Mais uma quarta feira e mais uma edição da coluna “Formaturas, Batizados & Afins”, assinada pelo Professor de Biofísica Marcelo Einicker.

O tema de hoje é o progresso da chamada terapia celular, debatido no último Congresso Brasileiro de Terapia Celular, realizado em Gramado, RS (foto acima). Ao contrário do que o leitor possa pensar, não se trata de conserto de Blackberrys, Nokias e afins, mas sim do ramo da medicina que estuda as chamadas “células tronco”. Vamos ao texto que ficará mais claro.

O Futuro das Terapias Celulares é agora !

Caros amigos,

Esta coluna trará nesta quinzena um balanço do que eu vi no V Congresso Brasileiro de Terapias Celulares, realizado no início de outubro em Gramado, Rio Grande do Sul. Aliás, começo elogiando a comissão organizadora pela qualidade das instalações onde se realizou o Congresso e pela infra-estrutura disponibilizada. Impecável e ainda com a linda e educada Gramado como cenário.

Conhecendo mais sobre Terapias Celulares

Para a grande maioria da nossa população este tema ainda é um grande mistério. Aposto que muitos não sabem nem sequer de que se trata. No entanto, como coloquei no título, o futuro das Terapias Celulares é agora! Sim, aquela estória de que isso é coisa para o futuro, para daqui a dez anos…parece ter chegado a hora de ver na prática se temos uma nova revolução em andamento – a revolução da saúde.
   
A proposta de terapias celulares surgiu com a descoberta de células indiferenciadas, ou seja, células que guardam potencialidades de períodos bem iniciais durante a embriogênese e que podem ser entendidas pelo público leigo com uma forma mais simples de explicação. Tentarei ser o mais didático possível para atingir este público.

Todos sabem que a partir da fecundação do óvulo pelo espermatozóide surge a primeira célula, que irá dar origem a todo o corpo daquele ser, ou seja, uma única célula… que vai se dividindo…dividindo…dando origem a células mais especializadas, que então formam tecidos, órgãos, sistemas (como o sistema nervoso, por exemplo). Assim, esta célula inicial – indiferenciada – tem a capacidade de gerar todos os outros tipos celulares que irão constituir o corpo daquele ser vivo, seja ele qual for. Quanto mais especializada a célula, quanto mais comprometida com um determinado tecido ou órgão, menor é a sua capacidade de atuar em protocolos de terapia celular. Inversamente, quanto menos diferenciada e comprometida a célula, maior a sua capacidade em atuar nos procedimentos de terapia celular. Estas células menos comprometidas com tipos celulares específicos foram denominadas células tronco e são as grandes “estrelas” das terapias celulares.

Mas onde estão as células tronco?

Com base nesta explicação simplória acima, fica claro que as etapas iniciais do desenvolvimento embrionário, quando o embrião tem ainda 4, 8, 16 células apenas…neste momento estas poucas células seriam de grande importância para procedimentos em terapia celular. Surpresa para muitos foi quando os cientistas identificaram nichos de células tronco adultas em tecidos já diferenciados. Hoje sabe-se que existem células tronco musculares, renais, cardíacas e até cerebrais, entretanto a quantidade destas células nestes nichos teciduais é muito pequena e assim dependendo da gravidade do insulto, da lesão, a capacidade de regeneração torna-se pequena.

Alguns tecidos são fontes bem conhecidas de células tronco, como a medula óssea. Na medula estão precursores de todas as linhagens de células sanguíneas – as chamadas células tronco hematopoiéticas. Também na medula encontram-se células de “suporte” que são chamadas de células ‘tronco mesenquimais’. Neste ano, completou-se 50 anos desde o primeiro transplante de medula óssea, o que para muitos já é considerado um procedimento de terapia celular –  afinal injetam-se células de medula sadia em pacientes com leucemia, por exemplo, buscando que as células injetadas se diferenciem em células saudáveis do sangue daquele paciente – curando-o.

Além da medula óssea, que ainda é a principal fonte das células tronco que estão sendo estudadas mundo afora, outras fontes de células tronco vem sendo exploradas: o sangue de cordão umbilical, tecido adiposo (gordura) extraído em procedimentos de lipoaspiração, células presentes na polpa dentária e até mesmo células presentes no fluido menstrual. Diversos grupos em todo mundo estudam as capacidades destas células, formas de se aumentar o número destas células obtidas para aumentar as chances de uso em terapias; e principalmente, estudos para “domar” estas células, que por serem indiferenciadas e teoricamente terem capacidade de se transformar em outros tipos celulares podem vir a gerar tumores quando injetadas num paciente.
   
Muito avanço neste campo aconteceu na última década, mas claro ainda não temos nos laboratórios total certeza sobre todos os aspectos da biologia destas células. Em paralelo, já existem vários protocolos de administração destas células em modelos animais de doenças como diabetes, parasitoses, glaucoma, etc. Aqui deixo a chamada para a importância do uso de animais na pesquisa, tema que abordaremos em uma próxima coluna. Além destes modelos animais de doenças, existem modelos animais de lesões espinhais que levam a paraplegia. Os resultados já obtidos nestes modelos animais mostra que, feitos os devidos ajustes, a terapia celular pode preencher uma lacuna no tratamento de diversas doenças e problemas ainda sem solução.

A partir destes ensaios em cobaios (o que se chama pesquisa Pré-Clínica), são embasados e propostos os ensaios em pacientes (a chamada pesquisa Clínica), que tem uma fase inicial, chamada fase 1, onde a única intenção é verificar se o fato de se fazer a infusão de células tronco naquele paciente não irá causar uma piora no seu quadro clínico; além de tentar acompanhar este paciente voluntário o máximo de tempo possível depois da infusão das células. A terapia já vem sendo testada com êxito em pacientes com Doença de Chagas, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, diabetes e começam protocolos para uso em paralisias, doenças dos olhos e doenças renais.

O grupo de pacientes nestes estudos iniciais ainda pode ser considerado pequeno, e conta com pessoas que já não teriam qualquer outra alternativa terapêutica. Devo ressaltar que ao dizer que os resultados são muito animadores, não estou afirmando que todos os pacientes se curaram de suas patologias, não é isso. Verificam-se indicadores de melhora nas funções comprometidas, aumento de sobrevida, mas alguns casos após uma melhora inicial apresentam uma recaída e chegam a óbito. É algo que vai ser aperfeiçoado e que terá assim aumentados os índices de sucesso.

O Congresso em Gramado

No Congresso deste ano tivemos a chance de ter um dos maiores especialistas em células tronco no mundo, o Dr. Arnold Caplan, de Cleveland, Ohio, EUA. Foi o Dr. Caplan que fez algumas das principais descobertas neste ramo e em Gramado não apenas fez um apanhado do que se sabe, como também apontou novas perspectivas para o uso clínico das células tronco.
   
Mas sem sombra de dúvida o que mais me impressionou no Congresso foi ter visto já a quantidade de ensaios clínicos que estão sendo feitos no Brasil e no exterior, ensaios que já contam com uma taxa de sucesso maior que a demonstrada ano passado e em doenças que ainda não estavam sendo alvo destas novas terapias. Um pesquisador Cubano, prof. Porfírio, mostrou que em Cuba as terapias celulares já estão disponíveis para a população em determinadas aplicações, com resultados muito bons. Também assisti a uma conferência de uma pesquisadora de uma empresa privada americana (Geron) que começa ainda este mês os testes de emprego de células tronco em pacientes com esclerose múltipla. Esta pesquisadora disse que a Geron fez quase 5 anos de testes em modelos animais para padronizar a proposta terapêutica que será posta em prática em humanos.

Também pôde ser visto no Congresso como andam as pesquisas na Alemanha, Espanha, Inglaterra e Argentina. Aliás, no Congresso foi anunciado um grande convênio entre Brasil e Argentina para intercâmbio de experiências e associações de grupos brasileiros e argentinos que trabalharão juntos para acelerar esta tecnologia na nossa América do Sul.

Uma revolução na medicina

Atualmente existem duas possibilidades de administração do tratamento: o transplante autólogo de células, ou seja, as células tronco são retiradas do próprio paciente, purificadas e então injetadas; o transplante também pode ser  heterólogo, ou seja, um doador diferente do paciente será a fonte de células tronco. Para a terapia normalmente são injetadas de 1 milhão a  10 milhões de células tronco, tanto diretamente nos órgâos ou  estruturas que precisam da terapia, ou também via intravenosa (veia cava, veia porta hepática, artéria renal, etc). O número de células usado, o número de infusões de células e a forma de administração destas células ainda está sendo padronizado e varia de acordo com a proposta terapeutica e com o orgão a ser curado.   

As terapias celulares irão representar uma nova revolução da humanidade – a revolução da medicina. A perspectiva de tratamento de doenças e lesões tidas hoje como incuráveis, a chance de devolver a pessoas com lesão na medula (bala perdida, acidentes, etc), a chance de voltar a se locomover; devolver a visão a quem está condenado a perdê-la; livrar os diabéticos de dietas rígidas e das doses de insulina. Tirar pacientes da fila de transplante de rim e mesmo devolver a alguns destes pacientes renais parte da função do órgão que já permitiria tirá-lo de unidades de hemodiálise…

As propostas terapêuticas são inúmeras e o avanço da pesquisa científica neste tema permite dizer que chegou a hora. Vamos torcer para que os resultados sigam as expectativas e que em muito pouco tempo estas novas propostas terapêuticas estejam disponíveis em nosso sistema de saúde. O futuro das terapias celulares é hoje!
   
Até a próxima
Marcelo Einicker Lamas”