Sempre curti tênis. Quando criança era fã de John McEnroe e seu estilo rebelde. Também gostava de Boris Becker e acompanhava o Luiz Mattar, melhor brasileiro da época, que se eu não em engano chegou a estar entre os 40 do mundo, não mais do que isso. Curtia tanto tênis que foi um dos poucos esportes que pratiquei na vida, pratiquei mal evidentemente, tinha uma raquete e de vez em quando jogava nas quadras do Aterro do Cocotá aqui na Ilha do Governador, quadras que existem até hoje.

Mas mesmo curtindo o esporte nunca tinha ouvido falar em Gustavo Kuerten até o histórico Roland Garros de 1997. Na época eu não tinha TV a cabo e acompanhava os resultados mais pelos jornais e me surpreendi quando vi que um brasileiro começava a avançar no torneio. Ao chegar nas quartas de final, o que já era um feito, comecei a procurar pelos jogos e os descobri na Rede Manchete. O restante do torneio, tudo o que ocorreu nele, todos já sabem.

Vinte anos nessa quinta-feira em que escrevo a coluna, exatos vinte anos de um dos maiores feitos da história de nosso esporte. Um esporte de elite, caro, feito para europeus e americanos dominarem e um brasileiro que era número 66 do mundo chegou lá e enfileirou essa elite, um por um. Moleque maneiro, sagaz, cabeludo, roupa colorida e sorriso constante. Guga chegou na França em 1997 um “manezinho”, saiu uma lenda.

Estávamos bem no futebol. O Brasil ganhara a Copa do Mundo três anos antes e era favorito em 1998, mas estávamos carentes de ídolos. Ainda era recente a ferida da morte de Ayrton Senna na alma do brasileiro, e do nada surgiu aquele moleque de Floripa também em um esporte de elite como era o de Senna e também conquistando aos domingos.

A partir daquela final foram quatro anos de sonhos. Um brasileiro enfrentando os melhores e se tornando o melhor, o “surfista do saibro”. Ganhou mais torneios importantes, vários Master, mais dois Roland Garros, onde criou um icônico coração na quadra com sua raquete depois de vencer Michael Russell em 2001 (cheguei duas horas atrasado a um encontro com namorada nesse dia por não conseguir desgrudar da televisão) repetindo o feito na final do torneio e na conquista do tricampeonato, seu último grande título.

Número 1 do mundo no fim de 2000 vencendo o Masters de Lisboa e ficando quase um ano na posição, Gustavo Kuerten sucumbiu ao maior adversário, seu quadril. Não entendíamos o que ocorria com Guga e sua decadência que ainda nos proporcionou um grande momento em Roland Garros 2004 quando atropelou Roger Federer, mas não teve como vencer o quadril e teve um momento que não deu mais e abandonou as quadras.

Como eu disse foram quatro anos apenas, mas quatro anos que colocaram Guga entre os maiores ídolos da história desse país. Acho sinceramente que, apesar de todo carinho que recebe, ainda lhe tratam de forma menor do que merece. Se Guga tivesse morrido em quadra como Senna morreu na pista, teria o mesmo tamanho que o inesquecível piloto, mas graças a Deus ainda podemos conviver com ele e seu imenso carisma e humildade. A melhor definição para Guga é “Gente boa”e não tenham dúvidas, esse é um grande título que todo ser humano devia buscar.

Nunca mais o Brasil teve um tenista igual e tenho dúvidas se terá. Outros tenistas surgiram como Murray, Djokovic, Federer e Nadal, esse ganhando nove Roland Garros, o triplo de Guga, mas a gente fica pensando quantos Guga poderia ter ganho se tivesse jogado em alto nível até aos 30 anos pelo menos.

Mas nem precisava, o que jogou, bastou. E eu só posso agradecer e sentir imenso orgulho de ser contemporâneo do Guga. Um dia gostaria de conhecê-lo e não por ser um grande ídolo, mas por ser o gente boa. Pessoas gente boa fazem bem para quem convive com elas. Pessoas gente boa e talentosas fazem bem a um país.

Valeu, manezinho!!

Hoje nós fazemos um coração para você.

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4 Replies to “O manezinho que virou lenda”

  1. Guga, um verdadeiro ídolo, admiro muito esse cara! Genial e, como você disse, gente boa! Aproveitei ao máximo a época dele pq sabia que não surgiria outro, pelo menos não tão cedo.

    Só vou aproveitar seu texto para lembrar também de Jaime Oncins, que antes de Guga foi quem me fez parar para ver um jogo de tênis pela primeira vez, ao fazer boa campanha nas Olimpíadas de Barcelona e capitanear a bela e surpreendente campanha brasileira na Copa Davis de 1992, com o Brasil chegando a semifinal da competição passando inclusive pela Alemanha de Boris Becker, num inesquecível confronto sob o inclemente sol carioca.

    O próprio Guga, aliás, disse em uma entrevista que essa equipe, que além do Jaime e do Luiz Mattar, tinha o Cássio Mota e o Fernando Roese de duplistas,o inspirou a treinar ainda mais ao mostrar que era possível um brasileiro surpreender e vencer os melhores do mundo.

    1. Eu me lembro desse de 1992, o Becker só faltou chamar os brasileiros de índios de tão irritado com o comportamento da torcida rs

      1. Sim, mesmo com a ótima fase do Jaime na época, o fator externo ajudou muito nesse confronto, pois a quadra, improvisada num estacionamento de um shopping, se não me engano, era um verdadeiro caldeirão, acrescentando o calor e a torcida, deu ruim pros alemães rs… O Becker venceu o Luiz Mattar numa batalha de cinco sets precisando de uns quinhentos atendimentos médicos durante o jogo, e terminou pregadão…

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