O futebol está em férias. Está mesmo?

Não, o futebol profissional está em férias no Brasil. E é nesta época do ano que há mais futebol por aí. Nas escolas, nas festas de final de ano, nos campinhos de várzea, nas praias, nas quadras, nos condomínios, nas colônias de férias. E nos campos profissionais pelo Hemisfério Norte.

O futebol é um grande brinquedo, de crianças grandes e pequenas. A eterna magia de correr atrás de uma bola. Quem nem bola precisa ser. Pode ser laranja, papel, tampinha de refrigerante, pedra, coco, qualquer coisa, esférica ou não. E o gol pode ser oficial, mas também de paralelepípedos, tijolos, chinelos. Na grama, no asfalto, no campo de terra.

Jogadores profissionais reclamam da interminável sequência de jogos, viagens, treinos, campeonatos. E o que mais fazem nas férias? Jogam bola. Peladas entre amigos, jogos comemorativos, festas e promoções solidárias a todas as causas da humanidade. Qualquer coisa é motivo para que os craques e os caneleiros profissionais se reúnam em torno de sua paixão.

Mas, se é uma paixão desde a infância, se estes abençoados têm a suprema satisfação de ganharem pequenas (e grandes) fortunas para fazerem aquilo que mais gostam, por que então reclamam tanto da longa temporada?

07052013---pelada-em-favela-do-rio-de-janeiroTalvez porque vida de atleta é bastante diferente da brincadeira descompromissada praticada por 99 entre cada 100 amantes do futebol. O chato da vida de atleta – seja de que esporte for – é o treino, a preparação física, os limites na vida pessoal, a pressão da competição, a cobrança, enfim, tudo aquilo que faz o atleta deixar de estar se divertindo entre amigos e fazer jus ao salário que recebe.

O mesmo raciocínio se aplica a outras atividades supostamente lúdicas, como a atuação, as artes plásticas, a música. Brincar é uma coisa, trabalhar acaba virando outra. O ideal é que o ritmo de produção destes profissionais pudesse se aproximar ao máximo do prazer que os levou a optar por estas carreiras. Não apenas para a longevidade e qualidade daquilo que fazem, mas também para o embevecimento do público.

Claro que, ao talento, há que se somar a disponibilidade em assumir as responsabilidades e os compromissos da atividade. O curioso é que, em geral, os amadores também acabam por assumir alguns destes pequenos estorvos, mas nem percebem.

Mais jovem, eu joguei algumas das peladas mais inóspitas do universo. Dos sete aos treze anos, jogava num campinho de terra ao lado do campo do Colégio Salesiano, no bairro do Jacarezinho, subúrbio do Rio. Eu era o único branco, gordinho, de classe média e que não era obrigado pelo “seu Amadeu” a frequentar a aula de catecismo antes da pelada, porque já havia feito a Primeira Comunhão da Igreja dos Capuchinhos. Os demais moleques eram da favela local e, obviamente, eu sofria bullying. Se eu fosse hoje um nazista, teria no bolso uma boa desculpa. Só que cada um reage da sua maneira às experiências da vida, e aquele período, aquela convivência, certamente veio a influenciar minha sensibilidade social.

Na adolescência, joguei durante anos num “campo” triangular que incluía uma ilha de calçada e uma alça de acesso à movimentadíssima (mesmo aos domingos) Av. Paulo de Frontin, bem em frente ao edifício onde eu morava. As partidas duravam até quatro horas, alguns carros entravam direto na alça a 80 km/h, a bola caía no poluidíssimo Rio Comprido e, finalmente, eu era por um bom período o mais jovem da turma. Ou seja, bullying novamente.

paulo de frontinDepois, ao sair da faculdade, a turma se reunia semanalmente no Aterro do Flamengo depois do fechamento das edições dos jornais, ou seja: a pelada varava a madrugada. Quando não havia quórum, os poucos jornalistas e publicitários tinham que esperar aparecerem os times de porteiros e garçons, em geral nordestinos que não tinham um futebol muito rebuscado, sem exatamente muita sutileza nas divididas.

Além disso, meu pai tinha um time organizadinho, o Dom Bosco, com uniforme completo, que jogava em campo oficial de grama. Só que eu era muito pereba para jogar no time dele. Quando o adversário furava, eu completava os 22 do treino. Fiz isso desde os treze anos, e o time era de adultos. Eu passei anos apanhando muito até aprender a bater.

Às vezes, acompanhando o futebol pela televisão, principalmente quando vejo o Flamengo atual jogar, tudo que eu desejo é ver um pouco dessa dedicação de amador encarnar nos atletas profissionais. Afinal, o futebol é uma bênção, mas também cobra as suas contas.