Passa o Carnaval e o Brasil voltará a discutir assuntos sob medida para os interesses da mídia corporativa, que vêm a ser os mesmos interesses daqueles 1% da população que detém incríveis mais de 60% de toda a riqueza nacional.

Como era de se esperar, esta turma está mais interessada em desinformar do que em prestar qualquer serviço de esclarecimento à população brasileira. O caso das investigações que envolvem a Petrobras é simbólico e sintomático. Com a ajuda de uma equipe investigativa da Polícia Federal completamente contaminada por interesses partidários da oposição, somado o interesse particular do juiz Moro de – em sendo um antigo aliado do PSDB – transformar-se no “novo Joaquim Barbosa” (com as possíveis “vantagens” de ser mais jovem, mais bonito e mais branco).

Vazamentos seletivos e ações generosas em carga dramática são combinadas, de forma a pintar um quadro em que se possa vender ao brasileiro médio (aquele a que o Bonner se refere como Homer Simpson) a ideia de que a presidenta Dilma é uma conspiradora a favor da corrupção.

Aqueles que já não vão mesmo com a cara de Dilma (o que, convenhamos, nem é difícil), movidos por um afã de condenar sem avaliar a situação, motivados por preconceito ideológico, partidário e social, vão se agarrando ao que o noticiário raso te oferece sem refletir ou apurar.

As investigações que estão sendo feitas remetem a processos de corrupção instalados na Petrobras há MAIS DE 20 ANOS. Não se trata de investigações sobre o PT, mas sobre ações que envolvem TODOS os grandes partidos nacionais. É, no absoluto, um fato muito positivo, porque antes não era realizada investigação alguma. Ainda que conduzida de forma muito venal pelo juiz Moro, poderia dar ao Brasil coisas boas. Aliás, o juiz tem sido duramente criticado por juristas acima de partidos e suspeitas, inclusive recebendo críticas do próprio STF, conduzindo o caso para obter vantagens pessoais e de efeito midiático. Isso é muito ruim, e merece reparo urgente. Há risco, inclusive, de invalidação do processo.

Lamentavelmente, e isso já ocorreu antes com uma investigação importante, a Satiagraha. Não se pode fazer uma investigação que se pretenda séria realizando vazamentos seletivos de informação para a imprensa, sempre contra adversários políticos. Nem pode se realizar tal investigação tendo a maioria da equipe se envolvida diretamente numa campanha de um candidato à Presidência. Isso é imoral, contra as regras funcionais. Deveria ter sido punido pelo Ministro Cardozo, que é chefe da PF e não poderia nunca permitir este comportamento por parte de agentes públicos.

Também é inconveniente ter uma testemunha-chave, o doleiro Alberto Youssef, que já se beneficiou antes de um processo de delação premiada conduzido pelo mesmo juiz Moro. Isso não parece estranho? Veja bem: no caso Banestado, Youssef livrou-se da pena prometendo contar a verdade e não voltar a delinquir. Em liberdade, voltou ao crime e é réu confesso de outro inquérito. E o mesmo juiz dá ao mesmo réu, que rompera antes a relação de confiança, nova oportunidade de livrar-se da pena por seus crimes. Não é incrível? Quantas vezes o mesmo criminoso irá se livrar da punição através do mesmo artifício, concedido pelo mesmo juiz?

Ainda assim, cada vez que se mexe em vespeiros que podem resvalar na classe política e em empresários corruptores, há ganhos à vista. Por exemplo, não se pode conter o vazamento de que um dos delatores premiados alegou receber propinas desde o período em que FHC era o presidente. Por sua vez, este fato nos revelou outro ainda mais simbólico. A Rede Globo de Televisão, a maior formadora de opinião do país, braço televisivo do maior grupo de comunicação, líder e símbolo de uma imprensa profundamente parcial e antidemocrática, soltou, segundo foi publicado por diversos sites, um memorando interno em que instruía explicitamente a seus editores de telejornais que o nome de Fernando Henrique deveria ser sumariamente omitido do noticiário sobre a Operação Lava-Jato. Ora, se restava a algum ingênuo a defesa de algum nível de imparcialidade da Globo ou de qualquer órgão da imprensa corporativa, caiu por terra esta ingenuidade fantasiosa que, na verdade, resvala na hipocrisia.

Para quem conhece minimamente os meandros da imprensa, não é novidade um tipo de ordem dessas. Mas o ineditismo, pelo menos em assunto de tanto peso, é a cara de pau de passar uma ordem dessas por escrito, com timbre da empresa. É o enterro do jornalismo, é a queda do resquício de vergonha na cara. A partir do memorando da Globo, oficializando a parcialidade, alguém que duvide de partidarização da imprensa corporativa assina para si um atestado de imbecil.

petrobras2Quanto à Petrobras, a história não permite imaginar, nem por um segundo, que o nível de desgovernança tenha aumentado nos últimos anos. Não para quem é da minha geração e acompanha de perto a Petrobras desde os tempos da ditadura militar, em que generais sem conhecimento nenhum em petróleo “administravam” aquilo lá, em que as atuais gigantes da construção civil alimentavam-se dos benefícios de um governo de exceção, sem regras caras, sem imprensa livre, sem fiscalização, para crescerem num ambiente de negociatas.

Para ficar num depoimento mais recente que foi de grande repercussão, um artigo do Ricardo Semler na Folha de São Paulo afirma categoricamente que nunca se roubou tão POUCO no Brasil como nos últimos anos. O Semler (autor de Virando a Própria Mesa) é reconhecidamente um filiado ao PSDB, tucano de primeira hora, com ficha de adesão assinada pessoalmente por Covas, Montoro e FHC. Isso não lhe roubou a dignidade de admitir em seu artigo a redução nas brechas de gestão que permitem a corrupção. E ele usa exatamente a Petrobras como exemplo. Dizia ele que a Senco, sua empresa, deixou de vender para a Petrobras desde os anos 1970, porque sendo uma empresa média já então não tinha gordura para queimar em comissões cada vez maiores que eram exigidas por compradores da empresa. E virem agora pessoas dizerem que a corrupção na empresa é surpresa e novidade? Sabemos todos muito bem que é sistêmica há décadas. E não apenas na Petrobras, não apenas em empresas públicas, tampouco apenas no Brasil. Sendo que o mundo do petróleo é um dos segmentos mais corruptos ao longo da história. Isso não é bom, nem justificável, mas é fato. Resumir isso a um período de gestão e ligar a um partido é cinismo puro.

Como vimos, há fatos relatados nestas mesmas investigações em que os delatores, sem exceção, dizem que recebiam dinheiro desde o governo FHC, ou antes. Claro que é um sinal de falta de atenção do PT não ter desmontado este esquema. Pior: há sinais claros de que o partido, e outros partidos da base aliada, se beneficiaram também. Logo, a partidarização das acusações é puro cinismo, já que é fato que todos os grandes partidos, sem exceção, sendo oposição ou situação, tenham gente profundamente envolvida nisso.

Ainda assim, é necessário lembrar que no período anterior tudo era jogado para debaixo do tapete, nada era investigado. O Ricardo Boechat recebeu um prêmio importante por uma longa matéria-investigativa que denunciava o mesmíssimo esquema na Petrobras, nos anos FHC, e nada foi feito. O Paulo Francis fez a mesma denúncia e recebeu como resposta um processo judicial. É inegável que houve uma evolução, à medida em que há uma investigação independente que, mesmo com todos os vícios, não foi bloqueada pelo governo. Ao contrário, está sendo estimulada, no sentido de que se estenda, se aprofunde, vá à origem do processo. E que evite vazamentos. Isso é louvável, e há quem critique, como se a intervenção do ministro Cardozo para reconduzir o processo à legalidade fosse inconveniente.

Há ladrões no seio da Petrobras e há que se perguntar quem os colocou lá. Para quem trabalhava Alberto Youssef desde sempre? Quem deu a Paulo Costa o primeiro posto de alta gestão na Petrobras? No governo de quem começaram a aparecer acusações graves e consistentes contra esquemas de corrupção instalados na Petrobras? Curiosamente, as respostas acima apontam para o PSDB, não para o PT.

Até a manutenção do Paulo Costa numa diretoria, vejam só, foi pedida pelo Francisco Dorneles, que formava na base aliada de FHC e continuou sendo governo na base aliada do PT e que, por acaso, é tio de Aécio Neves, o presidente e candidato do maior partido de oposição, o PSDB.

Quanto à situação da Petrobras, excetuando-se esta questão da corrupção que já existia antes, melhorou em todos os aspectos. O mercado e a imprensa não ignoram isso, claro, mas omitem-se em elogiar a evolução da empresa. Porque têm interesses na sua desvalorização. O LUCRO da empresa multiplicou-se por CINCO na última década, o patrimônio e as reservas não param de crescer, a produção explodiu, a capacidade de refino cresceu, o estímulo à indústria nacional é bem maior. A Petrobras é, hoje, a MAIOR empresa de petróleo do mundo com ações em bolsa, tendo ultrapassado a Chevron no final de 2014. E receberá, em maio, pela terceira vez, o prêmio mais importante do mundo na indústria de energia. Isso era impensável há poucos anos. Até a questionadíssima refinaria de Pasadena é lucrativa e já se pagou. Mas, por outro lado, a evolução da Petrobrás está incomodando muita gente.

Esta é uma indústria de alta competição, que vive uma crise provocada pelos países produtores (Opep), que jogaram o preço do óleo para a cotação mínima, movidos por objetivos políticos de curto prazo (contra Irã e Rússia) e econômicos de longo prazo (o combate à produção do xisto). Todas as grandes empresas privadas tiveram quedas de rentabilidade e valor nos últimos 24 meses, algumas de mais de 50%. O crescimento da Petrobras coloca-a como alvo de todo tipo de ataque. Por isso, não é mesmo estranho que os vazamentos sejam sempre no sentido de depreciar a empresa.

Enquanto isso, há um movimento de compra de ações por parte dos grandes especuladores globais, como o Soros, que não para de comprar Petrobras. Isso tudo seria muito estranho para um leigo, para alguém que se informasse pelos Jornais da Globo da vida, mas é evidente para olhos atentos, que conhecem a empresa e que buscam informação fora da mídia corporativa. E está tudo público e acessível. As partes da investigação que não saíram nas manchetes, os ataques especulativos, as análises internacionais, os números da empresa, as opiniões de juristas. Nada é segredo, só não teve destaque na grande imprensa, mas são dados públicos. Basta procurar, não se contentar com a informação mastigadinha pela imprensa corporativa. E os fatos apontam para um cenário que é exatamente o inverso do que se desenha na imprensa corporativa.

O que se tenta formar, mais uma vez, é a chamada indignação seletiva. Eu não lembro desta indignação tão veemente quando a situação era a mesma, mas o partido no poder era o de preferência da imprensa. Usar o combate à corrupção como arma partidária é muito ruim para democracia. E também para o combate efetivo à corrupção, que é sistêmica e suprapartidária.

E se o Brasil tem perdido dinheiro e negócios por conta da corrupção, não é porque ela exista, ou passou a existir. Tanto que ela sempre existiu, em níveis até maiores, e nunca foi motivo para escândalo. O que prejudica o Brasil é o uso político do escândalo, a repercussão extraordinária que se dá aos fatos, o vazamento de informações que deveriam ser segredo de Justiça. Isso sim desvaloriza a Petrobras e dá prejuízo ao Brasil.

4 Replies to “A Petrobras sob ataque”

  1. É até engraçada a maneira como o autor de vez em quando diz que o PT tem culpa por não parar a corrupção, como que quisesse dizer – Olha, eu também critico o partido do governo.
    Falar em memorando da Globo… pelo amor de Deus. Se tem, mostre. Afinal, poucas linhas depois falou da morte e do enterro do jornalismo. Ora, então que não faça como os acusados!
    Mais um texto sobre a Petrobrás que diz ser imparcial, mas tem lado declarado.
    Vergonhoso.

    Ouro de Tolo tem uma reputação no que diz respeito as informações de carnaval. Não deixem um texto desses manchar um site tão prestigiado.

    O brasileiro não é idiota.

    1. Caro Fabricio,

      Obrigado pela participação e por não omitir sua opinião.

      Devo afirmar que, efetivamente, este colunista TEM opinião. E, definitivamente, TEM lado. Como o seu comentário, nitidamente, também tem.

      Este colunista defende a Petrobrás, defende interesses nacionais e defende uma apuração ampla de todos os que possam manchar a vida pública brasileira, independente de autor ou facção. Mais, defende uma atuação discreta, responsável e apartidária da Justiça, do MP e da Polícia, neste e em quaisquer casos.

      O senhor leitor está claramente preocupado em defender a Globo e a criminalização política seletiva. É uma escolha. E, como todas as escolhas numa democracia, deve ser respeitada.

      Deve-se lembrar, também, que à imagem da média das pessoas formadas sob um ambiente de comunicação hegemônica, o leitor confunde informação com opinião. Os autores deste blog, este autor incluído, pretendem estar sempre respaldados pelos fatos e não fogem de sua visão da verdade. No entanto, como colunistas que são, suas matérias são opinativas. Refletem, pois, um ponto de vista. Inclusive a elogiada cobertura do carnaval.

      Quanto ao referido memorando da Globo, ele foi enviado pela diretora da Central Globo de Jornalismo, foi noticiado amplamente (inclusive com fac-símile do e-mail), e jamais contestado pela emissora. Portanto, ao emitir sua opinião, o autor partiu de uma informação factual de ampla divulgação.

      Por fim concordo com a opinião do leitor de que “brasileiro não é idiota”. Mas alguns, infelizmente, são.

      Abraços,
      Affonso.

  2. Ok, tudo começou antes do PT, talvez até antes do Fernando Henrique. Mas era o PT, lá atrás, que pousada de partido ético e que iria mudar as relações políticas no Brasil. É a famosa freira que posa de virgem e revela-se tão prostituta quanto qq outra prostituta. A freira é alvo — pela hipocrisia –, as prostitutas não.

    Embora a mídia engrosse as cores (e números) para essa coisa de roubalheira da Petrobras, não é esse (corrupção) o principal legado dos governos petistas: é a péssima gestão da empresa, que a fez despencar como poucas vezes já se viu (ainda bem que existe Eike Batista para relativizar grandes quedas).

    1. Caro Marco, obrigado por dividir conosco sua opinião.

      Concordo 100% com seu primeiro parágrafo. Quanto à “péssima gestão”, talvez eu substituísse minha avaliação por “gestão confusa”.

      Mas devo discordar que a empresa tenha “despencado”. Sua avaliação é baseada em informações distorcidas que têm destaque na imprensa.

      Não deixando nunca de reconhecer que há problemas a serem pesados, há também que se considerar que a Petrobrás passou a ser a maior produtora de petróleo do mundo de capital aberto, tendo ultrapassado a Chevron no segundo semestre de 2014. Eu lembro claramente de um tempo em que o tamanho de Petrobrás e das chamadas “gigantes” deste segmento era incomparável. Hoje, a Petrobrás é a maior delas. Isso não é pouco.

      Também não é pouco que a Petrobrás esteja recebendo, pela terceira vez, o prêmio como melhor empresa de petróleo do mundo. Ou que o Brasil tenha passado à condição de exportador de óleo cru e derivados.

      Infelizmente, a imprensa esconde este tipo de vitória das empresas brasileiras. E omite também coisas como o fato de Pasadena ser lucrativa e (independente de ter sido bom ou mau negócio) já ter se pago totalmente.

      Como também omite que o lucro da Petrobrás cresceu 5 vezes em uma década, sendo hoje de 25 bilhões/ano. De LUCRO.

      Como a imprensa pode chamar de “quebrada” uma empresa que NUNCA deu prejuízo?

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