Lembro que quando era pequeno era o único rubro-negro atuante da casa, digo atuante porque só havia mulheres que se diziam Flamengo, mas nem acompanhavam. Os rubro-negros mesmo eram meu avô que morava em Brasília e um tio que não morava mais conosco. O único membro mais próximo que ia a estádios era o marido de minha tia que é até hoje um vascaíno apaixonado de ir a estádios e passar essa tradição aos filhos.

Ele me chamava para ir aos estádios ver jogos do Vasco e eu ia. Vi vários jogos do Vasco contra diversos clubes, principalmente contra o Flamengo e via da torcida do Vasco. Eram tempos em que Flamengo e Vasco botavam facilmente 120 mil pessoas no Maracanã e eu lá, moleque, vendo o meu Flamengo, o grande Flamengo dos anos 80, na torcida vascaína.

Não sei se para minha sorte, ou azar, o Flamengo perdeu todas as vezes em que vi jogos no lado vascaíno, nem gols fez. Digo sorte porque não sei se conseguiria me segurar caso o Flamengo fizesse um gol ou vencesse. O marido de minha tia me aterrorizava dizendo que se eu comemorasse gol do Flamengo iriam me linchar, mas tirando essa zoação nunca vi nada demais. Íamos e voltávamos dos estádios com segurança e ainda fazíamos amigos por lá. Não foram raras às vezes em que começávamos a bater papo com gente que nunca vimos, eles cornetavam os mesmos jogadores e se abraçavam nos gols do Vasco. Tudo na paz, na tranquilidade.

Por quê esse assunto agora? Porque, se não tem um time como dos anos 80 (acho que nunca mais terá), o Flamengo montou seu melhor elenco pelo menos dos últimos 25 anos. Se esse elenco dará certo só o tempo dirá, mas no papel montou e por uma ironia do destino jogará no meu bairro, na Ilha do Governador durante três anos, quer dizer, com um elenco forte, perto da minha casa, tudo o que precisava para passar aos meus filhos a tradição dos estádios, tudo o que aprendi lá, meu amor pelo futebol.

Mas cadê coragem?

Eu vejo imagens como de Flamengo x Botafogo domingo passado no Engenhão e fico me perguntando como levarei minha filha de sete anos e meu filho de três anos para assistir futebol em um estádio, mesmo perto de casa. Clássico nem pensar, meus filhos não terão ao vivo as recordações que tive nos Flamengo x Vasco.

Mas é seguro levar em jogos contra times pequenos ou de fora? Claro que não. Já tivemos confusão e pancadaria em jogos de torcida única no basquete e o fato de ter um rival, ou inimigo como esses jumentos tratam, não é o primordial para ter confusão, isso é uma desculpa, o necessário é a aglomeração.

O indivíduo fraco e fracassado se sente forte e poderoso quando está em bando, não tem mais identidade, face, ele é aquele grupo, aquela horda, aquele “pelotão” temido e se sente acima da lei já que são poucas as punições nesse caso e apto para todos os tipos de covardia. Como expor crianças a isso? Racionalmente é melhor levar ao teatro ou cinema que lhes deixarão tão felizes ou mais, mas fica o pai frustrado porque dividir momentos esportivos e, principalmente, de seu clube do coração é fundamental para o fortalecimento do elo afetivo.

Curioso que milito em escolas de samba e tem nada disso nelas apesar de também participarem de competições e cada uma ter suas características e rivalidades. Domingo enquanto o pau cantava no Engenhão a Sapucaí estava lotada com 90% de portelenses e 10% tijucanos. Mas vocês acham que os torcedores da Unidos da Tijuca sofreram algum transtorno? Nenhum, muitos portelenses, inclusive, ficaram para acompanhar a Tijuca.

Uma delegação de escola de samba quando vai a outra é reverenciada, muito bem tratada, é um orgulho receber uma escola co irmã. Enquanto isso Botafogo e Flamengo vivem numa guerra por causa de um jogador que é bom, mas não mudaria a rotação da Terra que é William Arão.

Enquanto Chiquinho da Mangueira e Simone Drumond da Imperatriz assistiam da pista a ensaios de outras escolas, o “Euriquinho” do Botafogo botava gasolina no incêndio dizendo que não deixaria mais o Flamengo jogar no Engenhão e o estagiário metido a humorista do Twitter do Flamengo fazia postagem infeliz, com o do Vasco se metendo na história sem ter nada com ela.

Vai ser complicado mudar esse quadro porque tudo vem de cima. Vem do clima de ódio e intolerância que semeia o Brasil e eu venho falando semanalmente há tempos, vem da impunidade, da certeza que se você passar de carro e meter bala na cara de um semelhante só porque ele é torcedor de outro clube vai ocorrer nada. Vem de dirigentes irresponsáveis, vem de um tudo.

Talvez a culpa seja até nossa também, mesmo não acreditando nessa culpa e achando que em um mundo correto tem nada a ver o que direi essa mania de botarmos o futebol com tamanho maior do que ele realmente tem acaba ajudando em um momento hostil como esse. Ao contrário do que diz uma propaganda do Sportv “É só futebol”, são só onze contra onze e que se um lado ganhar vai mudar em nada sua vida, você não ganhará dinheiro, não mudará de carro, vai acontecer nada com você.

É terrível pensar assim, é como aceitar a “torcida única” e matar a paixão, mas será que a paixão já não vem morrendo?

Torcer agora exige coragem.

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