Sempre que ouço esse verso me lembro da música a qual ela pertence. “Canção da América” imortalizada por Milton Nascimento.

Essa linda música fazia minha mãe sofrer porque foi a formatura de um primo querido nosso chamado Jorge Guilherme. Garotão saudável, namorador cheio de vida que vivia para lá e para cá com sua moto. Teve uma filhinha e ainda muito jovem morreu em um acidente. Primeira vez que tive contato com a morte.

Fui crescendo, envelhecendo e tendo outros contatos com a morte até chegar na mais terrível para mim até hoje quando treze anos atrás perdi minha mãe. A morte é uma companheira que temos desde que nascemos e a única certeza dessa vida.

Envelhecer é uma merda porque quanto mais envelhecemos mais pensamos na morte. Ok, tenho 41 anos apenas, não me considero velho e nem sou. Estou no meu auge criativo e acredito que de saúde, mas vamos ser sinceros, são razoáveis as chances de eu estar chegando na metade da minha vida, até passado, então sim, estou envelhecendo e sim, isso tem um lado bom porque só não fica velho quem morre antes.

Morrer, com o tempo descobrimos que o pior de envelhecer não é morrer, mas ver as pessoas morrerem.

Sempre vi pessoas mais velhas sejam amigas ou famosas envelhecendo e lamentando as perdas que a vida traz. Ficava com pena, só não imaginava chegar tão rápido em mim. Vendo uma foto de dezembro de 1997, minha primeira final de samba no Boi da Ilha, percebi que das cinco pessoas da foto três já morreram, apenas eu e meu grande irmão Cadinho ainda vivos. Perdemos dois dos parceiros do samba e o cavaquinista contratado para nos acompanhar.

A morte sempre é pior para quem fica, cada vez tenho menos dúvidas em relação a isso.

Nenhum adulto consegue ser feliz 100% porque ser adulto, amadurecer, envelhecer é passar por essas perdas e algumas delas doídas. Boa parte das pessoas da minha idade perdeu avós, provavelmente um dos pais ou mesmo os dois já faleceram. Como ser 100% feliz assim com uma dor lhe acompanhando como se fosse uma vestimenta? Tenho momentos felizes, hoje em dia são bem mais frequentes que os tristes, mas sei que nunca mais serei 100% feliz, nunca mais me sentirei completamente com espírito leve sem ter uma tristeza no fundo da alma, uma bola de ferro invisível puxando. Me sinto pela metade desde que minha mãe morreu e nessa metade perdi mais um pouquinho essa semana.

Perdi um grande amigo essa semana, um dos melhores amigos que uma pessoa pode ter. Amizade de 23 anos que começou no diretório de um partido político e por farra foi pro samba. Que farra!! Fizemos mais ou menos trinta sambas juntos, ganhamos nove, ganhamos estandarte de ouro e entramos para a história do carnaval insulano influenciando novos compositores que até hoje dizem que lembram dos locutores das quadras anunciando nossos sambas.

O nome dele é Paulo Travassos, não sei se vocês conhecem, mas é um dos melhores letristas que já conheci. Boa parte da letra de “Orun Aye” é dele. Um cara humilde, gente boa, coração enorme, sempre rindo, com alto astral mesmo a vida tantas vezes sendo adversa. Compositor dos bons, mas pobre. Pecado mortal para as disputas de samba enredo hoje em dia ser pobre. Paulo foi engolido pelo sistema que impõe gastos e mais gastos de dinheiro para os concursos, foi aos poucos sendo substituído nas disputas por “compositores” que não escreviam, mas tinham poder financeiro e político. Foi saindo, saindo, até que saiu. Primeiro foi para a harmonia para continuar perto do carnaval que tanto amava, até que saiu quase em definitivo. Digo quase porque se fui omisso e não consegui lhe segurar nas parcerias de samba trouxe meu amigo de volta ao carnaval para participar da Nação Insulana e assim vencermos juntos pela última vez.

Grande letrista, grande compositor, mas melhor ainda como pessoa. Cara que mesmo ganhando muito mal emprestou seu nome para tirar um empréstimo pra mim e assim eu poder pagar a luz cortada de casa quando minha mãe morreu e não tive ajuda de minha família. Que me deu a honra de assistir minha peça Dona Carola em nosso último encontro. Cara com quem dividi muitas risadas, zoações, vitórias, derrotas que ensinam mais que vitórias e histórias, muitas histórias.

Paulo agora é saudade como minha mãe, como Jorge Guilherme, como vários que passaram pela minha vida. E essa conta só aumenta. É..Envelhecer é um saco.

Qualquer dia amigo eu volto a te encontrar.

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