Nesta segunda-feira, a 19ª coluna da série Sambódromo em Trinta Atos, do jornalista esportivo Fred Sabino, nos leva de volta ao desfile de 2002, marcado pela vitória da Estação Primeira de Mangueira com apenas um décimo de vantagem sobre a Beija-Flor.

2002: Tensão até a última nota e festa verde e rosa

A fase pré-carnavalesca de 2002 foi marcada por muitas novidades. A começar pelo julgamento, que teve a alteração mais sensível em muitos anos: as notas poderiam ser fracionadas em todas as casas decimais e não apenas em meio ponto. O número de jurados também mudou, aumentando de 30 para 40. A alegação da Liesa foi a de tornar os resultados mais justos, já que, com mais jurados e sem descarte de notas, as distorções teoricamente seriam diminuídas.

Outra novidade foi o anúncio de que a iluminação do sambódromo seria customizada para cada escola, com canhões de luzes com as cores das agremiações. A ideia era valorizar a divisão cromática das escolas nos respectivos desfiles, mas temia-se por falhas técnicas pela variação no acendimento dos refletores – o que acabaria não acontecendo.

A tricampeã Imperatriz Leopoldinense da carnavalesca Rosa Magalhães escolheu mais um enredo de nome confuso: “Goytacazes…Tupy or not Tupy in a South American Way”, associando a história dos índios goytacazes de Campos com o manifesto antropofágico de Oswald de Andrade e o tropicalismo dos anos 60.

Duas grandes escolas contariam a história da aviação, mas prometiam diferentes óticas: a Beija-Flor enfocaria o desafio do homem em voar, e o Salgueiro mostraria mais o pioneirismo da aviação. Ambos os enredos eram patrocinados, respectivamente pelas companhias aéreas Varig e TAM.

A Mangueira escolheu um enredo sobre o Nordeste e tinha o melhor samba-enredo do ano. Já a Viradouro optou por um tema sobre a união dos povos do planeta e a Grande Rio contaria a história da colonização do Maranhão. A Mocidade prometia um desfile alegre sobre o circo, enquanto a Portela teria um enredo sobre a Amazônia, que já havia brindado a escola com um título em 1970.

O Império Serrano homenagearia o escritor Ariano Suassuna, a Unidos da Tijuca faria uma viagem pelos países de língua portuguesa e a Caprichosos tinha como enredo Porto Alegre. As outras três escolas do Grupo Especial tinham como tema regiões ou cidades do estado do Rio: Tradição (Região dos Lagos), Porto da Pedra (Petrópolis) e São Clemente (Guapimirim).

OS DESFILES

A simpática escola da Zona Sul desfilou, como de costume, com irreverência ao defender o enredo “Guapimirim – Paraíso ecológico abençoado pelo dedo de Deus”. O samba-enredo, por exemplo, tinha um engraçado verso “Aqui não tem racionamento de alegria” numa ironia aos problemas energéticos do Brasil em 2001.

Havia ainda uma crítica aos problemas do meio-ambiente do município homenageado. Mas foi um desfile, apesar de simpático, bastante irregular, já que as grandes alegorias não eram tão luxuosas e ainda apresentaram quebras, o que atrapalhou o conjunto.

Segunda a desfilar, a Caprichosos de Pilares também não apresentou um conjunto alegórico dos melhores na homenagem a Porto Alegre. Aliás, o enredo teoricamente homenageava a região da capital, mas foi mais abrangente em relação às tradições do estado do Rio Grande do Sul. As fantasias estavam melhores e valorizavam as cores da escola e suas nuances, além das cores vermelha, amarela e verde do estado.

Apesar da sempre competente atuação do cantor Jackson Martins, o samba-enredo não se mostrou dos mais populares pois era longuíssimo, mas os componentes mostraram muita garra e alegria durante o desfile.

tijuca2002A Unidos da Tijuca fez uma boa apresentação com o ótimo enredo “O sol brilha eternamente sobre o mundo de língua portuguesa”, que homenageava os países que falam o nosso conhecido idioma (o sexto mais falado no mundo) e a integração entre eles.

O desfile começou com uma excelente comissão de frente (foto): um dos integrantes representava Luís de Camões, que, com os demais componentes, pegava a primeira página de “Os Lusíadas” e a transformava num barquinho – a coreografia foi perfeita e simbolizava o navegar dessa embarcação.

Gostei do conjunto visual proposto pelo carnavalesco Milton Cunha. O carro abre-alas, por exemplo, apresentou as bandeiras de Brasil, Portugal, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Timor Leste, Guiné Bissau, Guiné Equatorial e Moçambique formando a cauda do pavão, símbolo da escola – havia 5 mil metros quadrados com espelhos. Mas o destaque em alegorias foi o multicolorido e enorme carro “Temperei com arte em Goa e Mercados de Macau”.

Multicoloridas também estavam as fantasias e ainda havia interessantes adereços de mão, que, em diversas alas coreografadas, renderam belo efeito. Os componentes cantaram com entusiasmo o ótimo samba defendido por Wantuir – por sinal, muito pertinentes os versos finais “Salve a luta do Timor/Pela liberdade de expressão“, já que aquele país vivia uma guerra civil na época.

Pena que a Tijuca teve sérios problemas de evolução e a escola estourou em dois minutos os 80 regulamentares, o que custaria de cara dois pontos preciosos na apuração. Mas a Azul e Amarelo deixou a Sapucaí ainda com a expectativa de torcer por uma vaga no sábado das campeãs.

Joãozinho Trinta voltou a chamar o dublê de astronauta Eric Scott, que encantou no desfile da Grande Rio em 2001, mas a Tricolor de Caxias não conseguiu um desfile tão quente assim com o enredo “Os papagaios amarelos nas terras encantadas do Maranhão”, sobre o período de colonização do estado nordestino.

Dizem as más línguas que foi uma, digamos, nova visita ao tema que ele mesmo escolheu para o Salgueiro em 1974 (“O Rei de França na Ilha da Assombração”). As mesmas más línguas também insinuaram que um enredo sobre o Maranhão era muito conveniente para a então pré-candidata à eleição presidencial de 2002 Roseana Sarney.

A história do enredo remetia ao século XVII, quando os franceses chegaram ao Maranhão após expedição marítima e causaram espanto aos índios da região, que não entendiam o que eles falavam – segundo lembrava a sinopse, os franceses ficaram conhecidos como papagaios amarelos. Em termos de acabamento das alegorias, o trabalho foi adequado, mas não se viu nada criativo o suficiente para chamar a atenção como em 2001. Já as fantasias estavam impecáveis e luxuosíssimas.

A bateria de Mestre Odilon como de costume teve uma cadência elogiável, mas o samba-enredo desta vez não agradou tanto. Isso se refletiu na harmonia das alas, que passaram empolgadas no começo e foram murchando, murchando… A evolução também não foi das melhores e diversos carros passaram muito velozmente pela pista. De qualquer forma, João 30 apresentou o enredo de forma bastante coerente. Em resumo, uma apresentação correta, mas sem impacto.

A Tradição defendeu na avenida o enredo “Os encantos da Terra do Sol”, sobre a Região dos Lagos, mas não esteve bem em praticamente nenhum quesito. Para começar, o samba-enredo não era dos melhores e as alas passaram sem grande empolgação. O conjunto visual também foi irregular – até que gostei do abre-alas com o condor dourado, mas as outras alegorias não agradaram tanto. Apenas achei correta a divisão cromática, que misturou tons amarelados e alaranjados ao azul e branco da escola.

Mas o desastre maior foi na evolução, severamente prejudicada pela quebra do segundo carro alegórico logo na virada para a Sapucaí – os integrantes da escola tiveram de serrar parte da alegoria para desbloquear a passagem. Evidentemente, grandes claros foram criados e isso refletiria também no quesito Harmonia – sem contar que a escola ficou parada por 20 minutos devido ao problema. Com apenas uma escola caindo, a Tradição até que poderia se salvar, mas até o fim das exibições das demais escolas o fantasma do rebaixamento era real.

salgueiro2002Sempre cercado de grande expectativa, o Salgueiro fez mais uma exibição de qualidade no primeiro desfile da noite sobre a aviação. O enredo “Asas de um sonho. Viajando com o Salgueiro, o orgulho de ser brasileiro”, do carnavalesco Mauro Quintaes, contou bem a história dos pioneiros na aviação e ainda homenageou o comandante Rolim Amaro (nome que alavancou a empresa aérea TAM, patrocinadora do enredo), morto meses antes.

O desfile começou com uma interessante comissão de frente que simbolizava a inspiração para o homem voar, ou seja, os pássaros. A fantasia era luxuosa, mas ficou a impressão de que isso dificultou a coreografia dos componentes, que retratavam voos.

O samba-enredo não era dos mais inspirados, mas foi bem cantado por Nêgo e a bateria do saudoso Mestre Louro imprimiu uma cadência sensacional (ganhou o Estandarte de Ouro de “O Globo”). Mas o público não se mostrou empolgado e os componentes também não cantaram com a vibração que se espera, até porque outra vez a escola estava com o exagerado contingente de 5.500 pessoas. Os desfilantes evoluíram o tempo todo com muita rapidez para passarem abaixo dos 80 minutos regulamentares e, se não deixaram buracos, acabaram não desfilando com entusiasmo.

As alegorias eram de boa concepção e acabamento, mas o elemento que mais me agradou foi justamente o que tinha uma coloração diferente em relação ao vermelho e branco do Salgueiro: o carro “Nas rotas do céu: Travessia do Atlântico”, todo em azul esverdeado, tinha uma enorme escultura de Netuno, que com seu sopro impulsionava um avião para vencer o trecho acima dos mares. Gostei também da alegoria “Odisseia Espacial”, com muitos efeitos em neon e o boxeador Acelino Popó Freitas, então campeão mundial dos supermédios.

A homenagem ao comandante Rolim aconteceu na última alegoria (foto), que tinha uma bem realizada escultura. O carro era precedido por uma interessante ala formada por sinalizadores de aeroportos. Foi uma apresentação bonita, a melhor até aquele momento, mas não ficou a sensação de que o Salgueiro brigaria com força pelo título, até porque muitas escolas consideradas fortes ainda passariam pela Sapucaí.

beijaflor2002bEngasgada com três vice-campeonatos consecutivos, a Beija-Flor entrou com força na avenida e fez mais uma boa apresentação com um tema parecido com o do Salgueiro, mas com outro viés. O enredo “O Brasil dá o ar da sua graça. De Ícaro a Ruben Berta, o ímpeto de voar” abordou o sonho do homem em voar, em que ele se inspirou para encarar este desafio e as realizações da aviação.

Antes do desfile, uma polêmica, como de costume com a Igreja Católica: a escola foi obrigada a retirar as imagens de São Jorge e Nossa Senhora Aparecida que pretendia colocar numa alegoria.

Minutos antes do amanhecer, a Beija-Flor começou sua apresentação com uma belíssima comissão de frente representando “o dom divino de voar”. As fantasias dos integrantes simbolizavam o beija-flor, tinham diferentes cores e, claro, asas (foto). A coreografia também foi muito feliz e rendeu ótimo efeito. Logo a seguir, numa solução interessante, desfilou o sempre impecável casal de mestre-sala e porta-bandeira Claudinho e Selminha Sorriso, e uma pequena ala.

O primeiro carro era multicolorido e enorme, com 40 metros de comprimento e dividido em duas partes acopladas, representando na primeira parte o sonho de voar e tinha animais pré-históricos como dinossauros. As esculturas em espuma facilitavam os movimentos articulados e integrantes da alegoria também simbolizavam voos com suas belas fantasias. A segunda parte era cheio de borboletas e muito bem realizada.

Gostei também do segundo carro, chamado “Mitologia das Asas: de Ícaro à Magia Oriental” , com excelente iluminação e esculturas muito bem realizadas e acabadas. Mas a alegoria “Leonardo da Vinci e o Renascimento Italiano”, que também era bonita ao mostrar cores mais suaves, tinha concepção muito parecida com a anterior, com uma grande escultura central e outras nas laterais, e o carro “Ruben Berta – o Pássaro do Progresso”, embora também bonita, parecia ter saído da mesma fôrma. Neste caso, faltaram soluções mais criativas, embora ambos os carros estivessem adequados ao enredo e fossem bem acabados.

beijaflor2002Mas infelizmente depois houve visíveis problemas no carro alegórico “Portas e Janelas se abrem para o Mundo”. A alegoria também era acoplada e na primeira parte tinha uma aeronave por cima de barracos (foto), enquanto na segunda havia duas esculturas de gorilas. Tanto o avião como os gorilas destoavam completamente do restante das alegorias, com danos nas esculturas e um visual que não era nada condizente com a grandeza histórica da Beija-Flor nos quesitos plásticos. Na teoria, o carro representava a popularização do avião como meio de transporte e os tais gorilas simbolizavam o continente africano (?!).

O carro “O Guerreiro Protetor da Lua” representava a corrida espacial, mas também destoou em relação aos primeiros elementos, pois era bem menor e tinha uma concepção pobre, com estruturas metalizadas cercando uma escultura (esta, ao contrário, belíssima e muito bem acabada) de um cavaleiro semelhante a São Jorge, protetor da Lua, satélite da Terra explorado pelos americanos entre os anos 60 e 70.

Se em alegorias a Beija-Flor esteve irregular, as fantasias estavam impecáveis de cabo a rabo e eram praticamente uma certeza de quatro notas dez, até porque proporcionaram uma belíssima divisão cromática, com muitas cores, mas tons que não pesavam. O samba contava bem o enredo e era muito agradável, e Neguinho mostrou a categoria de sempre na condução (ganhou o Estandarte de Ouro de melhor intérprete). Mas os filhos do lendário cantor, ainda muito jovens, não conseguiam acompanhar o pai nas notas mais agudas.

Gostei muito da bateria do Mestre Paulinho, com o naipe de frigideiras “falando” bem alto, uma cadência adequada ao samba. A escola também esteve perfeita no quesito Harmonia, mas nem tanto em Evolução, pois ainda no começo houve um grande buraco entre o bloco formado pela comissão de frente, o casal de mestre-sala e porta-bandeira e a primeira ala em relação ao primeiro carro alegórico.

A Beija-Flor fez sem dúvida o desfile mais quente do domingo e foi recebida na Apoteose com gritos de “campeã”. Mas, se a escola esteve impecável em parte dos quesitos, a clara irregularidade do conjunto de alegorias poderia custar a tão sonhada vitória. Em 2001, quando merecia ganhar tranquilamente o título mas não o levou, a Beija-Flor esteve bem superior em relação a 2002.

De volta ao Grupo Especial, a Unidos do Porto da Pedra homenageou Petrópolis com o enredo “Serra acima, rumo à Terra dos Coroados”, do jovem carnavalesco Cahê Rodrigues. Plasticamente a escola teve alguns bons momentos, como o pede passagem com um enorme e bem realizado tigre (símbolo da escola) com uma coroa, numa alusão ao título do enredo, e pelo abre-alas, que reproduzia o início de Petrópolis e os primeiros coroados, os índios.

O conjunto de fantasias foi correto e me agradou muito a dourada fantasia da ala 2002, o sonho do ouro. Esta ala precedia bonita alegoria chamada “O Eldorado das Minas Gerais”, pois quem ia para aquele estado em busca de riqueza passava por Petrópolis obrigatoriamente.

O samba era agradável e foi bem defendido por Preto Jóia, que voltava ao Rio depois de incursão em São Paulo na Acadêmicos do Tucuruvi. Como apenas uma escola cairia, a Porto da Pedra saiu da pista com boas expectativas de ao menos permanecer na elite, o que era uma vitória.

mangueira2002

A segunda escola a entrar na Sapucaí foi a Estação Primeira de Mangueira. O enredo “Brazil com Z é pra Cabra da Peste, Brasil com S, é nação do Nordeste” levou para a avenida a cultura nordestina e a Verde e Rosa fez uma apresentação arrebatadora, que credenciou a escola como favorita ao título.

Foi um desfile típico dos áureos tempos da Mangueira, com muita garra, valentia, samba no pé e, ao contrário de outros anos, em que tropeçou nos próprios erros, a escola se apresentou com correção nos quesitos. Além do mais, o conjunto visual não só contou bem o enredo como foi apresentado com criatividade e acabamento de qualidade.

mangueira2002fO samba-enredo, que já era tido como o melhor da safra de 2002, rendeu de forma estupenda, como sempre defendido com categoria pelo inesquecível Jamelão. A bateria de Mestre Russo imprimiu um veloz andamento ao samba, mas com muita firmeza e consistência do começo ao fim, com destaque para os desenhos de tamborins e a marcação seca e precisa do surdo um.

A comissão de frente comandada por Carlinhos de Jesus deu mais um show (foto maior acima), representando o casamento de Maria Bonita e Lampião, com direito a padre e cinco retirantes, que carregavam malas remendadas de onde saíam dançarinas vestidas de bonecas – estas, aliás, passaram por severa dieta na fase pré-carnavalesca e aulas de contorcionismo para poderem entrar nessas caixas com rodas que simbolizavam as valises. Em outra surpresa, quando a comissão se apresentava no meio da pista, um balão de gás com um cartaz escrito “paz” foi erguido quando uma das malas foi aberta.

mangueira2002cMax Lopes também surpreendeu o público nas alegorias. O abre-alas era quase todo branco (foto menor acima), com 47 cangaceiros da paz, que, montados em seus cavalos, agitavam bandeiras brancas com pombas prateadas desenhadas. O segundo carro (“O Forte”) representou as épocas de ocupações francesa e holandesa, e os “cabras da peste” que espantavam esses invasores. Gostei muito da alegoria “Folclore, o auto do povo”, sobre os diversos rituais da região, mesclando dourado, branco e rosa.

Mas sem dúvida o carro alegórico que mais empolgou foi o do arraiá (foto ao lado), com a inscrição “Mangueira traz pra Avenida o maior São João do Mundo”. Nesta alegoria, dezenas de pessoas dançavam quadrilha maravilhosamente fantasiadas, ladeadas por cercadinhos, bandeirinhas típicas e esculturas infantis de animais e árvores.

Outro carro que emocionou o público foi o de nome “A Retornança”, com Serginho do Pandeiro e os baluartes mangueirenses – estes, desfalcados de Dona Zica, que passara mal na véspera do desfile e estava no hospital. Havia na alegoria os típicos bonecos de madeira entalhada representados por belíssimas esculturas, com um ótimo jogo de luzes que as valorizavam.

mangueira2002eAs fantasias também estavam impecáveis e criativas, e Max Lopes utilizou diversos adereços de mão para simbolizar aspectos nordestinos como o boi bumbá, o maracatu, as sombrinhas do frevo, os bonecos de Olinda e as fitas do Senhor do Bomfim.

A Mangueira teve uma harmonia perfeita durante todo o desfile e o público se manteve aceso, cantando o samba. Sem descompassos de evolução, a Verde e Rosa chegou à Apoteose sob os gritos de “campeã” e certa de que brigaria com muita força pelo título.

imperio2002Em seguida, o Império Serrano se recuperou do problemático desfile do ano anterior (que quase custou um novo rebaixamento) com uma exibição que o colocou como forte candidato a uma vaga no Desfile das Campeãs. O enredo “Aclamação e coroação do Imperador da pedra do Reino: Ariano Suassuna” foi muito bem desenvolvido pelo carnavalesco Ernesto Nascimento, a despeito de a escola não ter a força econômica de outras.

A bela comissão de frente era formada pelos “brincantes”, personagens cômicos típicos presentes nas obras de Suassuna, com boa coreografia e exibições de cambalhota. Em seguida, a coroa imperial do abre-alas estava com muito brilho, além de ter boa iluminação. As demais alegorias também contavam bem o enredo e tinham bom acabamento, assim como as fantasias – Ariano Suassuna apenas pediu antes do desfile que as mulheres estivessem mais vestidas e a escola assim o fez.

O homenageado, cuja presença era uma incógnita devido ao fato de ele ser muito reservado, desfilou na última alegoria, chamada “Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino”, numa bela associação de Ariano como imperador de sua terra, o sertão, com o “Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, uma das principais obras do escritor. Este carro, diga-se de passagem, foi o destaque do Império nos quesitos visuais.

O samba-enredo era dos melhores do ano e foi bem cantado por Carlinhos da Paz, que teve o luxuoso auxílio de Quinzinho, lendário intérprete imperiano. A bateria dos mestres Macarrão e Átila esteve maravilhosamente cadenciada e com os agogôs se sobressaindo como de costume. Mesmo sem ter levantado o público, a não ser no momento em que Ariano Suassuna passou, o Império terminou seu desfile com boas expectativas para a apuração.

mocidade2002Uma das escolas mais fortes da época, a Mocidade Independente de Padre Miguel conquistou o público com uma brilhante apresentação e se credenciou como candidata ao título. O enredo “O Grande Circo Místico” levou para a Sapucaí as tradições circenses e seus palhaços e personagens típicos. A comissão de frente esteve muito criativa, com equilibristas em cima de monociclos, mas houve pequenos deslizes durante as evoluções.

Nos quesitos plásticos, Renato Lage, acompanhado pela esposa Márcia Lávia, fez mais um brilhante trabalho. Gostei muito do carro “Danger” (perigo, em inglês), que tinha um globo da morte e três motoqueiros se apresentando como num circo de verdade. Na mesma alegoria estava Beto Carrero, que foi bastante aplaudido.

mocidade2002bOutros personagens famosos ligados ao circo desfilaram, como o grande palhaço Carequinha e o ator Marcos Frota, que nos anos anteriores se tornara um entusiasta e divulgador dos circos. Não faltaram nos elementos alegóricos aspectos como o equilibrista e sua corda bamba, contorcionistas, picadeiros, palhaços. O casal de mestre-sala e porta-bandeira formado por Daniel e Verônica estava maravilhosamente vestido como colombina e pierrot. Aliás, em termos de fantasias a Mocidade esteve impecável.

O samba-enredo, que não estava entre os mais cotados na fase pré-carnavalesca, cresceu na voz de Wander Pires, de volta à escola depois de dois carnavais ausente. A bateria apresentou uma cadência espetacular, mas infelizmente um problema no sistema de som fez os ritmistas atravessarem e pararem de tocar por duas passadas do samba.

Nem esse contratempo diminuiu a empolgação dos componentes e o público, que no começo estava mais frio mas cantou com a escola da metade do cortejo em diante. Sem dúvida foi um dos melhores desfiles do ano, mas os problemas já citados com a bateria, além de pequenos descompassos na evolução e a presença de alguns estranhos em meio às alas, poderiam custar caro na briga pelo título.

imperatriz 2002bA tricampeã Imperatriz Leopoldinense chegou à concentração debaixo de desconfiança pelo contestado título de 2001. Em busca de se comunicar melhor com o público, a diretoria distribuiu prospectos com a letra do samba-enredo e bandeirinhas da escola ao público do setor 1. Mas o tiro saiu pela culatra e o público começou a atirar tudo de volta para a pista quando a escola estava armada para começar seu desfile – a comissão de frente correu para se esconder atrás do carro abre-alas. Veja mais no “Cantinho do Editor”.

A escola tinha o patrocínio do município de Campos, reduto eleitoral do então governador Anthony Garotinho, e recebeu R$ 1,8 milhão (cerca de R$ 3,5 milhões em valores atuais) para confeccionar o desfile. Mas a carnavalesca Rosa Magalhães, para frustração dos políticos locais, optou por não contar a história da cidade de forma linear, mas misturar os índios goytacazes, primeiros habitantes da região, com outros aspectos como o movimento antropofágico, o Modernismo e o Tropicalismo.

imperatriz2002Como de hábito, a Imperatriz passou de forma esplêndida no quesito Fantasia, mas os elementos alegóricos, embora também belíssimos, tinham pequenas falhas de acabamento. O samba contava bem o enredo e tinha uma levada mais “pra cima” em relação aos anteriores, graças também à bela atuação de Paulinho Mocidade e companheiros do carro de som. Os componentes cantaram com entusiasmo, mas o público não respondeu da mesma forma e acompanhou a passagem da escola de forma fria.

A bateria de Mestre Beto esteve impecável, mesmo com um andamento veloz, mas com ótimas viradas e convenções. Mas, embora tenha passado corretamente, com bom desempenho na maioria dos quesitos, a Imperatriz teve falhas de evolução devido a problemas com uma das alegorias – depois o presidente Wagner Araújo admitiria que chegou à apuração já pessimista devido a esses problemas. E, fato, outras escolas tiveram apresentações mais empolgantes. De qualquer forma, a Imperatriz tinha como certa a presença no Desfile das Campeãs.

viradouro2002Penúltima escola a desfilar, a Unidos do Viradouro entrou na avenida com o enredo “Viradouro, Vira Mundo, Rei do mundo”. Segundo o carnavalesco Chiquinho Spinoza explicava, o Rei Momo seria o mestre de cerimônias para a união de todos os povos do planeta, e que o enredo ganhava ainda mais importância depois dos ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001.

A Viradouro teve uma apresentação animada graças à extraordinária atuação da bateria de Mestre Ciça, que fez as paradinhas de sempre e uma bela coreografia com lenços brancos pedindo paz. Além disso, como dizia um trecho do samba, a bateria foi “na onda do afoxé”. O samba, que não era tão cotado, rendeu bem na avenida com uma segura condução de Dominguinhos, e os componentes estavam muito empolgados.

No entanto, o enredo acabou sendo passado de forma um tanto confusa (apesar de o conjunto visual da escola ter sido de bom gosto e acabamento) e ficou um gostinho de quero mais. Foi uma apresentação simpática, mas que levaria a Vermelho e Branco de Niterói, com boa vontade, apenas ao Desfile das Campeãs.

portela2002A Portela encerrou os desfiles de 2002 com uma exibição que remeteu aos grandes momentos da escola. O carnavalesco Alexandre Louzada acertou a mão ao conceber o enredo “Amazonas, esse desconhecido. Delírios e verdades do Eldorado Verde”. A comissão de frente representava o conquistador espanhol Francisco Arellana e sua equipe, que vinham do Peru após terem descoberto muito ouro e chegaram à Amazônia pelo Rio Solimões em busca de mais riquezas.

A águia, elaborada por artistas do boi bumbá de Parintins, esteve simplesmente espetacular (foto), com fantástico acabamento e diversos movimentos – as asas batendo tinham um realismo impressionante. As garras seguravam um “queijo” com a destaque Benoliel, de apenas 17 anos (ela havia se destacado no Festival de Parintins em 2001) e fantasiada de índia. O carro “Manôa – a visão do Eldorado” também era imponente pelas enormes serpentes (as protetoras do Rio Amazonas) com movimentos que as faziam chegar até os camarotes.

Outra criativa alegoria foi a que representava a Zona Franca de Manaus, com diversos movimentos e decorado com milhares de CDs misturados a animais da fauna amazônica. As fantasias também estavam perfeitamente adequadas ao enredo e eram leves, o que facilitava muito a evolução dos componentes. Gostei muito da coreografada ala da comunidade, que simbolizava o encontro entre as águas dos rios Negro e Solimões.

O samba-enredo composto pelo lendário David Corrêa funcionou a contento e o velho compositor cantou ao lado de Gera. A Tabajara do Samba também brilhou com a firmeza de costume e uma cadência, apesar de não tão lenta como as das baterias de Império Serrano e Mocidade, extremamente agradável.

A escola, ao contrário de outros anos, desfilou bem mais enxuta, com 3.500 componentes. Mesmo assim, apesar da empolgação dos componentes, houve pequenos descompassos de evolução e harmonia, o que poderia render a perda de décimos preciosos na apuração.

Outro momento de grande emoção foi quando passou a velha guarda, com Paulinho da Viola de mão dada a Dodô, primeira porta-bandeira da história da Portela. A Azul e Branco deixou a pista com a certeza de que fez seu melhor desfile desde 1998 e era candidatíssima às primeiras colocações.

REPERCUSSÃO E APURAÇÃO

A Mangueira foi considerada a favorita ao campeonato depois dos desfiles, e arrebatou três prêmios do Estandarte de Ouro, de “O Globo”: melhor escola, melhor samba-enredo e revelação (Reinaldo). Além da Verde e Rosa, estavam cotadas para os primeiros lugares Mocidade, Portela, Imperatriz e Beija-Flor.

A apuração teve liderança da Mangueira do começo ao fim, mas sempre com a Beija-Flor no encalço. A Azul e Branco tirou um 9,9 em Fantasias e um 9,5 em Alegorias e Adereços (deveria ter perdido mais neste quesito, pelos problemas já citados), enquanto a Estação Primeira, que passou com pontuação máxima pelos três primeiros quesitos (Mestre-Sala e Porta-Bandeira, Comissão de Frente e Fantasias), também foi despontuada em Alegorias e Adereços, com um 9,7 que deu esperanças à comunidade nilopolitana.

A vantagem da Mangueira caiu para 0,2 depois de um 9,9 em Evolução (sétimo quesito) e a diferença se manteve até as notas de Bateria (último quesito), já que ambas as escolas não foram despontuadas por nenhum jurado em Harmonia e Samba-Enredo.

A tensão continuou até a última nota: o jurado Mário Jorge Bruno deu 10 para a Beija-Flor e 9,9 para a Mangueira mas a Verde e Rosa assegurou seu 18º campeonato por apenas 0,1 (399,5 contra 399,4) – se a Mangueira tivesse tirado 9,8, a Beija-Flor teria sido a campeã no desempate.

A Imperatriz terminou em terceiro, seguida por Mocidade, Viradouro (surpreendentemente) e Salgueiro. As duas escolas de Madureira chiaram bastante, pois Portela e Império Serrano ficaram em injustos oitavo e nono lugares – ambas deveriam ter conseguido vagas no Desfile das Campeãs. A São Clemente acabou na última colocação e foi a única rebaixada, enquanto a Tradição mais uma vez escapou do descenso.

RESULTADO FINAL

POS. ESCOLA PONTOS
Estação Primeira de Mangueira 399,5
Beija-Flor de Nilópolis 399,4
Imperatriz Leopoldinense 396,1
Mocidade Independente de Padre Miguel 395
Unidos do Viradouro 394,1
Acadêmicos do Salgueiro 392,9
Acadêmicos do Grande Rio 391
Portela 388,9
Império Serrano 384,7
10º Unidos da Tijuca 380.8
11º Unidos do Porto da Pedra 378,9
12º Caprichosos de Pilares 368,4
13º Tradição 361,6
14º São Clemente 356,2 (rebaixada)

Terminada a apuração, torcida e diretoria da Mangueira fizeram uma grande festa, enquanto a Beija-Flor chorou mais um vice-campeonato. Nos dois lados, duas frases inspiradas no futebol: Jamelão relembrou aos berros o célebre desabafo de Zagallo na final da Copa Américade 1997: “Vocês vão ter de me engolir!”, enquanto Laíla associou o momento vivido pela Deusa da Passarela ao que passava na época o clube do coração: “É síndrome de vascaíno…” Mal sabia o diretor da Beija-Flor que a agremiação ganharia sete dos 13 campeonatos seguintes…

Já em Madureira a revolta foi grande e a diretoria da Portela organizou um protesto que teve o apoio do Império Serrano. No ato, os participantes fizeram o enterro simbólico dos jurados que deram 8,0 e 8,1 em Harmonia para a Majestade do Samba – diga-se de passagem, foram duas notas exageradas, apesar das pequenas falhas no quesito.

No Acesso, Unidos de Vila Isabel e Paraíso do Tuiuti fizeram os desfiles mais elogiados do ano, respectivamente com uma homenagem ao ex-jogador Nilton Santos e ao falecido carnavalesco Arlindo Rodrigues.

Mas, em uma apuração polêmica, a Azul e Branco acabou derrotada por apenas 0,1 pela Acadêmicos de Santa Cruz, cujo enredo era sobre o papel, enquanto o Tuiuti ficou em quarto. No primeiro ano em que apenas uma escola subiria para o Grupo Especial, foi um vice-campeonato doído para a Vila.

No Grupo de Acesso B, a Acadêmicos do Cubango conquistou o campeonato 0,3 ponto à frente da vice-campeã Inocentes da Baixada – ambas as agremiações subiram para o Acesso A.

CURIOSIDADES

– Maria Beltrão foi escalada pela TV Globo para substituir Glória Maria e ancorar a transmissão dos desfiles do Grupo Especial ao lado de Cleber Machado. Ela ficou na função até o Carnaval de 2009.

– Na fase pré-carnavalesca, a Globo realizou no RJ TV um concurso para escolher a melhor passista mirim. Ganhou Raíssa, da Beija-Flor, que se tornou a mais jovem rainha de bateria da história, com apenas 11 anos. Anos mais tarde, ela encantaria o Rei Roberto Carlos. Até hoje ela desfila como rainha dos ritmistas.

– A CNT passou a transmitir regularmente os desfiles do Grupo de Acesso A e adotou um slogan que fez sucesso entre os telespectadores: “Carnaval do Povão”.

– Foi o último título da Mangueira até hoje, mas definitivamente a última vez em que Jamelão foi campeão com a Verde e Rosa. De 1949 até 2006 como voz da Estação Primeira, o intérprete fez parte de 14 campeonatos da Estação Primeira (1949, 1950, 1954, 1960, 1961, 1967, 1968, 1973, 1984, 1984 supercampeonato, 1986, 1987, 1998 e 2002).

– David Corrêa conquistou sua sétima e última vitória na eliminatória de samba da Portela, superando Candeia e Waldir 59. O compositor (com seus parceiros) venceu em 1973, 1975, 1979, 1980, 1981, 1982 e 2002. Ele ainda ganhou em outras agremiações da elite do Carnaval, como Salgueiro (1984), Vila Isabel (1985 e 1986), Imperatriz (1988), Mangueira (1994) e Estácio de Sá (1995).

– Quinho fez seu segundo e último desfile como cantor da Grande Rio. No ano seguinte, ele voltaria para o Salgueiro, onde ficou até 2014. Levando em conta as duas passagens pela Vermelho e Branco, o intérprete completou 20 carnavais como voz principal da escola. O único cantor na ativa que tem mais desfiles pela mesma agremiação é Neguinho da Beija-Flor (39).

– O município de Campos ameaçou processar a Imperatriz Leopoldinense, alegando que a escola não cumpriu o que prometera em contrato, ou seja, mostrar as belezas da cidade. Rosa Magalhães à época teria afirmado que a opção por abordar os índios goytacazes foi porque Campos não teria grandes riquezas a serem mostradas.

– Logo no primeiro ano das notas atribuídas em casas decimais, a diferença foi de apenas 0,1 entre Mangueira e Beija-Flor. Só em outras duas ocasiões, a apuração foi tão ou mais apertada: em 2005 a Beija-Flor derrotou a Unidos da Tijuca também por 0,1, e em 2006 Vila Isabel e Grande Rio somaram a mesma pontuação, mas a escola do bairro de Noel Rosa foi campeã no desempate em samba-enredo e também porque a escola de Caxias perdeu 0,2 em cronometragem.

– A BMG apresentou uma novidade no CD de sambas-enredo de 2002. Além das obras daquele ano, um outro CD tinha sambas históricos remasterizados de cada uma das 14 agremiações. Mas, como a gravadora só havia produzido os discos/CDs das escolas de 1986 para a frente, apenas sambas desses anos foram escolhidos. Os destaques foram: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós” (Imperatriz-1989), “100 anos de liberdade, realidade ou ilusão” (Mangueira-1988), “Peguei um Ita no Norte” (Salgueiro-1993), “Gosto que me enrosco” (Portela-1995) e “E verás que um filho teu não foge à luta” (Império Serrano-1996).

CANTINHO DO EDITOR – por Pedro Migão

Foi o primeiro ano no qual a Portela teve alas de comunidade, em resposta ao desfile frio do ano anterior. Se eu não me engano eram seis alas, no início de um trabalho que levaria a escola a ter apenas seis alas comerciais para o ano de 2014. Inclusive desfilei em uma destas alas, que vinha à frente do carro sobre o teatro Amazonas. O enredo era patrocinado pelo governo daquele estado.

Eram tempos menos exigentes: me lembro que ensaiamos na quadra uma meia dúzia de vezes e mais uma na Marquês de Sapucaí, em outra que era uma das novidades daquele ano: os ensaios técnicos antes do desfile. Quanto ao desfile, não há muito o que se dizer além de lembrar que o samba funcionou muito bem e que o resultado foi inacreditável – e este desastre se refletiria diretamente no 2003 portelense.

Além da Portela, desfilei na Unidos da Ponte, Estandarte de Ouro de melhor samba do Grupo de Acesso. Aliás, estandarte em questão que foi quebrado posteriormente em uma briga entre os parceiros, oriundos da União da Ilha.

Assisti ao Grupo de Acesso nas frisas do Setor 3 – embaixo de chuva – e ao desfile de segunda feira no Setor 1.

Sobre as vaias à Imperatriz, relato da testemunha ocular dos fatos – eu, no caso:

“Os diretores da escola começaram a distribuir prospectos com a letra do samba e fardos com bandeiras da escola para as pessoas que assistiam neste setor – um dos únicos onde a presença era majoritariamente de cariocas. Em uma reação espontânea, os prospectos e as bandeiras começaram a ser jogados de volta à pista, além de latas de cerveja e refrigerantes, muitas cheias, em direção aos componentes.

A comissão de frente da escola, com medo dos objetos que voavam em direção à pista correu para se esconder atrás do carro abre-alas. Foi a senha: aumentou a quantidade de bandeiras, prospectos, latas e garrafas atiradas, bem como as vaias e os gritos se intensificaram. A arquibancada vaiava alucinadamente a escola na Armação e gritava em coro:

“Ão ão ão, escola de ladrão!” “Ão ão ão, bando de ladrão!”

As pessoas faziam com as mãos aquele gesto típico indicando roubo, do polegar girando na palma da outra mão. Precisou o filho do patrono da escola ir ao microfone e, no sistema de som, pedir calma às pessoas dizendo que “o desfile é pra vocês”. Mais vaias… Aliás, naquele ano a escola foi vaiada antes mesmo do início da noite de desfiles, quando seu nome foi anunciado no sistema de som do Sambódromo.

O público só se acalmou quando o samba do ano começou a ser tocado. De minha parte posso testemunhar que estava no Setor 1 e foi absolutamente espontâneo o movimento das pessoas. Era como se dissessem: “na cara dura de novo, não”.

A se lamentar, também, o vexame dado pela bateria da Mocidade, que ficou parada, sem tocar, duas passadas em frente ao jurado do primeiro módulo depois de uma violenta atravessada. Qual foi a nota? Dez.

Aliás, fora o título da Mangueira, o resultado do Grupo Especial a meu ver não expressou muito do que se viu na avenida aquele ano.

O resultado do Acesso também foi polêmico. A Vila Isabel teve 10 em tudo, à exceção de uma nota 9,3 – exatamente o necessário para dar o título à Santa Cruz. Embora a investigação policial (como sempre) não tenha dado em nada, há fortes suspeitas que esta nota em questão foi adulterada entre o desfile e a apuração. Enfim, lendas de desfiles – e no ano seguinte seria pior.

A meu juízo, o melhor desfile daquele grupo, cuja noite foi muito prejudicada pela chuva, foi o do Paraíso do Tuiuti homenageando o grande Arlindo Rodrigues – apesar do problema com a roupa da porta bandeira.

A União da Ilha salvou um terceiro lugar muito pelo nome da escola, pois fez um desfile cheio de problemas devido à falta de recursos – com direito a baianas sem chapéus. O presidente não apareceu na apuração, com medo de ficar atrás do Boi da Ilha no resultado final – o que não se confirmaria.

Considero este desfile do Império Serrano (que acompanhei muito de perto) como o “canto do cisne” do carnavalesco Ernesto do Nascimento, que faleceria em 2004. Ariano Suassuna não topou uma “homenagem direta”, sendo encontrada a solução de trazer o romance que dá título ao enredo – e o escritor como o Imperador. Ernesto do Nascimento tem outra contribuição inestimável ao carnaval carioca: foi ele o descobridor do grande Fernando Pinto.

O sistema de pares para o sorteio da ordem de desfile passou a ser adotado em 2003 após o desfile de segunda feira em 2002 ter ficado muito mais forte em termos de atração ao público que domingo – a ponto de ter sobrado ingresso para o primeiro dia de desfile.

2002 também marca a primeira vez em que Portela e Mangueira desfilaram no mesmo dia desde que o Grupo Especial passou a ser realizado em dois dias. Tal fato se repetiria em 2004, 2006, 2008, 2009 e 2011 – em 2004 e 2009 as duas desfilaram sequencialmente, em 2004 a Mangueira primeiro e em 2009 o inverso.

O “Viramundo” do enredo da Viradouro, na verdade, era o orixá Exu. Mas o próprio enredo não assumiu isso de forma clara, de forma que acabou ficando tudo muito confuso.

Links

O desfile campeão da Mangueira em 2002

A apresentação que deu mais um vice à Beija-Flor

A bela exibição da Mocidade Independente

O injustiçado desfile da Portela

Fotos: Liesa e O Globo

47 Replies to “Sambódromo em 30 Atos – “2002: Tensão até a última nota e festa verde e rosa””

  1. Excelente como sempre. Toda hora vejo o vídeo da apuração e sempre dou risada com a apreensão do Ivo Meirelles, que comentava na Globo. Impagável, mesmo, porém, é o Laíla e a “síndrome de vascaíno”.
    Agora, como é que é a história do Estandarte de Ouro da Unidos da Ponte? Os caras quebraram mesmo?

    1. Isso mesmo, os caras beberam além da conta, saíram na porrada e o estandarte foi quebrado na cabeça de um dos parceiros

      1. Beberam além da conta não. Brigaram por vaidade, Pardal e Gugu das Candongas pra ver quem ficaria com o prêmio e o Pardal decidiu que ninguém ficaria quebrando

  2. A TITULO DE CURIOSIDADE: EM 2002 EU ESTAVA NA QUADRA DA BEIJA FLOR ASSISTINDO A APURAÇÃO…ANSIEDADE A MIL , JA VINHAMOS DE 3 VICES. NA PENULTIMA NOTA A DIFERENÇA ERA DE 0.2. MANGUEIRA NA FRENTE, BEIJA FLOR EM 2º. TODA A TORCIDA SAIU DA QUADRA, TODOS TRISTES…MAS QUANDO O JURADO LEU A ULTIMA NOTA DA MANGUEIRA (9,9) TODOS VOLTAMOS PRA QUADRA , TEVE FOGOS, ERA SO FELICIDADE…TUDO ISSO DUROU UNS 5 SEGUNDOS…E DESCOBRIMOS QUE A MANGUEIRA GANHOU POR APENAS 1 DECIMO…..

  3. Para 2002 o enredo da Mangueira seria sobre Ariano Suassuna e o enredo patrocinado do Salgueiro seria da Mocidade. Acabaram desistindo.

    1. Anderson, quem procurou o Suassuna primeiro foi o Império Serrano, na figura do seu carnavalesco – que também era pernambucano

  4. Tenho dó da Unidos da Tijuca esse ano. Na minha humilde opinião, era desfile pra ficar em 3º, 4º lugar… achei a escola linda, o melhor trabalho plástico do Milton Cunha (minha opinião), enredo maravilhoso, samba muito bom, comissão fantástica, casal nota 10 (ano que Lucinha Nobre estreou na Tijuca, ainda dançando com Rogerinho). Ou seja, a Tijuca já se estruturava para dar uma guinada em sua história. Eu adorei o desfile, uma pena os problemas e o estouro do tempo.

    Grande Rio concordo plenamente: as fantasias realmente eram muito lindas, mas os carros eram esquisitos… aquele da Nhá Jança foi o ápice do mal gosto. Lembrando que a Susana Vieira, uma das baluartes da escola (rsrs), veio na comissão de frente, comissão essa que não fazia nada, por sinal.

    Salgueiro achei sem Sal rsrs, se ficasse fora das Campeãs também não ia fazer falta.

    Sobre a Beija-Flor, eu gostei da escola. Visualmente, até este setor do carro que representava a aviação comercial, a escola estava lindíssima. Os últimos setores realmente deixaram a desejar. Mas gostei do desfile da escola, e ela sabe defender os quesitos com maestria. Achei o vice-campeonato justo, pois realmente a Mangueira foi melhor.

    Viradouro também não deveria ter voltado, é a minha escola, mas realmente não foi dos melhores desfiles. Nem concordo quando você disse do visual da escola… estava muito inferior a outras escolas de 2002. Merecia ficar de 8º pra baixo.

    E sobre a Imperatriz, eu particularmente não curti o desfile. Não gostei do enredo, não gostei do samba, não gostei da comissão de frente, maioria das alegorias também aquém do esperado… enfim, a mim não agradou.

    As melhores pra mim: Mangueira, Beija-Flor, Mocidade e Portela.
    Salgueiro, Imperatriz e Império Serrano disputariam as duas vagas restantes. A Tijuca entraria fácil entre as melhores, mas os problemas acabaram com as chances dela. Isso naquela época, pois hoje em dia as escolas estouram o tempo e ainda voltam nas Campeãs, quase são campeãs…

    1. Valeu pelos comentários, principalmente o último parágrafo. Realmente essa mudança em relação à despontuação por cronometragem causou alterações em algumas classificações. ABS!

  5. O nome da destaque que veio nas garras da águia é Jeane Benoliel. Ela era a Cunhã Poranga do Boi Caprichoso. Tinha iniciado nessa função em 2001 e ficou até 2004.

    Abraços!

  6. Nesse ano meu parceiro Arerê chegou pro Neguinho logo após a apuração e disse “Aê Neguinho!!” Neguinho acenou com sorriso sem graça e o Arerê completou “Vice de novo!!”

    1. Coitado do Neguinho rsrs Tive a oportunidade de conhecê-lo em 2006 numa gravação da extinta Rádio LANCE! e ele foi extremamente simpático e atencioso com todos. Se bobear, até deve ter rido da brincadeira depois rsrs

  7. Pra mim, essa CF da Tijuca é a melhor do Século até agora, nada de ilusionismo, nada de truques de mágica, apenas criatividade!
    A CF da Grande Rio era uma “reedição” da CF do Salgueiro de 74… Ou seja, Grande Rio 2002 era realmente uma reedição de td no Salgueiro 74, menos em Samba, onde perdeu muito rs
    Tradição terrível, merecia cair…
    Discordo que o Samba do Salgueiro tenha rendido bem, Nego gritava em certos momentos…
    Uma outra crítica à Beija-Flor é em relação ao premiadíssimo Casal, onde o Claudinho imitava pássaros, numa mulecagem danada para uma dança clássica…
    O Enredo da Viradouro tinha que se desenrolar mto pra ser chamado de confuso rs
    E Portela merecia o 5º lugar, no mínimo!

  8. E sobre a minha Mocidade: Me fez chorar!
    Um mês antes do Desfile, o filho do Renato Lage havia morrido num acidente de carro (Renato recebeu a notícia quando voltava de um ensaio da Escola na Sapucaí e estava muito contente com o que tinha assistido)… Luto na Mocidade, mas como no Circo (o enredo da Escola), o show não podia parar e na Avenida a Escola arrasou! Diante td isso, no final, com a arquibancada inteira cantando “É Campeã”, não deu pra segurar a emoção! E foi a última vez que desfilamos pra brigar pelo Título, embora eu ache que em 2003 foi mto bem tb!

  9. Eu tinha 4 pra 5 anos e assisti aquela apuração, me lembrava q a Mangueira tinha vencido com um 9,9. Na transmissão, antes da leitura das últimas notas, o Marcio Gomes perguntou “que suspense hein Ivo Meirelles?” 10 segundos depois o Márcio mandou “o Ivo nem consegue falar” como ele ia falar se tava vendo a escola do coração sendo campeã? Um dos poucos carnavais mais emocionantes que já vi. Sobre o Grupo de Acesso, umas das apurações mais polêmicas, dizem q as notas foram trocadas ou manipuladas. Mas foi uma pena a Vila ter desistido de brigar na justiça por uma vaga no especial (Assim como a própria Santa Cruz fez 10 anos antes) mas, se comparar esse resultado do acesso em 2002 com o do ano seguinte…

    1. Se a Vila fizesse o que a Santa Cruz fez em 92 ela ia cair, pois além de abrir os desfiles, cairiam duas escolas… de que ia adiantar??

    2. Bem lembrado sobre a briga judicial entre a Vila e a Santa Cruz. Fizeram um acordo depois e a Santa Cruz repassou 400 mil em valores da época para a Vila Isabel da subvenção de 2003

  10. Uma cena impagável que me lembro é na arrancada da Tradição: o Roger Flores, na época jogador do Fluminense, apareceu no carro de som da escola e começou a cantar o samba junto com os intérpretes. E o microfone da Globo captava só a voz dele. Os diretores de harmonia se desesperaram e correram com o Roger dali. Hilário!

      1. Teve sim!! Fora que ele estava manguaçado, isso sim!!

        Aliás, injusto falarem do Celino Dias. Ele é um baita intérprete, mas na escola de Campinho, só cantou porcarias em 2002 e, principalmente, 2003!!

  11. Título merecido pelo desfile. Particularmente, eu gosto mais do samba da BF do que o da verde e rosa.

    E que saudades de ver a Mocidade metendo medo nas co-irmãs… tínhamos que ser vices neste ano!! Emocionante!!!

  12. Ão, ão, ão, escola de ladrão. Eu lembro disso e vibrava a cada bandeirinha arremessada. Assisti os desfiles com a minha irmã (ela é Beija-Flor doente) e foi impagável ver o desespero de todos tentando amenizar o problema.

    Se não me falhe a memória, a Globo até botou um comercial enquanto a chuva de objetos não parava!

    1. eu estava no Setor 1. O que voou de latinha cheia e até garrafas em direção à pista foi uma festa… Milagre não ter machucado alguém

      p.s. – a Globo mostrou as vaias à escola? Não sabia disso

  13. Eu assisti o desfile das cadeiras do setor 6 (atual 12). A Sapucaí inteira vaiou a Imperatriz, inclusive eu e meus amigos! O desfile além de tudo foi chato. Quando acabou o desfile, os setores 6 e 13 intensificaram as vaias, foi algo que jamais havia visto. Sobre o sistema de pares, em 2003 também a noite de segunda foi mais forte com Mangueira, Beija Flor, Imperatriz e Mocidade que naquela época eram habitués do desfile das campeãs.

  14. Ah, sobre a Vila, pelo que me lembro a Jurada confessou que trocou as notas, mas sem querer, diz ela… Ela deu um 9,3 pra Vila e 10 pra Ilha, sendo que no caderno de justificativas, criticava a Escola insulana e elogiava a Escola do Boulervard…
    Pelo que me lembro da época, não cabia recurso pq era como vestibular: Vale o que foi dado no papel oficial (ou seja, onde dava as notas) e não no papel das justificativas… O que é sempre ruim, mas tava dentro do regulamento… Pelo menos li isso na época…
    Lembro que em 2004 alguém da Vila disse no Programa do Sem Censura que preferiu não entrar na justiça (ou seja, eles sabiam que poderia ser pior, então deixaram passar).

  15. Interessante as alusões a “Paz”, talvez em resposta ao 11/09 do ano anterior.

    E ao falar da Tijuca chamou a de “a Azul e Branco”.

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