Durante minha infância e adolescência, ouvi repetidamente a mesma pergunta após revelar que sou portelense: Porque? Mas o pior é que eu nunca soube responder direito. Nascido e criado na Zona Sul, não conheci Madureira e a quadra da Portela até 2004. Minha família, em sua maioria, torce para a Imperatriz Leopoldinense e eu nunca vi minha escola campeã, já que nasci em 1982. Bem, escrevendo isso, entendo melhor o porquê de todos fazerem a mesma pergunta…

Tento até hoje explicar o que aconteceu na madrugada de 11 para 12 de fevereiro de 1991. Esse ano, foi o primeiro que assisti a todos os desfiles completos e quando a quarta escola de segunda-feira entrou na Sapucaí, eu não sei explicar direito, mas ao ver a águia, naquele momento eu simplesmente sabia que eu era portelense!

Tudo era diferente, aquele azul não era da terra, não era do mar. O público reagia de forma diferente, aqueles desfilantes cantavam mais emocionados feito uma reza, um ritual e eu me arrepiava sem entender porque. E para completar, o refrão revelava à criança vidrada na TV, parte da grandeza daquela Escola: “Posso perder, posso ganhar isso é normal/vinte e uma vezes campeã do Carnaval”.

Em 1997 fui pela primeira vez à Marquês de Sapucaí, mas para assistir o Desfile das Campeãs. Saí dali com a certeza que juntaria dinheiro durante todo o ano para comprar ingressos ao menos, para uma noite de desfiles, mas na noite que tivesse a Portela desfilando. Eu não consegui. Fui realizar o sonho apenas em 1999 quando comprei ingresso da arquibancada do setor 3 e fiquei na grade branca, desde as 17 horas. A águia entrou, virou pra gente e gritou. Eu chorei durante 80 minutos. Essa última parte, acontece até hoje.

portela2004Mas como falei lá em cima, foi em 2004 que fui pela primeira vez à quadra. A partir de agora, peço para que ignorem o fato de que tudo que contarei aconteceu na trágica administração Nilo Figueiredo.

Cheguei à quadra e, após passear para conhecê-la melhor, procurei alguém para perguntar quem era o novo intérprete da escola. Um senhor me respondeu que ele ainda não havia chegado, que era um rapaz que veio da Baixada e perguntou se era minha primeira vez ali. Antes de continuarmos, o intérprete em questão era Bruno Ribas.

Respondi ao diretor que era minha primeira vez e que eu era portelense. Ele duvidou. Perguntou aonde eu morava, respondi Botafogo. Perguntou minha idade e ainda me olhando estranho, insistiu: “Você é portelense mesmo?”. Após mais um aceno de cabeça positivo, eu parecia ter convencido o homem. Ainda assim, por agrado ou para tirar a dúvida de vez, ele disse: “então não saia daqui, você vai ganhar um presente”. Fiquei por ali um tempo achando que receberia uma camisa da escola.

O novo intérprete chegou, sambas antigos foram entoados e o de 2005, com o perdão dessa terrível lembrança, começou a ser tocado. Harmonia abriu o centro da quadra e, enquanto Mestre-Sala e Porta-Bandeira evoluíam no espaço deixado eu, encantado, sequer lembrava do tal presente. Em um determinado momento, uma fileira de quatro dirigentes se formou próximo a mim e o pavilhão da Escola foi trazido até eles, para que esses o beijasse, em sinal de respeito.

Gesto característico do mundo do samba. Num momento de distração aquele diretor dispersa a fileira de dirigentes, pega no meu braço, pede para que eu largue a cerveja e me leva para o meio da quadra. Os poucos segundos que fiquei ali, sozinho, exposto para 8 mil pessoas, foram o suficiente apenas para eu vê-lo chamar de volta o casal e apontar pra mim. Ao entender finalmente o que estava acontecendo comecei a chorar, muito! Eles trouxeram a bandeira e ofereceram para que eu beijasse, essa é a última parte que eu lembro tamanha a emoção. Após isso, conheci diversas pessoas da escola incluindo Dodô da Portela, que beijou minha mão e disse: “Que bom que você está aqui, obrigado”.portela2004d

Não consigo até hoje explicar o que sinto nem muito menos os motivos de tais escolhas na vida, mas uma coisa tenho certeza: Se seus filhos disserem que querem ser portelenses não se preocupe, é de coração. Ninguém irá entender, os torcedores de outras agremiações ficarão confusos, incrédulos, contestarão… Mas lembre-se que se passarmos mais 31 anos sem ver um título, ainda assim não saberemos explicar com palavras esse amor, mas seguramente continuaremos portelenses!

Aquele abraço!

5 Replies to “Portela, eu nunca vi coisa mais bela”

  1. Bom dia!

    Prezado Alex Cardoso:

    Com este episódio de sua primeira vez na quadra da Portela, você zerou a vida no carnaval!
    Outros tantos com bem mais tempo de estrada não chegaram nem perto de tal experiência. Sinto uma inveja boa aqui, e não posso deixar de parabenizá-lo.

    Viva a Portela!

    Atenciosamente
    Fellipe Barroso

  2. Eu te entendo tão bem…sou de São Paulo mas quando criança passava o carnaval no Rio com alguns parentes… todos mangueirenses mas a moça que trabalhava na casa deste parente era Portela e como eu gostava dela era Portela tb…
    Em 1983 fui para a av…quando a Portela entrou e aquela águia maravilhosa olhou para mim e gritou,por um momento senti meu coração parar e ali tive a certeza…sou Portela pq sou Portela …essa águia…
    Linda sua história..lindo texto…me emocionei!

  3. Carnaval não se mede por títulos! Não é uma competição esportiva!
    Parabéns pela revelação. Foi um belo batizado. Samba é samba.
    Abs.

  4. Salve a Portela! Essa escola não em como explicar a paixão que nasce por ela, visto que é algo muito difícil definir. Sou torcedor da Portela desde 1980 quando tinha 14 anos e frequento sua quadra e já tive o prazer de desfilar nessa escola por algumas vezes. A Portela passou alguns anos por desmandos e percalços, mas vem agora com uma admistração séria e competente levando a mesma a disputar na parte de cima. Fiquei emocionado com os desfiles de 2014 e 2015, pois vi a Portela de verdade passar pela Avenida, espero que continue assim. A Portela não ganhou o primeiro lugar, mas foi escolhida como a verdadeira campeã por aquela multidão que assistiu aos seus magnificos desfiles. Portela ontem, hoje e sempre.

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