Nem preciso entrar muito em detalhes do que ocorreu semana passada no jogo Boca x River na Bombonera, né? Todo mundo viu a selvageria da torcida do Boca jogando spray de pimenta no time adversário na volta do segundo tempo.

Todo mundo viu literalmente porque todo o mundo viu. As imagens correram o planeta e jogaram mais uma mancha negativa em relação ao futebol sul-americano e justo no mesmo dia em que teve semifinal de UCL com exemplo de desportividade e organização.

Semana passada escrevi sobre o fascínio que o futebol europeu exerce sobre os nossos jovens e, logo depois que escrevi a coluna, ocorreu um fato desses para me lembrar que esqueci um item importante: os tempos mudaram, mas alguns não perceberam.

O sul americano sempre teve essa mania de ser “mais homem” que os outros. No futebol gostam de intimidar, gostam de deixar a situação o mais difícil possível para torcida e times adversários. Amedrontam, abusam da covardia e usam a justificativa que “futebol é coisa de homem”.riverboca2015

Na Europa já foi assim. a torcida europeia não virou exemplo de bons modos de um dia para o outro, de vez em quando temos casos de violência e de racismo, mas, ao contrário daqui, o banditismo disfarçado de torcida é ferozmente coibido.

Muitos problemas tiveram de ocorrer, principalmente em relação a torcidas inglesas. Uma grande tragédia teve de ocorrer na final da Copa dos Campeões de 1985 com pessoas morrendo sendo pisoteadas para que a Uefa tomasse uma atitude. Suspenderam os clubes ingleses de competições internacionais e aí começou a mudança necessária.

Não adianta. O mundo nunca estará livre da violência. Mas parar de glamourizar e passar a combatê-la já são grandes passos.

bomboneraConheci o estádio da Bombonera. Estádio lendário, mítico, realmente arrepia pisar em seu gramado. Mas também assusta. É no formato de uma caixa de bombom (por isso o nome) e a pressão ao adversário tende a ser insuportável. O Flamengo em 1991 comeu o pão que o diabo amassou jogando contra o Boca pela Libertadores. Não puderam se aquecer no vestiário e jogadores tomaram pedradas se aquecendo no campo.

Libertadores é assim, “torneio de homens”. A Conmebol não se importa de mandar os times jogarem numa altitude desumana, faz vistas grossas para a selvageria de algumas partidas. Geralmente em estádios acanhados em que a polícia tem de proteger com escudos até cobrança de escanteio de times visitantes. Não foram poucos os jogos recentes em que brasileiros venceram fora de casa e houve confusão pós-partida.

E nada é feito. Tudo é permitido abaixo da linha do Equador. Tanto que o Mundial que era disputado com uma partida na Europa e outra na América do Sul, teve de buscar sede no Japão porque os europeus começaram a se recusar a jogar aqui.

Não somos santos. A selvageria também reina no futebol brasileiro e nem precisamos ir muito longe. No mesmo dia em que escrevo essa coluna teve confusão no jogo entre America x Olaria pela Série B carioca. Um jovem perdeu a mão em um jogo sem apelo nenhum de público – depois, soube-se que foi uma briga marcada pela internet por integrantes de uma facção da torcida do Vasco, já que há menos policiamento nos jogos dos “pequenos”.

A questão vai muito além de torcer. As torcidas organizadas geralmente são formadas por jovens de baixo poder aquisitivo que usam o futebol para extravasar problemas do dia a dia. Cada vez mais as organizadas são usadas na política do clube e até mesmo pelo tráfico de drogas. Torcidas brigam entre si porque se dividem em facções.

E nem podemos falar que estão esperando uma tragédia acontecer por nossas bandas porque elas são rotineiras. Seja no lado de fora de um estádio, seja em briga generalizada até em final de torneio de juniores. Muitos são os mortos do futebol.

kevinespadaKevin Espada morreu e só ele foi punido. Todos os acusados gozam liberdade, alguns se meteram em novas confusões ou foram assassinados, o Corinthians quase não sofreu punições. O Boca foi punido levemente pela ação de sua torcida e não duvido que revertam a punição de jogar com portões fechados.

A punição mais curiosa é aquela que não sabemos se é verdadeira. Que a América do Sul perdeu uma vaga na Copa do Mundo em troca de um alívio da Fifa em relação ao Boca. Sendo verdade ou não, também é um absurdo. O banditismo usado de forma política. Coisa, infelizmente, costumeira não só no futebol sul americano, mas na nossa vida em geral.

Vivemos uma era em que não podemos ir a um estádio torcer, não podemos pedalar (assunto pra amanhã) e jogador de futebol não sabe nem se vai sair vivo de campo. Como já disse em colunas anteriores parece que voltamos à era das cavernas.

Vão esperar um jogador ser assassinado em campo para fazerem algo?

Fica a pergunta.

E uma afirmação:

Futebol não é coisa de homem. Futebol é coisa de gente.

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