Como os leitores podem perceber, a semana passada entre Campinas e Paulínia foi proveitosa, como sempre, em termos de leituras.
Trago aos leitores a resenha deste “Enganados”, novo livro do economista americano John Perkins – autor dos indispensáveis e já resenhados “Confissões de Um Assassino Econômico” e “A História Secreta do Império Americano”.
Neste exemplar o autor se utiliza de conceitos desenvolvidos em seu livros – em especial “Confissões” para explicar a crise econômica americana e, por tabela, mundial.
Ele inicia mostrando a oposição entre as teorias econômicas de Keynes e as de Milton Friedman e como a vitória dos teóricos deste levou a um mundo de concentração econômica, pobreza e quebradeira de empresas e pessoas.

Grosso modo, a teoria keynesiana advoga que o Estado é necessário na tarefa de regulamentar os setores econômicos e intervir em setores onde a iniciativa privada não se interesse ou onde seja de caráter estratégico para o país. Além disso, é função do Estado estimular a demanda agregada da economia e regulamentá-la.

Milton Friedman é considerado o pai do “monetarismo”, doutrina que advoga que qualquer ação do estado apenas tem como consequência o aumento da quantidade de moeda na economia e, finalmente, inflação. Também advoga a total desregulamentação de todo e qualquer mercado, com a justificativa (falaciosa) de que a interferência estatal cria zonas de ineficiência.

John Perkins mostra como a adoção de políticas monetaristas levou os Estados Unidos e o mundo à crise atual, com concentração de renda cada vez maior, ganhos cada vez maiores dos grandes “CEOs” das empresas e as mazelas das políticas empresariais de “maximizar lucros a curto prazo”, a fim de aumentar os bônus corporativos. E trata da captura do Estado norte-americano por estas corporações. O autor chega a cunhar a expressão “barões ladrões” para definir a atuação destes presidentes e donos de grandes empresas.

Sem qualquer regulação, tais executivos e suas companhias adotaram práticas predatórias que levaram prejuízos a consumidores e países, bem como a uma crise financeira bastante grave.

Outro aspecto interessante da primeira parte do livro é a tese do autor de que as práticas dos “assassinos econômicos “deram tão certo” nos países do Terceiro Mundo que foram aplicadas nos Estados Unidos: aprisionar o povo pelas dívidas.

Perkins também mostra o desacerto causado pelos PAEs – Programas de Ajuda Econômica – impostos pelo Fundo Monetário Internacional aos países dependentes e dos lucros gerados para as grandes corporações multinacionais.

Também desmascara a hipocrisia de donos de empresas como a Microsoft que doam milhões a instituições de caridade mas escravizam os povos com práticas monopolistas e de concentração de recursos.

Uma revelação importante do livro é o fato de tratar o golpe de Honduras como parte integrante de defender os interesses da “corporatocracia”, no caso representada por indústrias produtoras de bananas e outras frutas. Nas palavras do autor:

“Todas as pessoas com quem falei no Panamá estavam convencidas de que o golpe militar que derrubou o presidente democraticamente eleito de Honduras, Manuel Zelaya, foi arquitetado por duas companhias norte-americanas, com apoio da CIA. No começo daquele ano, a Chiquita Brands International, Inc. (ex-United Fruit) e a Dale Food Company, Inc., tinham criticado severamente o Presidente Zelaya por defender um aumento de 60% no salário mínimo de Honduras, alegando que a medida reduziria os lucros corporativos.


(…) O vice-presidente de um banco panamenho, que prefere continuar anônimo, me disse: ‘toda multinacional sabe que, se Honduras aumentar os salários, o resto da América Latina e do Caribe terá de acompanhar. Haiti e Honduras sempre estabeleceram o patamar para o salário mínimo. As grandes companhias estão determinadas a deter o que chamam de revolta esquerdista neste hemisfério. Derrubando Zelaya, estão enviando mensagens intimidadoras a outros presidentes que tentam elevar o padrão de vida de seus povos.


(…) A íntima relação entre os líderes do golpe militar de Honduras e a corporatocracia foi confirmada alguns dias depois da minha chegada ao Panamá. O Guardian inglês publicou uma matéria dizendo que ‘dois dos principais conselheiros do governo golpista hondurenho têm relações estreitas com o Secretário de Estado dos Estados Unidos.


(pp. 215-216)

Na segunda parte o autor elenca algumas formas de sairmos desta crise rumo a um mundo sustentável. Chama a atenção especialmente para o que ocorre na China. Em suas palavras, começa a haver consciência ambiental e a questão da disciplina freia o egoísmo e o materialismo.

Ressalta adicionalmente que nós, consumidores, temos poder de mudar estas práticas corporativas perniciosas, desde que livres das dívidas. Como exemplo, escreve que temos uma série de subprodutos de cereais como o milho absolutamente dispensáveis – flocos, com açúcar, sem, entre outros – enquanto um bilhão de pessoas no mundo lutam diariamente para se alimentar, sofrendo de inanição.

Mais uma vez, é um livro indispensável e que faz pensar. Devido às referências que faz no texto, a leitura anterior de “Confissões de Um Assassino Econômico” torna mais profundo o entendimento das questões tratadas, mas não chega a ser indispensável  – para este caso – a leitura do livro.

Na Travessa, custa R$ 31.