Alguns dos oposicionistas ao governo Dilma criticam a presidente da República e o Partido dos Trabalhadores por tentar implantar no Brasil uma ditadura comunista. Pra implantar o comunismo no Brasil, o PT teria o apoio do Foro de São Paulo¹ , organização que estaria instaurando a ditadura comunista por toda a América Latina.

A possível ditadura comunista vem justamente no momento em que o lucro dos bancos privados do país cresce. O lucro dos três maiores bancos privados do país chega a 27% entre janeiro e setembro de 2014. Um aumento de R$ 27,4 bilhões na soma dos resultados de Itaú Unibanco, Bradesco e Santander.

Se sairmos dos bancos e formos para o campo e a reforma agrária, o governo Dilma teve, de 2011 a 2014, 493 projetos de assentamento, beneficiando 107,4 mil famílias. Esse número é bem menor do que os dois governos do PSDB. Entre 1995 e 1998, foram 287.994 famílias assentadas. Já no segundo governo FHC, foram 252.710 famílias. Já nos governos Lula, os anos de 2005 e 2006 beneficiaram mais famílias que toda a primeira gestão Dilma. Respectivamente Foram 127.506 e 136.358 famílias beneficiadas. No total, o primeiro governo do PT assentou 381.419 famílias e o segundo, 232.669.
lula e fidelOs programas sociais são os principais pontos de crítica desses que dizem que há já o comunismo no Brasil. O Bolsa Família, criado em 2003 e que unificou programas já existentes no governo do PSDB, é o principal alvo. Além dele, o ProUni, Fome Zero e, mais recentemente, o Mais Médicos. Programas esses que fizeram o país sair do mapa da fome da ONU e fez com que, de 2002 a 2012, 21% da população brasileira ascendessem da classe baixa para a classe média, mas nesse caso podemos citar aqui o ator Gregório Duvivier, que na sua entrevista ao Programa do Jô, da TV Globo, disse que Lula não implementou o socialismo, mas sim “democratizou o capitalismo” no Brasil.

Os críticos também falam das relações internacionais dos governos do PT. É fato que desde 2003, o Brasil não “fala grosso com a Bolívia e fino com Washington”, como disse Chico Buarque. O maior país da América Latina começou a conversar com seus pares. Deixou o projeto da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) de lado e investiu no Mercosul e projetos bilaterais com países Latinos, como Cuba (aí sim uma ditadura socialista), e países africanos, porém, essas negociações foram ainda na época de Lula presidente e Celso Amorim à frente do Itamaraty.

O grito desses que bradam contra a ditadura comunista já em vigência no Brasil esquece que o PT e Dilma se aliaram a partidos de centro, como o PMDB, e direita, como o PSD e PP. Mais que isso, esquecem a própria história do país.

O comunismo no Brasil

Para fazer um resgate histórico do comunismo no Brasil, é bom lembrar que nenhum país teve o comunismo. A União Soviética, os países do leste europeu, China, Cuba e até a Coreia do Norte tiveram experiências de socialismo, mas o comunismo que prevê um governo do povo sem a presença de uma pessoa que comande tudo não existiu. Posto isso, vamos ao resgate histórico.

Desde a Revolução Russa, em 1917, o monstro do comunismo assombra o Ocidente ainda mais em um país com um passado agrário dos coronéis e oligarquias presentes até hoje na nossa cultura. O último país a abolir a escravidão tem medo, desde então, da reforma agrária.

O primeiro ato de militância contra as oligarquias após 1917 foi a Coluna Prestes. Realizada pelo movimento tenentista na década de 1920, contra a República Velha do Café-com-leite. Liderada por tenentes, as principais rebeliões aconteceram nos quartéis do Rio de Janeiro e depois em São Paulo, em 1924, essa liderada pelo tenente Miguel Costa. Uma outra frente tenentista surgia no Rio Grande do Sul liderada por Luis Carlos Prestes.

Em 1925, as duas frentes se encontraram em Foz do Iguaçu e percorreram 2.500 quilômetros em 11 estados durante dois anos e meio. Com denúncias da situação política e social do país, a Coluna preocupava os donos de terras e principalmente o governo que atuava nos bastidores² para derrubar Miguel Costa e Prestes, o Cavaleiro da Esperança.

Com o fim da coluna, em 1927, na Bolívia, Luis Carlos Prestes parte para a Rússia, se filia ao PCB e começa a pensar no único momento em que o comunismo pôde estar perto do Brasil.

imagesJá na ditadura Vargas, a Ação Nacional Libertadora – ANL – planejava o golpe comunista e, com apoio monetário e de agentes da Rússia. Prestes era um desses e voltou ao Brasil com sua futura mulher, a alemã Olga Benário. O movimento começou nos quartéis e se imaginava que ganharia apoio popular para derrubar Vargas. Em 23 de novembro de 1935, os revolucionários chegaram ao poder no quartel de Natal (RN) por três dias. Depois a revolução se alastrou para os quarteis do Maranhão, Recife e do Rio de Janeiro, no dia 27.

O principal erro dos revolucionários foi que as rebeliões aconteceram em dias diferentes, o que deu para o governo Vargas sufocar o crescimento delas. Vargas decretou estado de sítio e forte repressão aos envolvidos na Intentona com Prestes preso e a judia Olga enviada a Hitler como “um presente”. Nesse golpe frustrado, apenas duas mortes. A informação de que integralistas foram mortos dormindo é falsa, como dizem alguns historiadores, e pode ter sido espalhada pelo braço direito do ditador, Filinto Müller.

Após a Intentona, o fantasma do comunismo continua a rondar o Brasil, assim como em todo o mundo. Apesar da ligação com países comunistas e a promessa de reforma agrária, João Goulart não implantaria o socialismo no Brasil e muito menos o comunismo porque, como disse anteriormente, em um país agrícola, e já com indústrias na época, jamais um presidente conseguiria fazer a reforma agrária no país e para isso usariam até a ilegalidade para impedir, como foi o golpe de 31 de março de 1964.

mercosul-cupula-20121207-size-598Durante os anos de ditadura militar no Brasil, várias revoltas lideradas por comunistas tentaram ainda tirar o poder das mãos dos militares, mas todas elas sem sucesso. Desde assaltos a bancos até a Guerrilha do Araguaia, passando pelo sequestro do embaixador americano. Na nova democracia então é que o comunismo não teve chance. Os preços congelados do Sarney, a abertura para o mercado externo de Collor, as privatizações de FHC, as alianças de Lula e os números de Dilma, que coloquei no começo do texto, mostram que estamos bem longe de uma ditadura comunista.

A Venezuela está longe de ser comunista. A China é uma das maiores economias capitalistas do mundo. Cuba começa a se abrir para os EUA. Mesmo que a Coreia do Norte fique isolada do mundo para sempre, será difícil se manter sem apoio externo, nem que seja na ONU ou para negociar tréguas.

Hoje, o comunismo vive dentro da cabeça daqueles que ainda acreditam na Guerra Fria do que nas revoluções mundo afora.

Notas do autor:

¹O Foro de São Paulo é uma organização criada em 1990 que foi criada para discutir alternativas para o neoliberalismo. Idealizado pelo PT e Fidel Castro, hoje reúne 47 instituições de 23 países da América Latina. 12 países são governados por partidos que integram o Foro (Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Dominicana, República Dominicana, Equador, El Salvador, Nicarágua, Peru, Uruguai e Venezuela), um país é governada por partido aliado ao Foro (Argentina) e a organização tem o principal partido da oposição em quatro países (República Dominicana, Honduras, México e Panamá). No Brasil, sete partidos integram o Foro. Desses, três estão no governo – PT, PCdoB e PDT – e quatro – PCB, PSB, PPS e PPL – na oposição

²A Coluna Prestes preocupava tanto o governo de Artur Bernardes que o presidente nomeou, através de um agente do Ministério da Agricultura, o cangaceiro Lampião como Capitão dos Batalhões Patrióticos para impedir que o movimento crescesse no Nordeste. Para convencer o bandido, o presidente teve o apoio de Padre Cícero. Lampião encontrou com a Coluna uma vez antes de tornar capitão, porém, o confronto não teve vencedores, mas o cangaceiro acreditava lutar contra os policiais. Já nomeado capitão, Lampião e seus cangaceiros tinham uniformes e fuzis automáticos oficiais, porém, foram traídos e perseguidos pela polícia em Pernambuco. Com isso, Lampião decide abandonar o combinado com o governo.