Não vou entrar no mérito se impeachment é golpe ou se não é, se faz bem ou se não faz, se é o caso ou se não é. Há pelo menos 1 TB de textos na internet defendendo posições raivosas e antagônicas sobre o tema e não pretendo escrever mais um. Meu objetivo é olhar para o dia seguinte do impeachment.

É claro que até chegarmos a esse dia muita água vai passar por debaixo da ponte e quem sabe até role algum sangue de verdade, mas também não quero tratar disso agora. Também vou pular a parte da longa e tediosa tramitação processual.

Por enquanto, só quero uma coisa: convidar os privilegiados leitores do OT a pensarem um pouquinho no Brasil que nos espera nesse dia seguinte, porque essa reflexão, ao que tudo indica, está em falta nesse debate acalorado.

O impeachment, convenhamos, é um dado de realidade muito concreto e não adianta ficar esperneando contra ele. É possível que venha a acontecer e é melhor estar preparado para a sua consumação.

Há, concretamente, três hipóteses dentro da lei – além, claro, de sempre haver a chance de agir fora da lei.

– DILMA SOFRE O IMPEACHMENT SOZINHA

A primeira hipótese, mais óbvia e provável, é que Dilma sofra o impeachment sozinha. Nesse caso, Michel Temer assume a presidência e governa até o final de 2018.

Michel TemerMichel Temer, que completa 75 anos esse ano, é um professor de Direito Constitucional, autor de livros famosos sobre a matéria – nos meus tempos de faculdade estudei pelo livro dele, que é ótimo. Por conta de seu destaque acadêmico foi nomeado procurador geral do Governo de SP por Franco Montoro em 1983 e depois virou secretário de segurança pública.

Candidatou-se a deputado para participar da Assembleia Nacional Constituinte em 1986 e soube aproveitar o momento: como era um raro estudioso no meio de políticos mais afetos às coisas mundanas, rapidamente ganhou luminosidade.

Se alguém fosse apostar em 1987 onde Michel Temer poderia chegar, o mais correto seria cravar que ele tentaria ser Ministro do STF (como Nelson Jobim, o outro jurista da Constituinte) e lá certamente não faria feio. Mas ele tomou gosto pelo baixo clero da política e ali se criou, tendo sido eleito três vezes presidente da Câmara, líder do PMDB e presidente do PMDB, condição que o catapultou para a vice-presidência.

A experiência executiva de Michel Temer é zero – o que, antecipo, não é uma crítica, é só uma constatação. Ele sempre foi um político dos bastidores, da articulação nas sombras, de aparecer o mínimo possível. Na última eleição que concorreu para a Câmara por muito pouco não ficou de fora, pegou a última vaga à disposição.

Em termos de inexperiência administrativa e falta de carisma, Temer, enfim, se assemelha à Dilma. Difere dela, no entanto, em dois aspectos, um negativo e um positivo: a) Dilma tem uma base de apoio social muito mais ampla e milhões de militantes dispostos a brigar por ela, ao passo que Temer não tem nada além do seu entorno; b) entretanto, Temer possui uma inequívoca habilidade de costurar alianças e construiria uma relação com o Congresso muito mais amigável.

Os setores que hoje pressionam pela queda de Dilma deverão arrefecer. Temer terá uma imprensa menos raivosa, uma classe média mais tolerante, uma elite mais conformada. Terá, enfim, a paz que Dilma não terá nem tão cedo – se é que voltará a ter.

Porém, no frigir dos ovos a tendência é de que Temer aprofunde ainda mais o que o Brasil tem de pior, com mais loteamento dos cargos, mais clientelismo e, claro, ainda mais corrupção. A ironia suprema é que os principais envolvidos na Operação Lava-Jato podem dar as cartas com mais vigor ainda em um hipotético governo Temer. Seria como se todos estivessem sendo promovidos, saindo da periferia do poder diretamente para o seu núcleo central.

Seria mesmo muito irônico que o resultado final disso tudo fosse promover os ratos diretamente à cabine de comando, mas isso não parece ter a menor relevância para as forças políticas.

Afinal, com Dilma fora e o PSDB idem, ambos os partidos se preocuparão em se reagruparem para o embate de 2018. A Temer caberá apenas levar o país em banho-maria até lá, provavelmente com o aprofundamento da crise econômica e uma completa ausência de identidade – mal comparando, será como uma massa falida administrada por um síndico nomeado que não vê a hora de pular fora.

Provavelmente refém do Congresso a quem deverá sua “eleição”, é possível especular que fará um governo paroquial, preocupado em dar conta das incansáveis demandas dos congressistas, com baixo rigor fiscal e alguma dose de populismo.

– DILMA E TEMER SOFREM O IMPEACHMENT AGORA

Como – ate aqui – é consenso de que não há envolvimento direto e pessoal de Dilma com os fatos que desabonam o PT e a base aliada, o correto seria que Temer sofresse, junto com ela, o impedimento, já que é igualmente beneficiário do esquema que contribuiu para sua eleição.

É uma hipótese bem rara de acontecer, porque isso pressupõe que o PMDB, comandante das duas casas legislativas, trairia Temer. No entanto, esse parece ser o desejo da maioria dos que se manifestam pelo impeachment, daí porque não se pode desprezar o que venha acontecer.

É, paradoxalmente, a melhor hipótese para o PT (evidentemente partindo-se do princípio de que haverá impeachment e de que a Constituição será respeitada).

A presidência seria exercida, interinamente, por Eduardo Cunha. Antes de mais nada, atentem para a ironia da situação: faríamos um impeachment para afastar do poder duas pessoas eleitas e contra as quais não há nenhuma acusação, ao mesmo tempo que entregamos a presidência para um outsider que é formalmente acusado de crimes.

Porém, por pouco tempo: em 90 dias serão realizadas novas eleições.

af030914-3d46-443a-bafc-d6964218d511Essas eleições são imprevisíveis (ainda mais com o tempo de campanha reduzido) mas ao menos um candidato desponta como franco favorito ao segundo turno: LULA.

Desde que se realizaram eleições no Brasil no pós-ditadura o PT ganhou ou chegou em segundo lugar. São sete eleições assim e não há razões para acreditar que agora seria diferente. O eleitorado do PT pode ter minguado, mas não a ponto de alijá-lo de vez da disputa.

90 dias parecem pouco, mas é mais tempo do que Dilma está no poder neste segundo mandato. Portanto, os ônus que hoje estão no colo do PT, podem estar no colo dos patrocinadores do impeachment. Lula tem carisma e liderança para se posicionar como um competidor forte. Quem sabe até com um discurso oposicionista e de resgaste dos bons anos.

Bom, se depois disso tudo o desfecho final for a volta de Lula à presidência vai ter coxinha se auto imolando em praça pública. Fica aqui o alerta: é bom que considerem, desde já, essa possibilidade nada desprezível. Lula é candidatíssimo.

– DILMA E TEMER SOFREM O IMPEACHMENT DAQUI A DOIS ANOS

Essa hipótese parece ainda mais rara. Imaginem o Brasil sofrendo essa hemorragia por tanto tempo. Mas não duvido de mais nada.

CAMARA/RENEGOCIACAO DA DIVIDA DOS ESTADOS E MUNICIPIOSSe o duplo impeachment vier a partir de janeiro de 2017 não teremos eleições diretas. O presidente da Câmara dos Deputados terá que convocar eleições indiretas em 30 dias depois da vacância dos cargos.

Sei lá quem essa gente é capaz de eleger, mas vale a pena dar uma conferida em quem andou se elegendo por lá nos últimos 15 anos.

Na Câmara, onde agora temos Eduardo Cunha, tivemos Henrique Alves, Severino Cavalcanti, João Paulo Cunha. No Senado, onde agora temos Renan Calheiros, tivemos José Sarney, Edison Lobão, Jader Barbalho.

Definitivamente não se trata de um colégio eleitoral muito criterioso com suas escolhas.

– FORA DA LEI

Soa um tanto óbvio que nenhum dos desdobramentos dentro da lei satisfazem plenamente os anseios dos paneleiros e manifestantes. O que mais se aproxima disso é um governo do PMDB, mas, ainda assim, longe de atender ao chamado clamor das ruas – sim, as ruas hoje mudaram de lado e possuem um viés conservador, quanto antes reconhecermos e aceitarmos isso, melhor.

Insatisfações dessa monta, aliadas a uma degradação profunda da classe política (inteiramente submissa a um mecanismo eleitoral que praticamente obriga os desvios morais inevitáveis para sobreviver no parlamento), são o combustível ideal para soluções à margem da lei.

golpe.spAté aqui as Forças Armadas parecem alinhadas com a Constituição, mas é prematuro dizer que seguirão assim. Há uma parcela da população inequivocamente fascinada com o mito de que os militares são melhores do que os políticos, se declarando disposta a romper com a normalidade.

Essa parcela hoje é minoritária, mas nada garante que não inchará, principalmente quando se aprofundarem as investigações da Lava Jato e outras que venham a ela se somar, mostrando um esfacelamento moral sem precedentes de todos os políticos convencionais.

A tentação de flertar com um golpismo explícito e que prometa o restabelecimento da ordem e da moralidade não é desprezível, principalmente no país onde os militares só saíram de cena há 30 anos, depois de serem agentes decisivos por mais de um século.

Seria, sobre todos os aspectos, uma desgraça retumbante e uma volta a um passado que até bem pouco tempo se imaginava enterrado, mas simplesmente não dá para dizer que a solução golpista é carta fora do baralho.

– E ENTÃO?

Não faço a menor ideia. Não sei o que vai acontecer e nem o que é melhor para o país. O melhor sempre seria que o resultado das urnas fosse aceito com serenidade, mas isso infelizmente não aconteceu – o impeachment de Dilma já era pedido na semana seguinte à eleição. A atitude anêmica de Dilma e as defecções dentro do próprio PT (está aí a Marta Suplicy para provar) em nada contribuem para acalmar uma fogueira que insiste em crescer.

Portanto, só me resta ser objetivo. O impeachment é uma possibilidade real e cabe a cada um de nós, admitindo que ele pode acontecer a qualquer momento, traçar nossos planos a partir dos seus desdobramentos.

Certeza, certeza mesmo, só tenho uma: as coisas estão indo de mal a pior e não vão melhorar no curto prazo, dado que ninguém parece disposto a recuar.

4 Replies to “Impeachment, Vamos a Ele!”

  1. Muito boa a sua reflexão sobre a situação atual da política brasileira. Bem escrito e com uma linguagem leve, prazerosa de se ler. Torço para que a democracia saia vitoriosa neste embate e que o Brasil continue a priorizar as políticas públicas e o combate a corrupção.

  2. Muito bem escrito e com ar didático, simples e neutro, o que é muito importante, meus parabéns.

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