De uma forma muito feliz, assisti a um DVD ontem que complementa e ilustra muito bem o tema do post anterior.

Estava com o filme para ver há algum tempo, mas não tinha ocorrido a oportunidade de assistir “Capitalismo: Uma História de Amor” (trailer acima), o último documentário do cineasta americano Michael Moore – dos indispensáveis “Tiros em Columbine” e “Fahreheint 9/11”. Sou fã do cineasta americano, sempre com documentários que mostram o lado oculto do establishment e que mostram as mazelas do que é considerado, muitas vezes, “senso comum”

Desta vez o tema do cineasta é a crise do “sub-prime” norte americano, que arrastou a economia dos Estados Unidos a uma crise sem precedentes e a milhares de ações de despejo de famílias que perderam suas casas por falta de pagamento. Paralelamente mostra a captura do Estado americano pela corporatocracia, em especial os grandes bancos de Wall Street.

Seu ponto de partida é exatamente o mesmo do adotado por John Perkins no livro do post abaixo: a eleição de Ronald Reagan como guardião das idéias desregulamentadoras e do radical livre mercado. Livre, obviamente, para as empresas que passaram a deter diretamente o controle do Estado. Moore mostra, tal qual Perkins, que as políticas de desregulamentação tinham como objetivo maximizar os lucros a curto prazo. Para isso, os sindicatos foram esmagados, empregos dizimados, salários congelados e produtividade do trabalho crescendo a níveis altíssimos. Bem como retirada de restrições e regulamentações, em especial do trabalho e de serviços financeiros.

O filme mostra situações como famílias que foram despejadas de seus imóveis por não conseguir acompanhar a subida estratosférica dos juros e contratos leoninos. Prestações em alta, salários estagnados e empregos em queda levando a um quadro de falência pessoal. A humilhação final era o banco pagar mil dólares para que as famílias retirassem seus pretences e limpassem a casa que teriam de entregar.

Por outro lado, aparecem aqueles corretores – chamados por Moore apropriadamente de “abutres” – especializados em comprar estes tipos de casas e revendê-las com grandes lucros aproveitando-se do desespero das pessoas.

O filme também mostra como a Goldman Sachs colocou ex-diretores em postos chave da estrutura governamental americana, e os detalhes do acordo que deu US$ 700 bilhões a estas instituições para, teoricamente, “salvar” o mercado. Na prática tal “doação” foi apropriada pelos líderes destas instituições como bônus e outros tipos de benesses, restando ao contribuinte apenas a conta a pagar – e empregos perdidos, casas executadas e renda real em queda.

Todo o jogo de pressões exercido por Wall Street para aprovação deste pacote é descrito em detalhes na película. Primeiramente o acordo foi rejeitado mas após um “acordo de gabinete” ele foi simplesmente aprovado. Hilária é a cena do filme onde Moore aluga um carro forte e percorre os principais bancos a fim de “recolher” os US$ 700 bilhões emprestados – que, na prática, não serão devolvidos.

Espantou-me saber que um piloto comercial de avião ganha por ano apenas US$ 20 mil – o que daria R$ 36 mil aproximadamente. O filme mostra um deles recorrendo a vales dados pelo arremedo de Assistência Social que restou a fim de comprar comida. E toca na questão do endividamento e na escravidão por tal que a baixa dos salários trouxe – bem como dito, também, no livro de John Perkins. Outro ponto deplorável é o fato de grandes empresas norte-americanas terem feito seguros de vida em nome de seus funcionários – onde elas, as empresas, eram as beneficiárias !

Merecem destaque também as análises de padres e do bispo de Chicago dando conta de que Jesus Cristo reprovaria este tipo de capitalismo adotado e de como a Bíblia teve sua interpretação distorcida a fim de justificar os “gatos gordos” capitalistas do mercado. Provavelmente, o Papa Bento XVI não vai gostar nem um pouco de saber disso…

Após traçar um quadro de como o capitalismo atual norte americano, desregulamentado, acabou com a classe média e aumentou sobremaneira a concentração de renda, o cineasta mostra tentativas de resistência popular, como a ocupação de uma fábrica em Chicago a fim de que os empregados demitidos pelo seu fechamento recebessem seus direitos e a reocupação de casas por famílias despejadas em Miami.

Não sei se o cineasta conhece o escritor, mas a tese de Perkins de que “os métodos dos assassinos econômicos funcionaram tão bem no Terceiro Mundo que os aplicamos em nosso próprio país” é ilustrada de forma magistral pelo filme. Moore traz aqui e ali alguns elementos da teoria marxista para o debate, mas de forma tão natural que somente especialistas conseguem perceber isso. Sua conclusão final é de que o capitalismo precisa ser substituído pela democracia, onde todos possam ter seus interesses ouvidos e atendidos.

O cineasta defende uma postura tipicamente social-democrata, mas o leitor deve se lembrar de que, nos Estados Unidos, tal postura soa como se fosse um comunismo radical. O próprio diretor frisa isso ao mostrar como Obama foi tachado de “socialista” pelos republicanos por defender algumas medidas típicas de um Estado de bem estar social.

O documentário é obrigatório para se entender o quão predatórias se tornaram algumas políticas econômicas e a tomada do Estado pelas grandes empresas. Algo semelhante ao ocorrido aqui entre 1995 e 2002, onde a equipe econômica estava mais interessada em atender a seus ex – e futuros  – patrões do mercado financeiro que propriamente o bem estar da economia, do povo ou do país.

Imprescindível. Comprei o meu DVD – que tem ótimos “extras”, a propósito – na Travessa, mas para venda online há apenas pronta entrega na Saraiva, a R$ 40. Presença obrigatória em qualquer estante.

P.S. – Assisti há cerca de um mês “Meu Malvado Favorito”. Acabei não escrevendo aqui porque perdi o “timing”, mas é um desenho que pode ser visto tanto pelo ângulo do relacionamento entre pais e filhos quanto pelo lado da crítica à vida corporativa nos dias de hoje. Muito bom.

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