Estes dias de repouso forçado em casa têm me levado a ver bastante televisão para passar o tempo, além de ler. E, no último domingo, procurando algo que não fosse mesa redonda de futebol após a derrota do Flamengo, me deparei com um documentário no canal MTV abordando o cantor e compositor de funk Mr. Catra.

Os leitores que conhecem este editor um pouco mais de perto sabem que não morro de amores pelo funk. O que sabia sobre o sujeito é que cantava letras sexistas e que tinha uma família, digamos, “alternativa”, com diversas mulheres e muitos, muitos filhos.

Mas ainda assim resolvi parar para ver o documentário e perceber um personagem bastante interessante fora dos palcos. O documentário aborda o personagem na vida cotidiana, fora dos palcos, gerenciando seu modelo de família bastante “diferente” e mostrando uma pessoa completamente diferente do que parece nos palcos.

Um bom exemplo disso é que a formação musical dele vai desde rock (Van Halen) até o sertanejo de raiz (Almir Sater). Catra transita por projetos como o “funknejo” – que gerou o sucesso “Presidente por Um Dia” – e o CD de sambas bastante interessante que gravou em 2012 – abaixo, uma faixa que lembra bastante o cancioneiro de Bezerra da Silva. Ou o concorrente para a Mocidade Independente de 2015, cujo áudio abre este post.

Fica claro que o funk, para ele, é mais um “ganha pão” que propriamente um estilo de vida ou o melhor gênero de música. Isso fica claro em determinado momento do documentário, em que ele é questionado sobre isso e responde que “precisa colocar dinheiro dentro de casa”.

Catra fala cinco idiomas – inclusive o hebraico – e é formado em Direito. O programa mostra que a viagem a Jerusalém empreendida pelo cantor e compositor há dez anos marcou profundamente suas convicções religiosas, um misto de cristianismo e judaísmo. A casa do cantor, mostrada, tem símbolos judaicos compondo a decoração em alguns ambientes. Vários de seus filhos tem nomes bíblicos, inclusive.

Algo também bem interessante é a separação entre o personagem que sobe ao palco e o Catra da vida real. Tanto ele como Sílvia, uma de suas esposas – que dá ótima entrevista – deixam claro que a “putaria” cantada nos funks se restringe aos palcos. Chega a ser engraçado ver o artista dizendo em uma das passagens que não curte coisas como swing, ménage e coisas correlatas.

Seu conceito de “putaria”, como explanado, seria o de “homem e mulher em um sexo bem gostoso e bem feito”. É um conceito bem curioso: ao mesmo tempo em que trata o sexo como algo libertador entre o homem e a mulher, traz uma visão extremamente conservadora.

Como conservadora é, também, sua abordagem sobre o papel do homem e da mulher. Nenhuma de suas esposas trabalha e ele se considera responsável pelo sustento da casa e das múltiplas bocas. Vale ressalvar/ressaltar que a entrevista dada por Sílvia dá a impressão de que este arranjo pessoal e particular do artista é aceito por todos os atores envolvidos.

A entrevista dela, embora eu nem de longe concorde com tudo, dá o que pensar. Sílvia está com Catra há 19 anos e expressa uma visão das coisas bastante interessante. Para começar, não faz distinção entre os filhos de Catra com ela e com outras mulheres, afirmando que, para ela, são todos filhos independentemente da mãe, e que não trata diferente.

Depois, expressa uma visão que, no mínimo, é fora do que se convenciona na sociedade: que “homens e mulheres são diferentes” e que “mulher que pede explicação a homem está pedindo para ser enganada”. Reproduz um pensamento machista? Provavelmente sim. Mas expressa algo que eu admiro, que é dar um bico para longe na hipocrisia. Melhor assumir isso do que expressar algo que não se é, como se cansa de ver na sociedade.

Vale acrescentar que o arranjo de família encontrado por Mr. Catra, embora inusual e longe das convenções estabelecidas pela sociedade ocidental, à primeira vista parece bem mais estável que muita família “padrão convencional” de marido, esposa, filhos e papagaios. Não adianta nada colocar no Facebook fotinho de família “comercial de margarina” e na verdade fazer pressão até conseguir colocar a amante em cargo gerencial no local onde trabalha…

No fundo, se há alguma lição que o documentário deixa, é exatamente essa: que nem tudo precisa caber em um padrão ou modelo pré-determinado. E isso vale tanto para as convicções e arranjos de vida do protagonista como para desmistificar aquela ideia muitas vezes corrente que a pessoa pública leva uma vida pessoal exatamente igual ao que representa à frente das cortinas. Como o próprio Mr. Catra deixa claro, é apenas um trabalho.

Não concordo com muitas das ideias defendidas por Catra – em especial o machismo e seus derivados – mas o documentário descortina um personagem extremamente interessante, com muito a se dizer e saindo daquele estereótipo que a sociedade confere aos funkeiros em geral.

Não sei quando a MTV irá reapresentar o documentário – aqui o leitor pode ver parte do depoimento de Sílvia – mas vale uma olhada atenta. Nem que seja para ouvir a versão de “Tédio”, do Biquini Cavadão – que, apesar da letra para lá de politicamente incorreta e machista (abaixo), é bem mais criativa que a original…

2 Replies to “Mr. Catra”

  1. Migão, GOSTEI MUITO DO TEXTO, já assisti alguns documentários feitos pelo cantor.

    E em uma única frase, você conseguiu calar a boca de todo mundo que é o oposto do cantor.

    De que adianta, ser uma família de margarina, se na primeira oportunidade que tiver com outra mulher fora do casamento não irá deixar passar.

    OBS: Sempre tive com pensamento o seguinte : ( Prefiro viver o pecado ao mentir na oração)

    Abraços

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