Em 2019 o pavilhão salgueirense deixará de ser o único em vermelho e branco a tremular no Grupo Especial do carnaval carioca. Salvo uma zebra cósmica, monumental, impensável, a campeã da Série A tem essas duas cores na bandeira. O caneco pode ir para Niterói. Ou para Padre Miguel. Estaria bem entregue nos dois casos. Dois desfiles que nos fazem lembrar da época em que havia o Acesso e descenso de duas escolas, numa oxigenação que faria bem aos dois grupos.

A noite também começou alvirrubra. A Alegria da Zona Sul trouxe um enredo bonito e necessário sobre a saga de Luiza Mahin. Embalado por um belo samba, bem conduzido pelo cada vez mais seguro Igor Vianna. No entanto, eram visíveis as limitações financeiras enfrentadas pela escola. Longe de ser indigno, mas sem condições de brigar por nada além da permanência. Ainda assim, numa luta de foice no escuro. O discurso do presidente Marquinhos antes do início do desfile deu o tom do desespero.

Na sequência mais uma apresentação abaixo das tradições de uma agremiação antes acostumada a disputar décimo a décimo o acesso. A Acadêmicos de Santa Cruz se desviou em algum ponto dessa estrada e parece não ter encontrado o caminho de volta. Apesar do talento de Max Lopes, o enredo confuso e um samba que está entre os mais limitados da safra não empolgaram. Tampouco a plástica da escola. Novamente a verde e branco da Zona Oeste deve ocupar as últimas posições – correndo riscos.

Deixarei a Viradouro para depois e gostaria de elogiar as iniciativas dos carnavalescos Marcus Ferreira, Gabriel Haddad e Leonardo Bora. O primeiro, da Rocinha. A dupla, da Cubango. Os enredos sobre a xilogravura e Bispo do Rosário foram presentes que estes jovens talentos nos deram na noite de sábado.

Uma pena que, claramente, o acabamento de alegorias e fantasias incompletas devem deixar a Acadêmicos da Rocinha numa posição abaixo do que poderia. Já a Cubango foi, talvez, a grande surpresa da noite. Não se falava tanto da força da escola no pré-carnaval e a academia de Niterói passou deslumbrante do ponto de vista de desenvolvimento de enredo, bom gosto, acabamento. Mesmo com alegorias de porte evidentemente menor que os das principais concorrentes, a Cubango pisou forte e merece estar entre as quatro ou cinco primeiras colocadas.

Outra escola que passou bem, com correção, beleza e fundamentos foi a Inocentes. Wagner Gonçalves tirou leite de pedra e fez da história de Magé um desfile agradável. Com ajuda de um belo samba e bom desempenho da bateria de mestre Washington Paz. A turma de Belford Roxo merece a parte de cima da tabela.

Pra finalizar, o duelo anunciado se confirmou. Viradouro ou Unidos de Padre Miguel? UPM ou Vira? Duas propostas estéticas distintas, as duas com muito valor. Edson Pereira fez um carnaval mais cenográfico, de alegorias com perfeição de traços, fantasias ricas e autoexplicativas. Até o enredo que poderia parecer um tanto confuso foi passado de forma clara.

No caso da UPM João Vitor Araújo nos brindou com uma explosão de cores, numa visão delirante do Eldorado Amazônico. Grandiosa, compacta, evoluindo e cantando o lindo samba. O samba-enredo, aliás, é um ponto a favor da Unidos no duelo. Emocionante a participação de Jéssica e Vinicius, o casal que não terminou o desfile do ano passado e levou muita gente às lágrimas ao fim da apresentação.

Os jurados podem encontrar deslizes, quesitos onde descontariam pontos, nas duas escolas. No comparativo, a comissão e frente da Viradouro me pareceu mais completa e luxuosa. O abre-alas da escola, no entanto, passou parcialmente apagado. O samba da UPM é melhor, o enredo talvez seja mais cultural. Mas a verdade é que será árdua a missão de escolher qual das duas abrirá o domingo do ano que vem.

Não ficarei em cima do muro. Eu daria o campeonato para a Unidos, por gosto estético pessoal. Mas acho que o juri vai premiar a Viradouro, que fez uma apresentação mais de acordo com o que tem sido valorizado nos últimos anos – clareza, interação de comunicação com o público.

E, se assim for, não haverá qualquer questionamento sobre justiça e merecimento. A interpretação da arte, afinal, é algo muito pessoal. E as tecnicidades não nos competem. Para quem vê o desfile como um todo é muito complicado avaliar detalhes específicos de um quesito.

Fotos: Fred Sabino

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