como INSS, 13o salário ou férias. Mas resultados de impostos como PIS e Cofins que incidem sobre o faturamento bruto das empresas (o que inclui os valores dos salários pagos…). Pago salário mínimo a empregada doméstica e minha namorada paga até mais que isso. Então não é sobre questões diretas que estou falando, mas temos uma cadeia de impostos complexa e cruel que tira o couro da sociedade e que nos é repassada nos preços de contas e compras do dia-a-dia.

    Lula foi eleito para mudar a sociedade. Não só não a mudou como se aproveitou do que existia para aperfeiçoar, mudar o nome e dizer que era (só) seu. Como diz o Marcelo Tas, Lula é “só gogó”. Serra não é muito melhor, mas é o que resta contra um aparelhamento sem precedentes do governo para interesses privados de um partido. Ele não vai melhorar o país em nenhum termo. Vai só evitar que este piore. Já a Dilma, pode nos mergulhar diretamente numa ditadura chavista. E aí, só puxando o saco como você vem fazendo em seu blog é que você vai crescer.

    Se a Dilma ganhar, já está num bom caminho. Só falta mesmo bloquear meus comentários.

  4. Bruno, vamos lá:

    1) Eu vou escrever sobre as cotas depois que passaram as eleições, mas meu entendimento é semelhante: cota por renda. Dentro dela pode-se ter por raça, não acho ruim.

    2) Desoneração de PIS/CFofins: ok

    3) Bruno, o lema deste blog é que “eu defendo até a morte o direito de ter a tua opinião, memso que não concorde comigo”. Só deletarei se perceber que pode haver risco de processo.

    Mas acho que você está sendo injusto em dois pontos:

    1) eu não estou puxando o saco de ninguém;
    2) Não acho que Dilma levará o Brasil a uma ditadura. E é “ditadura” um governo com o de Chávez onde a oposição tem 40% das cadeiras no parlamento ?

    O que há na Venezuela é uma imprensa golpista igualzinha à nossa.

    abs

  5. O problema é que o nosso sistema de votação é distorcido. 1 voto de Roraima vale mais que um voto do Rio de Janeiro ou São Paulo. É só ver os quocientes eleitorais e fazer esta conta. Assim, os coronéis e mandatários têm mais poder do que a ala “burguesa” do país. O resultado é uma “corruptofilia”.

    E não esqueça que a oposição da Venezuela é tão burra ou mais que a nossa. Mas estatizar tudo é saída pra você, como o Chavez vem fazendo? Se é, boa sorte. Eu não gostaria de viver num país assim.

    E se você acha que tem que se fechar O Globo e o que você chama de “Imprensa Golpista”, eu acho que o papel feito por sindicatos, associações de estudantes, por blogueiros como o Nassif, o Azenha e o Paulo Henrique Amorim, pela Isto É e a Carta Capital mais vergonhoso ainda. São vendidos mesmo. Pagos pelo IG, que é o braço de internet da Oi, que está a 0,5% de voltar a ser estatal.

    Negar o mensalão, apoiar esta versão e chamá-lo de invenção da mídia, como alguns jornalistas destes veículos fizeram é demais pra minha mente… A verdade está muito longe de qualquer veículo de imprensa hoje. Nos cabe ler e interpretar como desejamos. Intervir será pior. O correto seria se a justiça pudesse ser o árbitro destas disputas. Mas aqui…

  6. Não, Bruno, eu não sou a favor de estatizar tudo. Voltarei ao tema posteriormente.

    Nem de fechar a Globo, embora ache que algum tipo de regulamentação para que não hajam os visíveis exageros e desequilíbrios da cobertura atual deveria haver.

    Agora, você deveria ler a Carta Capital. Mesmo se declarando Dilma, deu todos os escândalos atuais. Todos. Do Caso Erenice a Paulo Preto, de Sérgio Guerra à quebra de sigilo.

    A Veja virou um panfleto fascistóide.

    Cara, eu nunca disse que não houve o Mensalão. Só acho que pensar que Serra e o PSDB são santos é querer se enganar. Taí o caso Paulo Preto, que faz Erenice parecer uma batedora de carteiras – e também é dinheiro público, grana de obras em SP.

    Diga-se de passagem, o Ouro de Tolo foi o primeiro blog da internet brasileira a falar no caso.

  7. Se um dia aparecerem provas sobre as questões da Oi, você verá que Paulo Preto é ladrão de galinha. Nem Maluf terá roubado tanto. O prejuízo para o país vai na casa dos bilhões…

    O problema é que se aparecerem provas, acaba a publicidade de um dos mais fortes anunciantes do país. Quem vai bancar esta?

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