(por Cassius Abreu)

Sim, aficionados e foliões de última hora. Em menos de 24h terá início “à vera” o Carnaval 2015 no Brasil, com os primeiros desfiles das escolas de samba. Não, não me refiro a ensaios técnicos ou a desfiles virtuais. Para quem não sabe, o Carnaval de Vitória tem seus desfiles das escolas de samba realizados uma semana antes do início “oficial” do Carnaval.

Assim, a partir das 22h desta quinta-feira o Sambão do Povo receberá as escolas do Grupo de Acesso (correspondente à terceira divisão) do Carnaval Capixaba. Pelo segundo ano consecutivo, acompanharei os desfiles do Grupo Especial A (na prática, o verdadeiro Grupo ESPECIAL) neste sábado – os mesmos serão exibidos na Band para todo o Brasil ao vivo, a partir das 22h10 – e, desta vez com mais “experiência”, resolvi escrever alguns posts para o Ouro de Tolo na sua cobertura carnavalesca.

Nesta quinta-feira, com a entrada liberada nas arquibancadas, apenas três agremiações irão se apresentar: Chega Mais, Andaraí (rebaixada do Grupo Especial B em 2014) e Chegou O Que Faltava. A Chega Mais é uma escola convidada, que não participa da disputa oficial, apesar de ser avaliada pelos jurados. Assim, na prática, a disputa se dará apenas entre a Andaraí e a Chegou O Que Faltava – com favoritismo total da escola verde-e-rosa afilhada da Mangueira. Infelizmente, a Rosas de Ouro (que é do município de Serra/ES e poderia incomodar a Andaraí) pediu licença do desfile deste ano, devido a dificuldades financeiras.

10961724_10203488006947442_1007238057_nA partir de sexta-feira, porém, é que o negócio “ganha corpo” com os desfiles do Grupo Especial B (equivalente à segunda divisão), o qual conta com 5 agremiações. A campeã ascende ao Especial A; a última é rebaixada para o Acesso. Os desfiles começam às 22h e deverão ter a transmissão da TV Capixaba (filial da Band no ES) pela Internet, como nos últimos anos. E, para os aficionados por escola de samba, valerá a pena acompanhar!

Os sambas-enredo dos dois grupos principais foram divulgados pela própria Lieses (Liga Independente das Escolas de Samba do Espírito Santo) em sua página no Facebook através de uma pasta do SoundCloud (cabe um parêntese aqui: a comunicação da Liga por meio da rede social é muito boa, facilitando o acesso às informações – já que o próprio noticiário local divulga pouca coisa na Internet até o começo de fevereiro). Considerando-se a média da safra, a do Grupo B está bem superior à do A, com destaques positivos em quase todas as faixas.

A expectativa no Grupo B é que as três primeiras escolas a passar no Sambão disputem o título, enquanto as duas últimas lutem contra o rebaixamento. A Imperatriz do Forte abrirá os trabalhos homenageando a Faculdade de Música do Espírito Santo, que completa 60 anos. Na verdade, a Fames funcionará como pano de fundo para a escola abordar um pouco da história desta arte milenar (mais ou menos como Boni/comunicação na Beija-Flor ano passado). A Imperatriz, que também é verde-e-rosa, foi a vice-campeã do Especial B 2014, mas esteve longe da campeã Novo Império. Para este ano, as expectativas são de que a escola venha mais forte, mas a posição de desfile pode prejudicar.

O “enredo-tema”, desenvolvido por Sandro de Oliveira (que vem da rebaixada Andaraí), permite a clássica viagem no tempo e por civilizações, culminando na faculdade homenageada. A música, no entanto, é um tema muito interessante e que sempre permite diferentes abordagens. O samba tenta ‘cobrir’ todo o enredo e tem uma boa melodia, mas a letra ocasionalmente recorre às citações básicas. No entanto, a “transição temporal” está bem feita de maneira geral e o final é agradável – o maior agravante é justamente a menção à faculdade: “Fames” não é uma palavra (e sim uma sigla) e está deslocada na letra (só fui entender este trecho do samba após a leitura da sinopse). Os refrães também não despertam muito a atenção do ouvinte e podem impedir uma melhor comunicação com o público.

A segunda a desfilar será a Independente de São Torquato, que aposta em um enredo “afro” e tem, talvez, o melhor samba-enredo do CD (incluindo o Especial A) – ainda que esteja longe de ser perfeito. A vermelho-e-branco pode surpreender caso a Imperatriz (que vem antes) e a Pega (que vem em seguida) falhem na pista, apesar de ser a terceira força do grupo – e ter sido a que mais sofreu penalidades por descumprir o regulamento em 2014. O enredo, desenvolvido por Alexandre Casotti, permite maior simplicidade do que o das favoritas, ao dar margem à utilização de materiais mais rústicos (houve até o cuidado de não falar da “realeza africana” – como gosta a Beija-Flor, por exemplo – para não se requerer um alto investimento).

Como de praxe, o desfile começará na África e fará a transição em um navio negreiro para a chegada ao Brasil. O grande diferencial proposto pela águia de São Torquato se dá em seguida, ao falar da história de alguns quilombos que resistiram aos conflitos e a toda a perseguição até hoje. O refrão do meio e a cabeça da segunda parte, inclusive, são os melhores momentos do samba (“Sou guerreiro quilombola / Rompi os grilhões, venci (…) / Revivo a esperança no olhar (…) / Caboclo ê, um filho livre da senzala”). Resta saber se as fantasias e alegorias estarão condizentes com a proposta e conseguirão exibir claramente as diferenças entre estes quilombos (ou ficarão repetidos).10965854_10203488015587658_937148534_n

No meio do desfile virá a favorita Pega no Samba. Depois de um desfile muito fraco no comparativo com as coirmãs do Grupo A (e ainda debaixo de uma leve chuva), o rebaixamento em 2014 parecia certo – como o foi. A tricolor da Consolação fará um enredo “estilo Paulo Barros”, ou seja, teoricamente abstrato e no qual cabe de tudo: “Adivinha?” – até o título curto lembra “É Segredo!” ou “É de arrepiar” –, sob o comando de Paulo Balbino. Esta foi uma excelente contratação, pois o carnavalesco (e coreógrafo) estava na Piedade (3ª colocada no Especial A de 2014). Presume-se que, desta vez, os recursos da escola deem-lhe certa segurança para concluir o trabalho adequadamente.

A leitura do tema foi feita com base na astrologia e às formas de adivinhação (cartomantes, profecias, oráculos) e o desenvolvimento vale-se dos quatro elementos (fogo, terra, ar e água) para marcar cada setor do desfile. Apesar de esta proposta ter me deixado receoso a princípio, acredito que o tema será bem conduzido e propiciará a fácil leitura do espectador e do jurado. Além disso, o samba-enredo, que se destaca na voz de Bruno Ribas, tem dois refrães fortes e uma letra que consegue contar bem este enredo sem aborda-lo de forma “bruta” (bons exemplos são a referência à quiromancia – “as linhas revelam caminhos” – e à interpretação dos sonhos – “sonhei que um novo dia já vem”). Em outras palavras: os compositores interpretaram a sinopse, fizeram uma letra fácil e que ‘provoca’ o ouvinte a interpretar o significado de cada verso. Uma boa ideia, com grata execução melódica.

As duas últimas escolas deverão lutar contra o rebaixado. A Unidos de Barreiros subiu em 2013 e conseguiu permanecer no ano passado, mesmo com um desfile de gosto discutível, graças às punições à Andaraí. A vermelho-e-branco de São Cristóvão manteve o carnavalesco Alex Santiago e contará a história de Cariacica, munícipio da atual campeã capixaba Boa Vista. Não consegui confirmar se a cidade (que está na Grande Vitória) chegou a patrocinar o desfile, mas acho pouco provável – até porque a Barreiros ameaçou não desfilar este ano por meio de um comunicado de dois diretores da escola que alegavam “sérias dificuldades”.

Sobre o enredo, não havia muito o que contar de original: começa com os índios e a explicação do nome da cidade; passa pela chegada dos negros, o engenho e a miscigenação; ressalta a fé e o movimento de migração com o trem; e termina exaltando o futebol e o povo trabalhador. Talvez a aposta seja justamente aproveitar materiais e fantasias de outra(s) agremiação(ões) (de Vitória ou mesmo de outras cidades), até por conta dos poucos recursos. O samba-enredo é apenas correto dentro do que lhe cabia. Se o refrão principal não leva à “explosão” do componente, o refrão do meio tem os melhores versos da obra em termos de letra, ao falar da fé. O começo da segunda parte também é muito interessante na abordagem diferenciada dada aos sentimentos que proporcionavam a estação de trem (“O chorar de despedida, e com sorriso te receber / Com nó na garganta, a saudade aumenta a emoção”).

Conhecida como “escola iô-iô”, a Tradição Serrana encerrará os desfiles – provavelmente para um Sambão do Povo com pouco público – falando do rádio no Espírito Santo, tentando permanecer no Grupo Especial B após um título relativamente tranquilo no Grupo de Acesso. Com um histórico de más colocações (jamais se firmou no antigo Grupo Especial, exceto quando não houve rebaixamento ou foram mais de 10 escolas participantes), a azul-e-branco da cidade da Serra aposta em ser superior à Barreiros na comparação inevitável que o júri terá de fazer já no final da madrugada de sábado.

Particularmente agrada-me bastante a ideia do carnavalesco Wilson Vila Flor, que segue firme e forte na escola. Ele fugiu do óbvio, focando no desenvolvimento histórico deste meio de comunicação dentro do estado do ES – valorizando, assim, a cultura local, o que acho fundamental nos desfiles capixabas (e que está desaparecendo nas principais escolas). É bem verdade que a Barreiros e a Imperatriz do Forte também terão como mote homenagens ao estado (indiretamente), porém a primeira manteve o óbvio desenvolvimento de enredo CEP, enquanto a segunda colocou a Fames apenas como referência no seu enredo da música.

O samba-enredo consegue traduzir muito adequadamente todo o enredo, servindo como um verdadeiro “guia” para o ouvinte – tanto que foi um dos que mais me chamou a atenção no CD, porque ‘aprendi’ um pouco da história capixaba com ele – e deverá ajudar a compreensão do desfile pelo espectador. Minha única ressalva vai para o andamento, excessivamente dolente: ele até me agrada, mas para a última escola a passar no Sambão, provavelmente com poucos componentes e torcedores, a melodia pode atrapalhar.

6 Replies to “O Carnaval vai começar – Alô, Vitória!”

  1. É uma grande honra poder ver meu mais novo amigo Cassius, que conheci na Sapucaí, com artigo aqui no Ouro de Tolo.

    Comecei a acompanhar o carnaval de Vitória ano passado, ainda que superficialmente. Este ano quero me aprofundar e essa coluna já é de grande ajuda.

    Parabéns rapaz ! Tudo de bom e muito sucesso.

    Um grande abraço.

  2. Cassius, obrigado por compartilhar essas informações. Acompanho o carnaval capixaba desde 2011 e gosto do trabalho das escolas, especialmente por ainda existir espontaneidade e leveza nos desfiles, coisas que estão se perdendo no Rio de Janeiro, por exemplo.

    Concordo com quase tudo o que escreveu. O que não concordo é sobre o samba da Tradição Serrana. Não vejo qualquer qualidade nele, nenhuma poesia na letra e a melodia é muito fraca.

    Sobre o favoritismo para o acesso, aposto na Pega no Samba de olhos fechados.

    Vamos aguardar!

    Espero que você escreva uma coluna do mesmo nível dessa para o desfile de sábado.

    Abraços,

    1. Algo que eu fiquei admirado é a “quentura” da arquibancada. Público muito participativo, “se jogando” pra valer !

      Muito bacana !

      1. Exatamente Nathan, também percebo isso. Acredito que para esse fato existem duas justificativas: 1 – presença de pessoas que realmente gostam de carnaval e acompanham os desfiles com a merecida atenção e envolvimento; 2 – os sambas são muito fáceis de cantar, basta ver os sambas da Boa Vista e da MUG em 2014. Os dois (mais especialmente o da Boa Vista), fizeram o Sambão ir abaixo. Qual foi o último sacode nessas proporções que vimos na Sapucaí?

  3. Ótimo texto Cassius. Para quem é de fora do Espírito Santo fica até difícil encontrar informações sobre o carnaval de lá, bem como os sambas e uma transmissão do desfile pela internet. Só fui ver um desfile do ES pelo youtube a uns meses atrás (e isso pq estava nas recomendações rs). Até me recordo que era da MUG – e que provavelmente será abordada na próxima parte da coluna sobre o Grupo A –

  4. Cassius, suas informações sobre o carnaval capixaba são muito úteis, interessantes e valorizam a nossa festa. Aprecio muito o carnaval daqui, sobretudo pela leveza, espontaneidade e descontração, coisas que já não existem na festa superprofissionalizada e atrelada a grandes interesses econômicos do carnaval carioca, grandioso e complexo. Mas a simplicidade também tem seu charme. Sempre participo da festa capixaba, desfilando, assistindo ou ambos, e sempre me emociono. Todavia, seus comentários tecnicos, de forma singela, são muito esclarecedores. Obrigado e seja bem-vindo à nossa terra e à nossa bela festa. Nos vemos no sambão do povo!

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