Acordei e abri a cortina. As árvores, já há muito sem folhas, tinham gelo acumulado em seus galhos. Uma fina camada de neve cobria as calçadas. Uma temperatura a desencorajar a corrida matinal e dando o clima, literalmente, de dias sombrios e tristes.

Estar longe de casa é sofrer à distância em diversos aspectos. E a sequência de noticias vindas de Terra Brasilis é terrível. É lama, deslizamento, incêndio, vidas perdidas, ou melhor, vidas roubadas. Descaso, negligência, irresponsabilidade.

Se algumas tragédias anunciadas se repetem, como num trágico filme repetido, esse mês de fevereiro gelado é também uma lembrança de que será um ano muito, mas muito diferente outros aspectos. Pessoalmente, inédito.

Pela primeira vez na vida (ou, na verdade, desde que tenho consciência dos carnavais, algo que se deu lá pelos 5, 6 anos de idade) passarei a folia fora da minha cidade. É de congelar a alma. Mas, por outro lado, dá a chance de buscar um novo ponto de vista, uma nova forma de acompanhar, de avaliar. Além da chance de assistir ao desfile pela tv durante o dia…

Tóquio é uma metrópole onde se acha de tudo. E isso não é força de expressão. São quase quarenta milhões de pessoas no conglomerado urbano, que compreende outros municípios que são, de modo geral, chamados de Tóquio também. Restaurantes, museus, parques, até desfile de escola de samba existe por aqui. E, num outro dia, contarei a minha experiência ao acompanhar ensaios e os desfiles em si no verão passado. As apresentações na “Sapucaí” japonesa, no tradicional bairro de Asakusa, acontecem em agosto.

De longe é possível (tentar) entrar no clima. Ouvir os sambas do Grupo Especial e Série A sem parar, assistir aos ensaios técnicos (salve a volta deles!) pela internet, lendo, trocando mensagens com os amigos, fingindo que lágrimas não rolarão quando a Unidos da Ponte abrir a sexta-feira de carnaval – para mim sábado de manhã – daqui a algumas semanas.

E é justamente sobre a querida “segundona do samba” que pesa a expectativa de uma apresentação cercada de enormes dificuldades financeiras e logísticas. Muitas escolas, a maioria, com condições abaixo da crítica de preparar seus carnavais.

O que, ano após ano, é agravado depois dos “imprevisíveis” temporais de verão, a eterna promessa de uma Cidade do Samba 2 nunca cumprida, a redução que parece ser anual dos repasses da Prefeitura (na contramão dos aumentos do IPTU…). O retrato do contra tudo e contra todos.

O jeito, mais uma vez, é apostar na criatividade, nas boas histórias a contar, nos quesitos de chão, na trilha sonora. Não farei aqui uma análise individualizada da safra. Nem dos enredos. Este ano, obviamente pela distância, não visitei nenhum barracão, não frequentei nenhum ensaio. Gostaria apenas de compartilhar com os amigos e leitores expectativas e impressões sobre os dois dias que abrem a nossa maior festa popular. E, num próximo texto, fazer o mesmo com o Grupo Especial.

Tem sido notória a diferença entre os desfiles de sexta-feira e sábado na Série A. Desde que o modelo foi adotado, em 2013, NENHUMA campeã saiu do primeiro dia! Esse desequilíbrio pode ser alterado em 2019. Especialmente quando vemos a Unidos de Padre Miguel, uma das grandes forças do grupo, se apresentando na sexta. Mas não só pela UPM.

A abertura do Carnaval já tem, no mínimo, muita forca espiritual. Enredos de valorização da cultura afro-brasileira, seja pelo viés da religião, seja pela pegada mais política e crítica. Teremos, então, a volta da tradicional Unidos da Ponte à Sapucaí, seguida por Alegria da Zona Sul e Rocinha. A Ponte com relatos de estar com trabalho de fantasias bem adiantado e se preparando para passar longe de uma ameaça de retorno à Série B. A Alegria enfrentando muitas dificuldades mas sempre aguerrida e vinda de um carnaval onde não precisou contar décimo a décimo para sacramentar a permanência na Passarela do Samba. A Rocinha, ao contrário, teve um 2018 bem acidentado e quer dar a volta por cima, já que vinha num viés de alta nos últimos anos.

Na sequência, ainda com a negritude em alta e um samba belíssimo, a Santa Cruz buscando o mesmo. Voltar a figurar entre as favoritas do grupo. A escola que só cumpriu tabela nos carnavais recentes (acima) vem com boas credenciais e um lindo enredo sobre Ruth de Souza. Tudo para ser o melhor desfile da verde e branco em muito tempo.

Sobre a Unidos é chover no molhado falar de favoritismo, espetáculo, grandes exibições. Novamente tem tudo para brigar lá em cima. Incluindo aí um grande enredo e um grande samba.

A Inocentes de Belford Roxo é outra agremiação que vinha fazendo parte daquela turma da marola, numa “zona de Sul Americana”, em analogia com o Brasileirão. Mas em 2018 deu uma guinada. Brigou lá em cima e se recolocou entre as cotadas. Tem um samba que desagrada a alguns. Mas não a mim. Gosto a cada dia mais. O enredo é mais um precioso trabalho de pesquisa de seu jovem e talentoso carnavalesco. Tenho ótimas expectativas para esse desfile.

A sexta será fechada por uma escola que considero uma incógnita. A Sossego não caiu no ano passado porque o rebaixamento foi cancelado. Não é uma agremiação de grande contingente ou tradição no carnaval do Rio. E terá o gigantesco desafio de fechar uma noite. Com um samba e com um enredo que, na minha modesta opinião, estão abaixo do que apresentou em 2018. Temo que seja muita areia para o caminhão da azul e branco do Largo da Batalha. Embora, claro, torça para que a simpática escola niteroiense nos surpreenda positivamente.

O sábado começa com outra incógnita. Se tem chão e história será que a Unidos de Bangu deu um salto de qualidade em relação ao carnaval passado? Não sei. Samba e enredo não me empolgam muito. A princípio. A Renascer, na sequência, tem enfrentado muitos problemas plásticos e se segurado em quesitos de chão. Este ano volta a apostar na encomenda. Sempre fui fã declarado dos sambas recentes da escola. Mas creio que a obra desse ano talvez seja a menos brilhante entre as últimas safras da vermelho e branco de Jacarepaguá. Desejo sorte à escola mas não a vejo disputando posições lá em cima da classificação.

Vem, então, mais uma “peso pesado” da Série A. Única das treze com um título de Grupo Especial no currículo. Sem dúvida uma das grandes favoritas. A Estácio de Sá aposta num belo enredo e num samba que ainda não caiu nas minhas graças. Mas nunca desconfiei nem desconfiarei da força e da garra do Leão.

Que sai de cena para a entrada do Tigre na Avenida. Outra escola com história na elite do samba, de onde há muitos anos afastada. E isso vai criando uma espécie de barreira psicológica e logística. Outras agremiações que despontavam como favoritas na Série A sofreram com isso e demoraram a voltar. A Vila, a Viradouro e, em maior escala, Ilha e Império Serrano. Não concordo com análises do tipo “a escola tal se acomodou”. Não se trata disso.

Trata-se de uma série de outras questões. Menos verba a cada ano que passa, menos divulgação, menos badalação, ensaios não tão cheios, estrutura de barracão que vai se perdendo com o passar dos anos. Jayme Cezário vem fazendo do limão boas limonadas nos últimos anos. Quem sabe não chegou a hora de voltar num ano de crise para todos?

O Império da Tijuca é outra que pode ser apontada como G-4 (G-5? G-6?) de qualquer desfile da Série A. Uma escola muito organizada, que trabalha bem os quesitos. Muito embora traga um enredo interessante mas, sobretudo, um samba-enredo que, para mim, passa longe dos destaques do ano. É a escola do “bobeou, a gente pimba!”. Se derem mole, é festa na Formiga.

Por fim, a Acadêmicos do Cubango. Certamente com a dupla enredo/samba que, de novo, está entre as melhores do ano. Em 2018 foi surpresa, porque vinha de carnavais problemáticos. Sempre foi – e quer deixar de ser – apontada como a (eterna) favorita que bate na trave. Mesmo caso da Porto da Pedra. Vai ver chegou a hora de levar a melhor num ano em que todos parecem nivelados pela falta de grana. Criatividade e vontade de, finalmente, subir não faltam à verde e branco que encerra o carnaval da Série A.

No resumo da ópera, meus prognósticos se dividem nos seguintes palpites. E voltarei a comparar com as tabelas do futebol, só para justificar o nome dessa coluna e a prestar homenagem a duas grandes paixões da minha vida. Levando como base o passado recente, o enredo, o samba e quesitos basicamente de chão. A parte plástica eu quero esperar pra ver.

G4 das favoritas, a “Libertadores” da Série A (ordem alfabética): Acadêmicos do Cubango, Estácio de Sá, Unidos de Padre Miguel e Unidos do Porto da Pedra;

Potenciais surpresas, correndo por fora (quem sabe até para subir): Império da Tijuca e Inocentes de Belford Roxo;

“Sul-Americana”com potencial de, quem sabe, beliscar uma Libertadores (mas subir acharia surpreendente): Acadêmicos de Santa Cruz e Acadêmicos da Rocinha;

Entre o céu da “Sul-Americana” e o inferno da Intendente, a permanência ou a queda: Acadêmicos do Sossego, Alegria da Zona Sul, Renascer de Jacarepaguá, Unidos de Bangu e Unidos da Ponte.

No mais, que sejam duas noites de muita superação, muito samba pé no chão, no gogó, nas almas. Mais do que nunca, não deixem o samba morrer, nem acabar. O carnaval do Acesso merece respeito e admiração.

É bom estar de volta. Mesmo debaixo de neve…

Até a próxima.

Imagens: Ouro de Tolo e Eduardo Silva (Santa Cruz)

3 Replies to “A Neve, o Choro e os Surdos”

  1. Bem vindo de volta Carlos, acompanho suas reportagens já de olho nas Olimpíadas do ano que vem, e sei que é uma oportunidade única trabalhar num país tão rico socialmente e culturalmente, mas é uma pena que não estará na transmissão do Acesso esse ano. Fará falta.

    Também sou defensor desse samba da Inocentes. Me emociona cada vez que ouço.

    Unidos de Padre Miguel era considerada favoritaça, mesmo desfilando sexta, mas o burburinho em torno de Porto da Pedra e Cubango vem aumentando bastante, então não sei de mais nada…

    Acho que a Sossego tem um certo “favoritismo” para o rebaixamento, samba fraco, posição de desfile, como apontado no texto, complicada, e polêmica desde a escolha do enredo…

  2. Aos leitores do Rio, sem bairrismos: qual a escola está cotada para subir? Desde o início da série A, uma escola é apontada como a campeã e é o resultado oficial (não coincidindo algumas vezes, com o que vemos na avenida).

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