Hoje começam os desfiles das escolas de samba da Série A do Rio de Janeiro e, tal qual fiz com a análise da gravação do CD do Grupo Especial, farei com o Acesso, que considero um grupo mais competitivo que o que é gerenciado pela LIESA.

Do ano passado para cá, acredito que a safra não é tão boa. Mas tivemos evoluções significativas nas composições de letra e melodia de algumas agremiações. Particularmente, não gostei do modo como o disco foi produzido. Temos a primeira passagem de samba só de voz e quando vai reiniciar a partir do primeiro refrão, entra o coro que abafa o grito de guerra do intérprete, que só é dado no reinicio da letra. Ou seja, a garra da escola na voz do intérprete não foi valorizada como deveria ter sido.

Então para você se situar ao acompanhar os desfiles da noite desta sexta-feira, segue a análise dos sambas – confira neste sábado os comentários dos sambas do segundo dia de desfiles da Série A.

rocinha2Acadêmicos da Rocinha – De volta à Série A após um desfile para se esquecer em 2014, e o campeonato do Grupo B em 2015, a escola da Zona Sul traz o enredo “A nova Roma é Brasil, Brasil é Rocinha”, de Alex de Souza. Teremos a formação do povo brasileiro diante das suas dificuldade e limitações e a sua força de dar a volta por cima com alegria, mesmo após sofrer. O intérprete Leléu continua na Rocinha pelo quarto ano consecutivo e tem bastante identificação com a escola. Assim como se entrega por completo nos desfiles, não deixando o samba cair. É um samba simples, com sua gravação simples. Típico de uma agremiação que precisa chegar e se reafirmar entre as 14. É muito interessante a cronologia do samba. Se trouxer o que está escrito para o visual, será um bom desfile. Em linhas melódicas, não é ruim, mas poderia ser melhor tendo em vista que havia um samba na final que era a cara da Rocinha.

alegria2015bAlegria da Zona Sul – A agremiação de Copacabana fará um desfile para se tentar fugir das últimas colocações. Ano passado só não foi rebaixada pelos problemas que a Em Cima da Hora sofreu com a não entrega de fantasias, descontando muitos pontos da escola de Cavalcante. Ogum é o enredo que será bastante semelhante ao da Estácio de Sá, que trará a vertente católica do orixá enquanto a Alegria fará a narrativa puramente afro do patakori guerreiro/santo guerreiro. O carnavalesco é Marco Antonio Falleiros, que estava na Em Cima da Hora ano passado e ele junto à comissão julgadora escolheram, indubitavelmente, o melhor samba que tinha se apresentado. Um dos compositores é o intérprete do Império Serrano Pixulé, que também cantou o samba com Igor Vianna. A gravação da composição estava fantástica. Porém, no disco oficial da Série A, a melodia teve uma queda. Talvez pela voz do intérprete Tiganá não ter se adaptado muito bem ao tom original. Mas não tira a beleza da obra. Surpreendeu bastante como a Alegria conseguiu ter consigo um samba tão bom, tendo em vista o retrospecto do samba do ano passado, que era “animadinho” mas fraco, e em 2014, com um segundo refrão longo, arrastado e cansativo. Seu comportamento, sendo o segundo samba a se apresentar na sexta, não sabemos como será. Mas que é lindo e conseguiu ser um dos melhores sambas da Série A, conseguiu.

portodapedra2015bUnidos do Porto da Pedra – O Tigre de São Gonçalo, após um desfile confuso ano passado, trará para a Avenida o enredo “Palhaço Carequinha: paixão e orgulho de São Gonçalo”. Uma ótima homenagem a um ícone da TV, do circo, da palhaçada, da diversão e do sorriso. Letra e melodia foram bem abaixo do que eu esperava. Mesmo com Anderson Paz, que é um ótimo intérprete, não tivemos um resultado muito bom. A São Clemente terá mais facilidade em desenvolver o enredo, pois fala de palhaços, enquanto o Porto da Pedra falará do palhaço. Menos abrangente, terá de ser minuciosamente fiel à história. Os buracos na letra também são problemas. No segundo refrão temos “Parabéns…Carequinha”. As reticências existem na letra e uma pausa sofrível é dada nelas. Logo após essa pausa, a retomada do samba que se faz necessário um caco do intérprete antes de “No encanto do cinema[…]”. Cacos extremamente necessários não dão a impressão de interpretar o samba, mas de remendo para tapar o furo. Mas isso na gravação. Pode ser que no momento do desfile a coisa mude. Até porque Anderson Paz sempre consegue jogar o samba para um tom um pouco mais alto e dar mais vida a ele.

santacruz2015bAcadêmicos de Santa Cruz – Mais um ano de trabalho do carnavalesco Lane Santana. Gosto muito dos carnavais que ele desenvolve desde 2002, quando assumiu o carnaval da São Clemente com o enredo “Guapimirim paraíso ecológico abençoado pelo Dedo de Deus”. Ano passado, com “O pequeno menino se tornou Grande Otelo”, trouxe para a Marquês de Sapucaí um carnaval que conseguiu manter a agremiação da Zona Oeste na Série A, em décimo lugar. Em 2016, com “Diz mata! Digo verde. A natureza veste a incerteza. E o amanhã?”, teremos a defesa das florestas que altera diretamente o ecossistema e também a vida dos seres humanos, ora dependente da natureza, ora devastador da mesma. O samba tem uma narrativa mesclada realmente com um clamor pela natureza como em “Ecoa um grito de guerra no alto da mata/Auê, Auê, Auê[…]Salva, meu Deus, nosso habitat.” Exatamente como na proposta do enredo. Traz as lendas folclóricas que só nos apresentam na escola primária e cai em esquecimento como Curupira, Saci Pererê e Caipora. Tal qual Tupã, a manifestação do Deus Nhanderuvuçu, que se apresenta como trovão. Em questão de letra percebemos simplicidade. É direto, sem palavras e versos que dificultem o canto dos componentes, tirando a parte que é quase um trava língua em “Brotam as flores, pras dores do mundo sarar”. Em termos melódicos da gravação, ouvimos a voz de Gaby Santos, que deu mais vida ao samba. Ainda não entendo porque a voz feminina no samba é apenas acessório para quem está no carro de som ouvir. Porque nós mesmos somos órfãos dessas vozes. No desfile, tem tudo pra dar certo.

renascer2015dRenascer de Jacarepaguá – “Ibejís – Nas brincadeiras de criança: os orixás que viraram santos no Brasil”, é o enredo da escola de Jacarepaguá. O mundo infantil será retratado nas entidades religiosas. Organizado por Jorge Caribé e o samba encomendado. composto por Moacyr Luz, Teresa Cristina e Claudio Russo, quebra de vez a mística de que samba encomendado é ruim. Obviamente tem o lado negativo de afastar – talvez – a comunidade de compositores, tendo em vista que não temos disputa de samba desde 2014 na agremiação. Porém, temos um dos melhores sambas do carnaval de 2016 feito por três compositores. Tratar do universo infantil é sempre bastante confortável. Porque é simples. Sendo simples, se torna fácil. Se um carnavalesco consegue trabalhar de modo fácil, o carnaval é desenvolvido de forma muito mais carinhosa e detalhista para ornamentar o simples, sem invenções que podem acabar sendo inconsequentes, causando ter problemas com fantasias ou efeitos em alegorias. E Jorge Caribé sabe trabalhar o simples. Acredito que teremos um desfile fantástico. Quanto ao samba e seu comportamento na gravação, Diego Nicolau e Evandro Malandro repetem a parceria desde 2014 após a saída de Rogerinho – atualmente no Império da Tijuca – e só reiteram que o carro de som da agremiação está “em bons diafragmas”. A letra é riquíssima tal qual sua melodia muito bem elaborada. A alteração da cantiga “O cravo brigou com a rosa” para “O cravo BRINCOU com a rosa” é o ponto alto do samba na minha concepção. Principalmente hoje que se fala abertamente sobre violência doméstica, essa modificação é essencial para a não reprodução tanto de machismo quanto da agressão física. Sendo assim uma mensagem de conscientização. “A mão na roda sempre em comunhão” é a mensagem escrita mais “visual” da composição. Um gesto simples das brincadeiras de roda de dar as mãos que é associado a confraternização, a troca de energia das crianças com outras. O fim do primeiro refrão me dá plena satisfação pelo fato de estar cursando licenciatura em Letras. “Quero futuro pro meu be-a-ba” que aborda a educação da criança. E a brincadeira, a agitação, a diversão, não estão dispersos da educação. Pelo contrário, se faz necessário a criança estar brincando e se divertindo para que sua educação seja consolidada.

viradouro2016Unidos do Viradouro – O melhor samba do carnaval de 2016. Digo com propriedade. O enredo O Alabê de Jerusalém: A saga de Ogundana pode marcar o retorno da Viradouro ao Grupo Especial, novamente. Baseado na composição de Altay Veloso, Max Lopes retorna à Viradouro após 2015 cuidando da Vilsa Isabel e Unidos de Lucas para narrar a saga do africano africano Ogundana, nascido há 2.000, que conta a sua história em seu retorno à Terra. A letra é riquíssima em sua narrativa. A melodia não poderia ter ficado melhor na voz de Zé Paulo, que tem se mostrado símbolo da agremiação se doando ao máximo para criar identidade com o povo de Niterói. A primeira vez que ouvi a voz do intérprete foi em 2006, no Arranco do Engenho de Dentro, desfile em que já se saiu muito bem. É o seu terceiro ano diante do carro de som da escola de Niterói. A primeira do samba é de apresentação do protagonista do enredo. Já na segunda temos a história contada como se fosse o próprio Ogundana, em primeira pessoa. Ainda faz um alerta ao final do samba com “Óh meu Brasil, cuidado com a intolerância/ Tu és a pátria da esperança/ à luz do Cruzeiro do Sul/ Um país que tem coroa assim tão forte/ Não pode abusar da sorte/ Que lhe dedicou Olorum”. Olorum é o Ser Supremo que criou os orixás e os homens, o Deus dos céus.

imperiodatijuca2015dImpério da Tijuca – A agremiação do Morro da Formiga encerra a noite de desfiles da Série A na sexta-feira. Trará consigo a homenagem ao ator José Wilker, ator, diretor e crítico de cinema, falecido em 2014, com 69 anos. “O tempo ruge, a Sapucaí é grande e o Império aplaude o Felomenal” é o enredo assinado por Junior Pernambucano em seu terceiro carnaval a frente do Imperinho. A homenagem é justa tendo em vista que José Wilker foi um dos maiores atores brasileiros, mesmo sem projeção internacional, como classificam hoje os grandes atores. Porém, o samba não colabora nem um pouco. A melodia poderia ter sido muito mais lapidada. Sendo que temos Rogerinho estreando no Império da Tijuca em um samba que não parece ter se encaixado no tom e timbre do intérprete. Comparando com alguns sambas da escola, pelo menos desde 2007, esse está em último na lista. A letra não poderia ser diferente além de uma narrativa atemporal dos personagens vividos pelo ator e pelos seus hábitos como pessoa. Se dependesse do samba, e sua gravação – como todos os sambas, creio que tendem a crescer nem que seja o mínimo -, a escola estaria em maus lençóis.

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