– Presidente?

– Diga, deputado.

– Eles já estão no restaurante, o senhor vai atendê-los?

– Eles quem?

– O pessoal das escolas de samba. Não se lembra que eu marquei um encontro entre o senhor e os dirigentes das escolas de samba do Rio?

– Escola de samba? Nós estamos em julho! Esse pessoal não trabalha, não? Esquece isso, eu não vou não.

– Mas o senhor disse que iria.

– Falei sem pensar. Já estou até vendo… Esse pessoal aí que “faz arte” é tudo de esquerda, vai ficar me enchendo o saco falando de cultura, lei trabalhista, reforma da previdência… Não irei!

– Não, presidente, não é nada disso. Eles vieram pedir uma subvenção federal para realizar o desfile do ano que vem. O Crivella cortou metade por causa da crise e eles estão desesperados. Garanto ao senhor que nem vão tocar nesses assuntos.

– Não sei não… Tenho um monte de coisa pra fazer, vou ficar me preocupando com Carnaval?

– Mas é importante para nossa base, presidente. Vai agradar o pessoal do PMDB do Rio e o senhor sabe bem que precisa deixar eles bem felizes para aquela votação… O pessoal das escolas de samba é nosso parceiro lá no Rio de Janeiro, deu o maior apoio à nossa candidatura, não podemos abrir mão de aliados.

– Ah, agora sim. Tudo o que eu preciso é de apoios como esses da sua candidatura fracassada. Você perdeu pro PSOL! Quem perde pro PSOL?

– Pegou pesado, presidente.

– Desculpe. Tá bom, vai, diga a eles que daqui 20 minutos eu estarei lá.

– Obrigado, presidente.

***********************

– Mas olha só que maravilha! Parece até que eu estou na Sapucaí!

– Obrigado por nos receber, presidente.

– É um prazer… Desculpe, qual seu nome?

– Jorge Castanheira, mas pode chamar de Jorginho mesmo.

– É um prazer, Jorge. O Jamelão veio?

– Infelizmente ele faleceu, presidente.

– Meus sentimentos. A vida de presidente é muito difícil, não tenho acompanhado o noticiário. E o Joãosinho Trinta, está aí?

– Ele também nos deixou, presidente.

– Ok, deixa pra lá, o que importa é que vocês estão aqui. Então quer dizer que as coisas estão difíceis para vocês, é isso? Sente-se.

– Pois é, presidente, o senhor sabe bem que a crise está feia. Nossos materiais são comprados em dólar e os nossos patrocinadores sumiram. Com esse corte nas verbas que o prefeito do Rio deu, vai ser impossível botar um carnaval na rua sem a ajuda do senhor.

– Entendo.

– O Carnaval é uma festa popular que projeta o Brasil mundialmente.

– Claro.

– É transmitido para 150 países.

– Não precisa ajoelhar, Jorge. Continue, estou entendendo.

– Por favor, presidente, eu nunca te pedi nada!

– É verdade. Quem dera todos os pedidos fossem fáceis assim… Além do mais vocês são só 13 e não 513 como uns outros pidões que eu recebo aqui geralmente… A gente pede um favorzinho e eles vêm cheios de pedidos. Um saco!

– Então, presidente… Além disso, o Carnaval é uma das poucas diversões que o nosso povo ainda tem. É o orgulho dessa gente pobre que passa por tanta dificuldade.

– O povo é sempre minha prioridade.

– Acreditamos nisso, presidente.

– O bem-estar da Nação é o meu maior objetivo. Durmo e acordo pensando no povo.

– Nós também!

– Mas eu quero saber um pouco mais sobre o que vocês andam fazendo antes de decidir se vou ajudar… Me diga, sobre que tema serão os desfiles no ano que vem?

– Bom, cada escola tem o seu, presidente. O Império Serrano, primeira escola a desfilar, por exemplo, vai falar sobre a rota da seda e a sua importância para a economia chinesa.

– Gostei. A economia chinesa é importante para a retomada do crescimento da economia brasileira. Aliás, temos feito coisas ótimas para a economia. Até o Donald Trump, homem de valor, elogiou. De vez em quando eu me olho no espelho e aplaudo a mim mesmo. Mas continue.

– Então, a São Clemente vai falar sobre a Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro…

– Onde eu ouvi falar sobre essa universidade? Deixe-me pensar… Ah, já sei, outro dia vieram me falar que eles também estão passando por dificuldades. Prédio caindo aos pedaços, luz cortada, professores sem salário… Como se eu tivesse lá alguma coisa a ver com isso…

– Que absurdo perturbarem o senhor com esse tipo de coisa, presidente. Seguindo, a Vila Isabel vai falar sobre as inovações tecnológicas da humanidade ao longo dos séculos.

– Esse tema me dá nos nervos!

– Por que, presidente?

– Depois que inventaram essa porcaria desses gravadores eu nunca mais pude almoçar sossegado. Sempre fico pensando se meu interlocutor não está portando um desses aparelhos malditos.

– Isso explica por que tivemos que ficar pelados na porta do restaurante…

– Perdão pelo constrangimento. Prossiga.

– Não foi nada, presidente. Chega um momento da vida onde a dignidade vira um objeto supérfluo. Continuando… O Paraíso do Tuiuti vai lembrar os 130 anos da Lei Áurea.

– Aposto que chegarei nela antes de vocês.

– Como assim, presidente?

– Nada não. Abolir a escravidão foi importante, mas daí em diante a coisa degringolou… Direitos demais… Não há país que se sustente assim… Talvez seja a hora de rever esse capítulo da história. Vocês ajudariam se parassem com esse negócio de vitimismo.

– Entendo, presidente. A Grande Rio vai falar dos 100 anos do Chacrinha.

– Que coincidência… Ainda ontem tive uma reunião com o ministro informal da educação, Alexandre Frota, e rimos bastante lembrando das apresentações dele como cantor no programa do Chacrinha.

– Muito interessante, presidente. A Mangueira tem um tema ousado: vai criticar o carnaval atual e dizer que não precisa de dinheiro para brincar.

– Hehehe, entendo, entendo… Ai, ai, é por essas pequenas ironias do dia-a-dia que a vida de presidente ainda vale a pena…

– Não entendi, presidente.

– Certamente não… Mas deixe, só estava pensando alto. Pode continuar.

– A Mocidade vai falar da Índia e do boi Zebu e…

– Pode parar… Você quer o meu dinheiro pra falar de boi? Eu quero que o Zebu vá tomar…

– Calma presidente, eu entendo que a pecuária te traga recordações ruins depois de tudo o que aconteceu, mas vai ser uma parte pequena do desfile. Ninguém nem vai notar.

– Se é assim…

– É sim. Aí tem a segunda noite de desfiles. Vai começar com a Unidos da Tijuca homenageando Miguel Falabella.

– Ah, eu adoro ele!

– Jura, presidente?

– Sim! Eu acho o Caco Antíbes o máximo! Até atrasei aquele meu pronunciamento outro dia porque estava assistindo ao programa na Globo.

– Ele é realmente muito engraçado, presidente.

– Me identifico muito com ele. Temos horrores parecidos.

– Certo. A Portela vai contar a história da construção de Nova Iorque para passar uma mensagem contra a xenofobia que vem crescendo por causa da crise migratória.

– Que fofo… Vou mandar os sírios lá pro galpão onde vocês ensaiam, então.

– Quadra, presidente.

– Que seja! Eu estava conversando sobre isso com meu amigo Donald Trump outro dia. Já te contei que ele elogiou a economia brasileira? Fiquei todo bobo… É um homem firme. Cada um no seu quadrado, tem que ser assim.

– Bom, presidente, mas essa mensagem do enredo nem todo mundo vai perceber. Não se preocupe com isso. O senhor gosta de comida?

– Claro!

– Então! A União da Ilha vai falar sobre a comida brasileira! Não é um bom tema?

– Ótimo! A propósito, isso me lembra que tenho uma reunião com o meu marqueteiro… Precisamos dar um jeito de mascarar essa história de que o Brasil voltou pro mapa da fome. As pessoas não entendem que precisamos fazer alguns sacrifícios para recolocar o Brasil nos rumos…

– Boa sorte, presidente. Então, o Salgueiro vai exaltar a força da mulher ao longo dos tempos…

– Ah, eu amo as mulheres… Belas, recatadas, do lar… Indispensáveis para o bom funcionamento de uma casa. Capazes de servir a nós homens como ninguém… Olha aqui uma foto da Marcela, minha esposa, não é linda?

– Muito linda, realmente, presidente. Parabéns.

– Obrigado. Sou um homem de sorte. Quem não tem muita sorte com elas é o nosso amigo deputado, né? Que confusão foi aquilo…

– São águas passadas, presidente.

– Calma, deputado, estou só brincando. Continue, Jorge.

– A Imperatriz vai falar do Museu Nacional do Rio de Janeiro. É um local fundamental para a cultura brasileira.

– Cultura… Isso é muito importante. Cultura é essencial. Aliás, vocês já conversaram com meu novo ministro, né? Ficamos alguns meses sem um porque eu não acho que um país precise de ministério da cultura em um momento tão difícil para a economia, mas agora consegui abrir uma brecha.

– Conversamos sim. Ele tem nos dado todo apoio. Bom, a Beija-Flor vai fechar o desfile mas ainda não tem enredo. Então por enquanto é isso. Gostou?

– Até que sim… Mas veja…

– Por favor, presidente…

– Eu já disse que não precisa ajoelhar. Veja: é muito dinheiro para 13 escolas todos os anos e…

– Mas serão 13 só esse ano porque ano passado não rebaixamos ninguém. O normal são 12.

– Por que não rebaixaram ninguém?

– Duas escolas construíram carros mal feitos e colocaram a vida de centenas de pessoas em risco. Os carros quebraram, tivemos uma vítima fatal e achamos injusto rebaixá-las.

– Ah, sim. Falando dessa forma pareceria realmente uma crueldade.

– Então… Foi uma medida bastante impopular, mas com os anos a gente aprende a lidar com elas.

–  Isso é o que eu digo sempre! Não podemos ligar para o que o povo acha. Precisamos manter nossas convicções.

– Pois é, presidente.

– O ruim é que hoje em dia com esse negócio de rede social a gente toma xingamento de tudo quanto é lado, não é?

– Nós não usamos muito as redes sociais, presidente.

– Tente convencer o meu marqueteiro a fazer o mesmo, por favor. Acho isso uma bobagem.

– Agora me diga… Quem foi a campeã do último carnaval?

– A Portela ganhou o título, mas depois se descobriu que nós entregamos um livro errado para um jurado e por isso ele descontou um décimo da Mocidade, que com esse décimo seria a campeã. Então resolvemos dividir o título em uma sessão extraordinária que não estava prevista para acontecer naquele dia.

– Me tire uma dúvida: vocês não possuem um regulamento?

– Claro que sim, presidente.

– E esse regulamento não impede esse tipo de manobra que você citou?

– Verba volant, scripta manent, presidente.

– É o meu lema.

– Pois então… Depois que a gente redige a carta e decide mudar alguma coisa, não há quem consiga contestar.

– Eu tenho cada vez mais a impressão de que seremos grandes parceiros, amigo Jorginho.

– Jura?

– Sim, nossos métodos são parecidos.

– Então vai nos ajudar?

– Claro! No começo não queria, não… Sabe como é, muita festa, farra, alegria… Não acho que seja o momento. Os temas que você mencionou aí também são progressistas demais pro meu gosto…

– Sabe como é esse pessoal das artes, né presidente? Os meninos acham que vão mudar o mundo… Quando estiverem no nosso lugar saberão como é…

– É o que eu digo sempre, Jorginho… Mas o que importa é que agora que conheci esse modelo de gestão, bati o martelo. Contem comigo.

– Muito obrigado mesmo, presidente.

– Acho um aperto de mão mais simpático que um beijo no meu sapato, Jorge.

– Desculpe, presidente.

– Me diga uma coisa, só por curiosidade… Vocês não tem nada além disso pra me dizer?

– Como assim?

– Não sei… Vocês tem comunidades grandes e eu não sou muito popular… Não tem mesmo nenhuma reivindicação a fazer?

– Não estou entendendo, presidente.

– Vocês não ouvem nenhuma reclamação entre os membros de suas comunidades? Falta de emprego, saúde, educação, preço da gasolina, nada?

– E a que isso nos interessaria, presidente?

– Uma vez ouvi dizer que vocês representam suas comunidades e dão voz a elas, estou errado?

– Esquece isso, presidente. Não acredite em tudo que ouve sobre a gente.

– Eu digo o mesmo. Ainda que seja eu quem esteja falando em uma gravação.

– Nós somos verdadeiras empresas. Temos nossos recursos, não podemos fazer revoluções.

– Tem razão.

– Escute, por que o senhor não nos visita na Sapucaí durante o Carnaval?

– Claro… A gente marca alguma coisa.

– Posso ligar para o senhor para marcarmos?

– Deixa que eu ligo.

– Não é melhor eu li…

– Eu ligarei, Jorginho! Eu ligarei.

– Algum problema, presidente?

– Bom, pra ser sincero… Vocês fazem festa até de manhã e crepúsculo solar é algo que me traz alguns problemas um pouco desconfortáveis…

– Como assim?

– Digamos que eu adquiro formas um pouco inusitadas.

– Mas fique tranquilo. Nós também temos pânico da luz do dia. Começamos o desfile o mais cedo possível para terminar de noite?

– Aí eu já começo a me animar.

– Podemos reservar o camarote?

– Sim, mas tem que manter isso aí. Tem que manter isso aí.

– Fique tranquilo, presidente. Enviaremos tudo por fax. Obrigado mais uma vez.

– Fax? Vou pedir pra buscarem um no nosso Museu.

– Certo, presidente. Muito obrigado.

– De nada. É um prazer ajudar. Mandem meus cumprimentos ao Luiz Carlos da Vila.

– Pode deixar, presidente. Só mais uma coisa: podemos tirar uma foto?

(Isso é um texto de ficção. Qualquer semelhança com fatos ou personagens reais é mera coincidência)

Imagens: Arquivo Ouro de Tolo e SambaRio (Beija Flor 1974)

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