*Rodrigo Mattar é jornalista esportivo e torcedor da Imperatriz Leopoldinense

Minha ligação com a Imperatriz Leopoldinense vem de criança, dos tempos em que meu primeiro endereço, em Ramos, era na Roberto Silva, a alguns metros da quadra que fica até hoje na Professor Lacê, 235. Ouvindo os discos de samba-enredo que meu pai tocava sem parar, não foi difícil gostar do gênero, de carnaval e, consequentemente, me converter em uma espécie das mais fanáticas dentre os gresilenses.

E por conta dessa torcida toda, aceitei o desafio de indicar 10 dos sambas que mais gosto na história da escola. Corro o risco de cometer injustiças, é uma escolha pessoal e gostaria muito de ter podido incluir aqui os sambas de 1978 (quando a escola estava no Grupo de Acesso), 1982 e 1983, mas não havia como. A menos que pudesse elencar mais do que dez obras. Quinze a vinte, talvez…

A minha sorte é que a Imperatriz tem uma tradição de grandes sambas – embora a escola tivesse posto na avenida alguns “bois com abóbora” nos anos 1970 e outras obras igualmente menos inspiradas nos anos 1980 e 2000. Por incrível que pareça, alguns dos sambas campeões – aliás, todos do triênio 1999/2001 e do bicampeonato de 1994/1995 – ficaram fora dessa listagem.

10 – João e Marias (2008) – Josimar, Carlos Kind, Di Andrade, Valtencir e Jorge Arthur

Talvez o último grande carnaval de Rosa Magalhães pela Imperatriz, a despeito do 6º lugar na leitura das notas dos jurados. A disputa de sambas tinha, no entendimento de muitos, obras superiores (as das parcerias de Armênio Poesia e Alexandre d’Mendes, por exemplo), mas o sambão de Josimar e companhia foi o melhor da safra de 2008, disparado – letra e melodia. Ganhou com méritos o Estandarte de Ouro, embora a performance de Preto Jóia tenha sido criticada a ponto do intérprete, que voltara à escola no carnaval anterior, ficar de fora da Imperatriz desde 2009. O samba tinha uma segunda parte um tanto quanto difícil de cantar, mas a obra foi defendida e executada com brilhantismo, com a afiada bateria de Mestre Marcone ganhando quatro notas dez e deixando Dudu Nobre sem saber o que falar após criticar o acelerado andamento do samba na avenida.

“Faz brilhar no céu, Imperatriz… as onze estrelas do teu pavilhão.”

9 – Brasil de Todos os Deuses (2010) – Jeferson Lima, Gil Branco, Flavinho, Me Leva e Guga

Até hoje não me conformo como a Imperatriz desperdiçou um samba tão espetacular (que rendeu mais um Estandarte de Ouro aos compositores da Rainha de Ramos) numa apresentação caótica e cheia de problemas na avenida. É o melhor samba da escola deste século, mas infelizmente, a despeito de uma gravação inspirada de Dominguinhos do Estácio – em seu terceiro retorno à Imperatriz – não fez a escola render como deveria na avenida. A bateria foi um dos pontos altos e confesso que nessa época comecei a sentir medo de que a Rainha de Ramos viesse a se tornar, como se dizia no passado a respeito da Mocidade, uma bateria cercada de escola de samba.

“A Imperatriz é um mar de fiéis… no altar do samba, em oração… é o Brasil de todos os Deuses… de paz, amor e união.

8 – Imperatriz Leopoldinense Honrosamente Apresenta “Leopoldina, a Imperatriz do Brasil” (1996) – Jurandir, Dominguinhos do Estácio, Demarco e Carlinhos China

Esse foi o samba que me fez sonhar com o primeiro tricampeonato de minha escola – adiado por algum tempinho. E um belo samba, para o meu gosto o melhor de toda a safra de 1996 (outro premiado com o Estandarte de Ouro) e, vou mais além: se a Imperatriz não tivesse angariado tanto ódio por derrotar a Portela no ano anterior, era pule de dez para arrebatar a vitória – nem que fosse empatada com a Mocidade Independente de Padre Miguel. Preto Jóia estava no auge, voando, e deitou e rolou com o samba, na gravação e na avenida.

“A Leopoldina é Imperatriz… é carnaval, é samba verdadeiro! Eu tenho orgulho de ser brasileiro!”

7 – Barra de Ouro, Barra de Rio, Barra de Saia (1971) – Niltinho Tristeza e Zé Katimba

Dois dos maiores poetas da história da Rainha de Ramos – o grande Niltinho Tristeza e a lenda viva Zé Katimba – estavam inspirados quando conceberam o hino para o carnaval de 1971, coincidentemente o ano em que nasci. As gravações da época (disco e avenida) não favorecem o entendimento da obra, mas letra e melodia são de uma beleza ímpar. A gravação de Niltinho Tristeza para a coletânea de sambas da Imperatriz editada pela Sony é de arrepiar.

“É tempo de barra de ouro, barra de rio, sim senhor… é tempo de barra de saia, união de três raças por amor.”

6 – 1922, Oropa, França e Bahia (1970) – Carlinhos Sideral e Mathias de Freitas

https://www.youtube.com/watch?v=ACxjQfcmOHI

Maurílio da Penha Aparecida e Silva, o Bidi, parceiro do velho Armando Marçal no clássico “Agora é Cinza”, teve em Carlinhos Sideral e Mathias de Freitas legítimos sucessores na arte de fazer grandes sambas de enredo na Imperatriz. Em 1970, a dupla foi simplesmente brilhante na concepção de uma das mais intrincadas e ao mesmo tempo belas obras daquela safra, retratando à maneira da escola, única a ter um Departamento Cultural e Carnaval naqueles tempos, a Semana de Arte Moderna de 1922. Eram tempos em que a escola, ainda modesta, começava a beliscar bons resultados, terminando o carnaval daquele ano em 6º lugar.

“O rei mandou me chamar, pra casar com sua ‘fia’… o dote que ele me dava, Oropa, França e Bahia.”

5 – O Que é Que a Bahia Tem? (1980) – Darci Nascimento e Dominguinhos do Estácio

“Reluzente como a luz do dia, bela e formosa como as ondas do mar… encantadora e feliz, chega a Imperatriz, fazendo o povo vibrar…” Estes primeiros e lindos versos embalaram o primeiro título da Rainha de Ramos, ainda que empatado com Portela e Beija-Flor. Última escola a desfilar naquele ano de 1980, a Imperatriz levantou a avenida com mais um samba espetacular de sua safra, cortesia de Darci Nascimento e Dominguinhos do Estácio, num ano de obras igualmente espetaculares como as de Vila Isabel, Portela e União da Ilha, por exemplo. Com Gal Costa no abre-alas e uma homenagem póstuma a Amauri Jório, a escola brincou de fazer carnaval. Diziam que falar da Bahia não dava sorte, mas Arlindo Rodrigues, campeão em 1969 pelo Salgueiro com um enredo sobre a própria Bahia, sabia que podia dar título. E deu.

“Bahia, terra da magia, da feitiçaria e do candomblé… Caô, meu pai caô! Caô, meu pai Xangô!”

4 – O Teu Cabelo Não Nega (1981) – Gibi, Serjão e Zé Katimba

https://www.youtube.com/watch?v=a0Kns5JPHVY

Enredo do nosso carnaval em 1981, Lamartine Babo foi homenageado com outro samba inesquecível num ano repleto de obras que entraram para a história e marcaram o coração dos bambas. Com Dominguinhos do Estácio no auge, não foi difícil para a Imperatriz levar o bicampeonato. Arlindo Rodrigues brilhou na concepção do seu enredo, com direito a uma alegoria reproduzindo um trenzinho que soltava fumaça colorida e balões. Um carnaval inesquecível, um sacode que rendeu o bicampeonato e que, na minha memória, ficou marcado porque num trabalho de Língua Portuguesa no colégio, o livro pedia uma letra de música que a gente gostasse mais. Embalado por aquele carnaval inesquecível, sapequei o samba da Imperatriz.

“Quem dera se a vida fosse assim… Sonhar, sorrir, cantar, sambar… e nunca mais ter fim!”

3 – Liberdade, Liberdade, Abre As Asas Sobre Nós (1989) – Niltinho Tristeza, Preto Jóia, Vicentinho e Jurandir

https://www.youtube.com/watch?v=5yEyfY5BtsQ

Seria óbvio demais da minha parte, talvez até uma provocação com os torcedores da Beija-Flor, que nunca se conformam com a derrota, colocar a obra-prima da Imperatriz, talvez um dos 10 maiores sambas de todos os tempos na opinião de muitos, como o melhor de todos da rica antologia da escola. Mas, como já foi observado, o samba tem alguns erros históricos que hoje, numa reedição do enredo, seriam imperdoáveis. Naquele ano em que comemorávamos o Centenário da Proclamação da República, a Imperatriz teve o melhor samba do ano – tanto que ganhou o Estandarte de Ouro, o primeiro em samba-enredo da história da escola. Max Lopes fez, sem nenhuma dúvida, um grande carnaval. Para mim, é motivo de orgulho, até hoje, superar o luxo do lixo (ou o lixo do luxo, fica a critério de vocês) da Beija-Flor.

“Ao longe faz-se ouvir… tem verde e branco por aí… brilhando na Sapucaí!”

2 – Martim Cererê (1972) – Gibi e Zé Katimba

Exibida entre outubro de 1971 e julho de 1972, a novela global “Bandeira 2”, de autoria de Dias Gomes, tornou a escola e seu samba para o carnaval de 1972 extremamente populares. “Martim Cererê”, baseado em poema de Cassiano Ricardo, virou sucesso de meio de ano e, mesmo com letra curtinha de Gibi e Zé Katimba, era inspirado do início ao final. A Imperatriz foi muito bem recebida pelo público na Av. Presidente Vargas, palco do desfile daquele ano, e conquistou o seu melhor resultado até então – um espetacular 4º lugar, furando a chamada “Acumulada” – Mangueira, Império Serrano, Portela e Salgueiro.

“Vem cá Brasil, deixa eu ler a tua mão, menino… que grande destino reservaram pra você… fala, Martim Cererê!”

1 – Brasil, Flor Amorosa de Três Raças (1969) – Carlinhos Sideral e Mathias de Freitas

E eis aquele que é o maior samba da história do GRES Imperatriz Leopoldinense: o maravilhoso “Brasil, Flor Amorosa de Três Raças”, que venceu a disputa para ser o hino do carnaval de 1969 contra a vontade do então presidente da escola, Oswaldo Macedo – que também fora o idealizador do enredo e queria a parceria de Valter e Nelson Lima como campeã na disputa de quadra. Carlinhos Sideral e Mathias de Freitas conquistaram o fundamental apoio das pastoras, importantíssimas para manter o pique dos sambas não só na escolha das obras, como nos ensaios e na avenida, que foram premiadas com a gravação da faixa no lendário disco produzido pela CID. Deu certo: após um período “ioiô”, a Imperatriz conquistou o 8º lugar com esta obra-prima – que só não ganhou nota máxima em letra do jurado Sérgio Bittencourt, filho de Jacob do Bandolim, porque ele não gostou da palavra “trescalam”, mais do que apropriada no verso dos doces madrigais. O samba mereceu na coletânea da Sony sobre a escola uma interpretação belíssima de Tuninho Professor, digna de sua importância no contexto histórico da GRESIL.

“Venham ver… o sol dourar de novo esta cor… sonora tradição de um povo… samba de raro esplendor.”

18 Replies to “TOP 10: Imperatriz Leopoldinense (por Rodrigo Mattar*)”

  1. Xará, impecável lista.

    Confesso que os de 1970 e 1971 não me empolgam tanto assim – mas é por pouco conhecimento de minha parte; achei que você ia colocar 1991 ou 1993 na lista – até porque o de 1991 gerou o mais conhecido alusivo da escola. Eu, por exemplo, trocaria o de 1970 pelo – acredite – de 2005, por deixar claro que uma escola grande pode carnavalizar qualquer enredo e dele gerar um grande samba.

    Mas os três primeiros são geniais, seriam meus tops também. Em melodia, o de 1972 – pra mim – é número 1 fácil, mas a singeleza do hino de 1969, daquela safra, mesmo, só perde pra “Heróis da Liberdade”. Olha a honra!!

    Abraço!!

  2. Samba de 1996 na minha lista ficaria em 1° lugar como dito pelo Mattar além de lindo melódicamente foi muito bem defendido pelo Preto Jóia que deitou na Sapucaí.

  3. Impressionante, não tenho nenhum samba para acrescentar a sua lista Rodrigo, é idêntica a minha, só muda a ordem!

    É uma lista riquíssima, comprovada lembrando outros grandes sambas que ficaram de fora, como 1964 (Preferida do Imperador), 1974 (Réquiem por um Sambista), 1982 (Onde canta o Sabiá), 1993 (Marquês que é Marquês do sassarico é freguês), 1994 (Catarina de Médicis na corte dos Tupinambôs e Tabajeres), 1995 (Mais vale um Jegue que me carregue que um camelo que me derrube… Lá no Ceará), 2005 (Uma delirante confusão fabulística), e, claro, o já aclamado samba desse ano (É o Amor, que mexe com a minha cabeça e me deixa assim… Do sonho de um Caipira nascem os filhos do Brasil).

    Sem contar os grandes sambas da parceria Eduardo Medrado/João Estevam que infelizmente a escola optou por não levar para a avenida, como 2002, 2004, 2006, 2008, 2009 e, principalmente, 2010.

    Isso mostra que a Imperatriz é sim uma senhora escola de SAMBA, de certinha não tem nada…

      1. Engraçado, mesmo sendo dois vencedores do Estandarte de Ouro, não consigo achar esses dois sambas um primor, principalmente o Axé Nkenda, devo ser o único que não vê nada demais nesse samba. E pra variar, achava o concorrente do Eduardo Medrado muito superior ao que foi para a avenida…

  4. Uma curiosidade sobre Tuninho Professor. Durante a produção do Rildo Hora para o disco da Sony, o compositor estava gravando as guias dos sambas, por sinal as letras de muitos destes foram fornecidas pelo próprio Tuninho no estúdio. Tuninho recusava prontamente o convite de Rildo para gravar uma das faixas de forma oficial, então o produtor surpreendeu Tuninho ao apresentar o disco pronto com o registro de “Brasil, Flor Amorosa de Três Raças” na gravação guia do compositor como a definitiva. Daí o motivo da gravação estar claramente duplicada e Tuninho ter cantado “garimpos” ao invés de “dos garimpeiros aos canaviais”. Samba de 69, por sinal, justíssimo como primeiro colocado. A recíproca é verdadeira, Rodrigo! Se eu fosse fazer a lista, possivelmente seria com esses dez sambas citados, talvez eu inserisse o de 1991 no lugar de algum por razões afetivas. E para mim, o mais belo trecho de um samba da Imperatriz pertence a “Oropa, França e Bahia” (cuja gravação original é um primor), um dos maiores refrães de todos os tempos: “parece um lamento da prece, a voz derradeira da porta-bandeira morrendo de amor”.

      1. É o meu favorito desse ano, escuto direto, sou de SP e a Gresil é a escola do RJ que mais me simpatizo. Eu realmente estou muito otimista em relação ao desfile desse ano. E parabéns pela lista, conheci mais da escola com seu texto.

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