Johan Cruyff está morto…

Mais uma vez faço a coluna de sábado para lamentar a morte de um ex-jogador. Se semana passada fiz pelo Gaúcho, ídolo pessoal meu e de todos os rubro-negros com pelo menos trinta anos de idade, agora lamento a morte de um revolucionário.

Posso dizer que Johan Cruyff foi um Che Guevara do futebol.

Cruyff é o melhor exemplo daquilo que sempre bato na tecla. Melhor do que o gênio é o inconformado, aquele que não aceita as coisas como elas são e parece que não cabem em seu tempo. Cruyff era mais ainda. Era inconformado e gênio.

Não é o único gênio do futebol. Longe disso. Não sei também em qual posição do ranking dos jogadores ele estaria. Para aqueles que nasceram antes da geração Playstation, a mesma que acha que o futebol foi inventado pro Messi e Cristiano Ronaldo, ele está no top 10.

Mas, como disse muito bem a ESPN Brasil, Cruyff inventou o futebol moderno. É dele o jeito de jogar futebol no mundo nos últimos quarenta anos.

Cruyff era o principal nome da famosa “Laranja Mecânica”, também conhecida como “Carrossel Holandês” ou “Futebol Total”. Uma geração fantástica, na qual a maior parte era de jogadores do modesto Ajax. Modesto até a chegada desse grupo que venceu por três vezes seguidas a Copa dos Campeões da Europa. Conhecida pelos mais novos como Uefa Champions League ou pela musiquinha que começa com “The Chaaampions…”

Era uma época em que campeonatos europeus não passavam na TV brasileira ou mesmo fora do continente de origem. Por isso, o futebol dos comandados pelo treinador Rinus Michels assombrou o mundo. Jogadores uruguaios, adversários na primeira partida da Copa de 1974, relatam até hoje o pavor que foi aquele início de jogo.

Parecia que tinha 15 jogadores de laranja em campo. Jogadores que atacavam, marcavam, mudavam de posição freneticamente, marcavam no campo do adversário e valorizavam a posse de bola. O mundo não estava acostumado àquilo. A Holanda fez uma Copa brilhante, foi a primeira seleção a vencer o trio de ferro sul americano em um Mundial, triturou o Brasil dando um nó tático em Zagallo e perdeu a final, mas ganhando a eternidade como a Hungria de 54 e o Brasil de 82.

Só por ser o grande astro desse time, Cruyff já garantiria lugar na eternidade, mas fez mais. No fim da década de 80, virou técnico do Barcelona, um clube em decadência, que só ganhara um Campeonato Espanhol naquela década.

Quando saiu, deixou como legado um tetracampeonato espanhol e a primeira UCL da história do clube. Para os brasileiros da época, foi o “técnico de Romário”, aquele que chamou o baixinho de “gênio de grande área” e que deixou Romário viajar ao Brasil depois de ele cumprir a promessa de fazer três gols em um jogo.

Mas o legado de Cruyff ao Barcelona e ao futebol jogado hoje em dia é muito maior do que os títulos, do que tudo isso. Cruyff, baseado na Holanda dos anos 70, inventou uma escola de futebol no Barcelona. Um estilo de jogo que ia desde o infantil até os profissionais. Estilo utilizado até hoje de técnica e valorização da posse de bola. Cruyff dizia com propriedade que time que tem a bola não toma gols. Simples, não? Pois é, mas ele também dizia que o mais difícil no futebol era fazer o simples.

Ele implantou essa escola e o Barcelona a mantém até hoje. Pep Guardiola e Luiz Enrique são seus discípulos, jogaram no Barcelona de Cruyff e o tal estilo deu ao clube as maiores glórias de sua história e é a personificação do futebol moderno. Podemos ver o jeito de Cruyff enxergar futebol nas seleções da Espanha de 2010 e Alemanha de 2014 campeãs mundiais.

Como eu disse…. Um cara desses não pode ser um qualquer.

E ele sabia que não era. Rebelde, inconformado, para muitos desagregador e mascarado, Cruyff fez a diferença em sua época, desafiou seu tempo. Não usou as três listas da ADIDAS no uniforme em 74 como o restante da seleção porque tinha contrato com outra patrocinadora. Dizem que cobrava para dar autógrafos, apagava instruções de treinadores dizendo que estava tudo errado e seguissem o que ele tinha a dizer. Brigava com dirigentes por aumento de salários e chegou a pedir à rainha Juliana dos Países Baixos, quando a mesma recebeu a delegação holandesa vice campeã do mundo, redução nos impostos. Era genioso, era genial. Inventou o pênalti tocado para o lado a um companheiro e uma vez na frente do goleiro deu a meia volta correndo para seu campo com o goleiro correndo desesperado atrás sem perceber que, sem perder a passada, Cruyff já tinha feito o gol de calcanhar.

Cruyff, que dizem, não foi à Copa de 78 por não concordar com a ditadura argentina. Ele anos depois negou essa história. Mas prefiro seguir com a lenda.

Cruyff está morto. O cigarro venceu aquele que foi eleito o sexto maior holandês da história na frente até de Anne Frank, mas o legado dele segue vivo. O futebol de hoje tem a sua marca.

Cruyff endureceu fora de campo.

Sem perder a ternura no mesmo, jamais.

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