Para se falar da relação televisão-Jogos Olímpicos é preciso deixar para trás uma sucessão centenária de acontecimentos e pular diretamente para os anos 1980. Não que tenham sido as primeiras transmissões, claro que não. Mas o entendimento do super-evento como sendo feito por e para as estações de tv, sim.

E falou em evento para televisão, entretenimento, show, business, falou em Estados Unidos da América. Os Jogos de Inverno de 1980, em Lake Placid, foram um ensaio mas foi a partir de Los Angeles, 1984, que a televisão entrou para valer nos bastidores olímpicos. Mudando horários de competições, pensando nas datas e locais conforme a necessidade técnica e logística das emissoras, vendendo o produto, acima de tudo. A grande guerra pelos direitos de transmissão – que hoje atingem cifras astronômicas – começou ali. Trinta anos depois não se pode imaginar os Jogos Olímpicos como um evento não-televisivo. Tudo é feito em cooperação e coordenação com as emissoras detentoras e, sobretudo, com a HB, a “Host Broadcast”, a responsável pelas transmissões nas arenas.

Muita gente já deve ter ouvido os narradores brasileiros se justificarem diante de um erro técnico em transmissão de evento esportivo disputado no exterior: “Lembramos que não somos os responsáveis pela geração das imagens. A geração é da tv argentina, paquistanesa, hondurenha, sul-africana etc…”.

No caso dos Jogos Olímpicos essa responsável invisível pela geração de imagens chama-se OBS (Olympic Broadcasting Services). A empresa, sediada em Madri, foi criada pelo próprio Comitê Olímpico Internacional, em 2001, para assumir inteiramente as transmissões olímpicas. A intenção era padroniza-las – e evitar que as tais reclamações recaíssem sobre emissoras não acostumadas a transmitir determinados eventos.

A OBS trabalha com profissionais de tv do mundo inteiro e é com ela que os jornalistas de tv que cobrem as Olimpíadas se relacionam dentro e fora do IBC, o centro de imprensa eletrônica (jornais, por exemplo, ficam no MPC). É claro que a OBS precisa de auxílio em determinados eventos. E, por meio de parcerias, utiliza o know how de emissoras locais e estrangeiras. Em Pequim 2008, a TV Globo cedeu cinegrafistas e técnicos para as transmissões do vôlei de praia nos Jogos, uma vez que anos e anos de experiência transmitindo o esporte fizeram destes profissionais os mais gabaritados internacionalmente para isso. Assim, mesmo usando os uniformes e sendo subordinados aos diretores da OBS, eram todos brasileiros os responsáveis por levar ao mundo as imagens ao vivo do Parque Cheyong, na capital chinesa.

Muitos poderiam imaginar que tendo o Brasil excelentes profissionais e estações de tv bem equipadas – e também pelo fato de os Jogos de 2016 não serem exclusivos de nenhuma emissora – seriam as tvs brasileiras (ou ao menos a Globo, que, ao longo dos anos, detém maior experiência nesse tipo de cobertura) as responsáveis pelas transmissões dos eventos no Rio. Não serão. Seria impossível disponibilizar todo o equipamento necessário para estar em todas as arenas, todos os dias, em todas as provas. E essa é uma exigência do COI à cidade sede.

No Pan recém encerrado vivemos – ou não vivemos, melhor dizendo – a experiência de (não) ver as seleções brasileiras de handebol em ação. Por ser modalidade amadora no Canadá e sem especial interesse do público e da tv locais a Odepa (Organização Desportiva Pan-Americana) aceitou que não houvesse estrutura oficial de emissão de sinais a partir do ginásio onde se disputava a competição. Nos Jogos Olímpicos isso não pode acontecer.

O COI parte do pressuposto, correto, de que em qualquer lugar do planeta haverá alguém interessado em pelo menos uma competição de um dia olímpico. Obviamente, esse interesse sempre existiu. O que não existia há alguns anos era a capacidade técnica de se instalar equipamentos de tv e de retransmitir esses sinais em todas as instalações. As televisões americanas tiveram papel fundamental nesse processo de globalização e inclusão digital de todas as modalidade olímpicas.

Se você, telespectador, poderá ver aquilo que quiser, na hora em que quiser… Já são outros quinhentos. Ou até mesmo uma questão de tempo. Não muito tempo. Acredito que muito em breve essa possibilidade de escolher ao que assistir pelo controle remoto estará disponível até mesmo em tv aberta. Por enquanto, o que é exibido ainda depende de interesses comerciais, de audiência, de grade de programação, de orçamento, enfim, isso depende do que querem as emissoras de tv. Mas os sinais estarão disponíveis para que qualquer uma delas (as que compraram os direitos, é claro) plugue uma competição ao vivo e a exiba para o seu país de origem.

Todo esse leque de possibilidades requer muito investimento por parte da mídia. Diante de uma audiência cada vez mais bem informada não se pode enrolar o telespectador. Hoje não se acompanha mais um evento deste porte apenas pela tv. O público pode seguir seus atletas favoritos nas redes sociais, pode ver online a programação de tvs do exterior, pode tanta coisa que os jornalistas e comentaristas são obrigados a estar muito bem fundamentados, informados, antenados com o que está rolando nos Jogos.

http://www.youtube.com/watch?v=LsZX_ZUddv4

Além disso, imaginem o quanto não se precisa investir. Se você tem os sinais e pretende, em algum momento, transmitir uma prova que seja de uma modalidade qualquer, é necessário contratar um comentarista/especialista, ter uma cabine de locução, ter narradores e repórteres disponíveis, sem falar dos técnicos, editores, operadores de áudio, produtores. E, não tenha dúvida, por mais que toda essa gente seja apaixonada por Jogos Olímpicos… Ninguém trabalha de graça.

Na hora de botar tudo isso na ponta do lápis, não chega a ser barato transmitir as Olimpíadas. Ou ao menos tentar transmiti-las com qualidade e atratividade para o telespectador. E no mundo disputado da audiência não há espaço para o Barão de Coubertin. Quem gasta milhões e milhões de dólares não acha que o importante seja competir. Todas as emissoras querem ganhar espaço, ganhar o público, trazer anunciantes, fazer valer o investimento.

Aqui no Rio as tvs brasileiras trataram de tentar impor algumas vontades. COI e televisões vêm negociando há anos os horários das competições. O vôlei é muito popular por aqui. As tvs do Brasil querem o vôlei em horário nobre.

atletaMas para muitas nações de peso outras modalidades são mais importantes. Os americanos não abrem mão da natação num horário que seja bom para os Estados Unidos. Os japoneses fazem lobby por finais do judô o mais tarde possível (para que, no fuso horário, eles não tenham disputas por medalhas de ouro às sete da manhã. Preferem que sejam às onze, meio-dia). Mas, na Rio 2016, as finais do esporte serão na madrugada/início da manhã japonesa…

Foram reuniões intermináveis para se chegar a um calendário que pudesse, se não agradar, atender às maiores necessidades de cada um.

Sendo assim, antes de procurar o serviço de atendimento ao cliente, antes de xingar o narrador, o comentarista, o repórter e todas as gerações de jornalistas que estarão ali porque marcaram a disputa do ouro do seu esporte favorito para um horário esdrúxulo, saiba que a culpa pode ser da tv chinesa. Ou coreana. Ou dos americanos. Dos russos. Franceses? Italianos? Japoneses? Pode ser culpa de um monte de gente interessada naquele horário de exibição do produto. Pode ser até que seja mesmo culpa da tv brasileira. Mas aí não sou eu quem vai entregar ninguém!

Bons Jogos. Se não der para ver ao vivo… boas compras do mês. Porque se você é assim como muitos de nós… não vai desgrudar da telinha.

Imagem: SporTV

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