Eu costumo escrever a coluna de sábado na madrugada de quinta para sexta e a de domingo na de sexta para sábado. Isso deve deixar louco o excelente editor Fred Sabino (Pedro Migão virou “chinelinho”) pelo pouco tempo que ele tem para editar, mas em alguns momentos isso é necessário. Faço porque a vida muda de minuto a minuto e procuro esperar ao máximo para não perder um assunto.

Isso aconteceu essa semana.

Desde o começo da semana já tinha programado escrever sobre samba nesse domingo; já tinha a coluna toda na mente e quando me preparava para escrever surgiu a notícia da morte de Muhammad Ali, um cara que se eu chamar de “um dos maiores pugilistas de todos os tempos” estarei sendo injusto com ele.

Muhammad Ali foi muito mais do que isso.

Ali transcendeu o boxe, transcendeu o esporte. Era um super herói daqueles que tinha dupla identidade como Peter Parker / Homem aranha, Bruce Wayne / Batman e Clark Kent / Super homem. Cassius Clay / Muhammad Ali era um super herói que tinha uma força gigantesca que saía de seus punhos e de sua voz. Um Martin Luther King dos ringues, Malcon X que calçava luvas. Ali lutava não apenas por si, mas por um povo, por sua gente e para fazer história.

É uma das lendas do século XX. Não existe absurdo em colocá-lo ao lado de Einstein, Gandhi, Picasso, Lennon, Elvis, Marilyn, Chaplin, Pelé, JFK, Hitler e Fidel, entre outros, como uma das pessoas mais importantes desse período. Ali mostrou que existe vida inteligente onde se conquista o ganha pão com músculos. Inventou o marketing esportivo, virou “Imperador do Zaire” e ganhou milhões mostrando ao povo africano que era igual a eles. Mostrou na maior luta da história do boxe que era possível vencer apanhando. Encostado nas cordas descansou e por dentro riu de um Foreman que cansava a cada golpe.

Um gênio.

Um gênio bailarino que dançava na frente de sua pobre presa e lhe dava a ferroada como uma abelha assassina. Falava, falava demais, não parava de falar e se enaltecer. Ali mostrou que humildade não é virtude, é característica e não há mal nenhum em ser marrento quando os atos correspondem às falas. Ali falava que era o maior e comprovava nos ringues.

O homem que nunca foi nocauteado. Nem pela guerra, nem pelo racismo.

Não quis matar vietcongue porque aquela guerra não era dele: nenhum deles havia lhe chamado de “crioulo”. Perdeu o título mundial, mas manteve sua dignidade. Foi campeão olímpico e jogou fora a medalha olímpica quando foi vítima de racismo. Do que adiantava ser bem sucedido, um medalhista se os brancos lhe consideravam inferior? Cassius Clay não era inferior a ninguém, Ali menos ainda e as Olimpíadas se curvaram a ele e reconheceram.

Com sua ferramenta de trabalho tremendo vítima de anos lutando pela vida Ali acendeu a chama olímpica em Atlanta e recebeu de volta sua medalha. Aquele homem tremendo, com olhar distante, ainda jovem, mas envelhecido pelo Parkinson bambeou, mas não caiu. Ali não cairia para ninguém. Ali não sabe o que é perder.

Nem para a morte. Nem a morte é capaz de derrotar e acabar com Muhammad Ali. Levou o homem, mas é incapaz de mexer com o mito que vestiu desde a sexta-feira o cinturão da imortalidade.

Para mim Muhammad Ali é o maior esportista da história porque não fez apenas o que fez nos ringues, que já lhe credenciaria, Ali é o maior pelo “Conjunto da obra”. Nem todos os documentários e filmes irão conseguir mostrar com exatidão seu tamanho e importância. Cassius Clay, Muhammad Ali, não importa a denominação, é um tipo de homem raro que assim como fez Super Homem em um de seus filmes muda o curso da história. Não a toa é homenageado no comercial “Think diferent” da Apple que homenageou os “loucos” que fizeram diferente e mudaram a história.

Ali mudou a história, é desses casos que o fato de ter nascido e vivido na Terra fez com que ela ficasse diferente. Um poeta dos ringues que fez com que cada golpe parecesse um soneto. O ativista falastrão que nocauteou o racismo. Um campeão de seu tempo.

Muhammad Ali era o cara antes que essa expressão existisse e caísse no lugar comum. Um mito que dizia que alguém que tinha medo de correr riscos não conseguia nada na vida. Ali correu todos os riscos.

E assim conquistou o mundo. Para sempre rei.

Twitter – @aloisiovillar

Facebook – Aloisio Villar

[N.do.E.: o editor Fred Sabino escreveu em 2014 sobre a luta entre Ali e Foreman. PM]

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