Finalizando os comentários iniciados ontem, agora passamos a análise dos sambas do segundo dia de desfiles do Grupo Especial.

1. São Clemente: esse é o samba que mais me surpreendeu no CD. Não achava ele bom quando ouvi na versão concorrente, mas me agradou bastante no CD já na voz do grande Igor Sorriso.

Para tirar a dúvida e saber se foi apenas uma gravação bem feita, como ocorreu com o samba de 2014, fiz questão de ouvi-lo ao vivo. Ele me agradou ainda mais. Tem uma melodia “pra cima” mas sem resvalar no “oba-oba” superficial e uma letra bastante coerente com a sinopse. Apenas o fim da primeira estrofe peca um pouco na letra, que parece um pouco mais jogada.

O ponto forte do samba são seus 3 refrões, dois deles em sequência ao final; difícil decidir qual o melhor. O que “lamenta” a morte de Pamplona é bastante emocionante.

Cerca este samba uma polêmica quanto à citação de Xica da Silva no refrão sobre os enredos negros de Pamplona no Salgueiro. Segundo os críticos ele não deveria ser citado pois os créditos, ao menos oficiais, do desfile de 63 são de Arlindo Rodrigues, não de Pamplona.

Aqui defendo o samba usando dois argumentos:

1. O samba apenas seguiu a sinopse que expressamente cita Xica da Silva nessa parte, junto com Quilombo dos Palmares e Festa para um Rei Negro. Lembro que a sinopse foi assinada por ninguém menos que Rosa Magalhães, competentíssima carnavalesca e pesquisadora, aluna da “Academia” de Pamplona.

2. Por mais que o desfile tenha sido desenvolvido por Arlindo, a ideia de exaltar e resgatar tal figura negra fora de Pamplona e é exatamente esse resgate do negro que o enredo quer mostrar, portanto nada mais pertinente.

Outro samba com “ooo”, exatamente no refrão do meio, logo após a citação a Xica da Silva.

2. Portela: há certos fenômenos humanos que não se explicam, apenas aceitamos. Este samba é um deles.

É um ótimo samba? Sem dúvidas, como já afirmei na coluna feita ainda no início da disputa. Tem uma melodia fantástica, a melhor do Especial, e um refrão que ‘pega na veia’. Porém, é um samba tecnicamente inferior aos últimos três da Portela (lembrando que neste bolo estão os antológicos “Madureira sobe o Pelô e “Abre a roda, chegou Madureira”), especialmente se comparado quanto ao trabalho de letra, de uma qualidade ímpar nesses sambas citados, rara nos tempos atuais.

Não obstante, o “estrago” que este samba está fazendo nas ruas de Madureira é algo que me impressionou; mesmo quando a Portela foi para a avenida com os clássicos citados não vi reação igual.

Quase tomei um susto quando estava andando na Estrada do Portela (ainda em frente à quadra do Império Serrano) e percebi que todas as caixas de som dos camelôs estavam tocando este samba no modo “repeat” (apesar de ser Madureira, normalmente eles deixam o CD tocar inteiro) e vários transeuntes e funcionários das lojas ainda abertas (já passava das 21h) pulando, sacudindo e cantando a música.

Ao chegar à quadra, outro susto: a quadra parecia uma panela de pressão prestes a estourar de forma que também eu nunca presenciei (talvez com o samba de 2012, mas como os ensaios eram na rua por causa da reforma da quadra, não impressionava tanto).

Não me arrependo de absolutamente nada que escrevi na supracitada coluna, mas, depois desses acontecimentos, hoje eu entendo perfeitamente a escolha da Diretoria por este samba.

Interessante notar que este samba pede uma bateria um pouco mais acelerada. Enquanto os sambas de LC Máximo e Toninho exigiam que a bateria não passasse da casa dos 145bpm sob risco de perda de beleza e rendimento, esse samba pede uma bateria ligeiramente mais acelerada, mais perto dos 150bpm. Alias, na minha opinião a gravação da Portela ficou um pouco prejudicada justamente porque usaram um andamento mais lento do que o ideal.

É um dos melhores sambas da safra, que vem para tentar colocar a Sapucaí abaixo e como não poderia deixar de ser neste ano, também tem um “oooo” nos versos finais da quinta estrofe.

Não estranhem esse quinta estrofe. Para derrotar Máximo e Toninho, o samba teve que se igualar e fugir da fórmula 10+4+10+4 usando os mesmos três refrões que os portelenses se acostumaram a ouvir. De resto, reporto-me as mesmas opiniões da coluna de agosto.

3. Beija-Flor: samba com a assinatura da Beija-Flor. Tem aquele jeitão que na primeira vez que se escuta, mesmo na versão concorrente (ou seja, sem a voz do Neguinho), já se identifica: esse samba é da Beija-Flor.

Letra bem feita e melodia que pode não ter nenhuma novidade, mas passa o recado. Alias, a Beija-flor é uma escola que tradicionalmente prefere não inovar na parte musical, mas seguir a boa receita que dá certo.

Outro samba que sofreu com polêmica de modificação de letra: o “dança Brasil, canta Guiné” do final da terceira estrofe foi mudado para “canta Guiné Equatorial”, em alteração que sofreu algumas reclamações.

Por mais que eu concorde que um verso criativo foi trocado, sem grandes alterações na melodia, por um verso bem comum, entendo perfeitamente porque a escola foi obrigada a trocar. A Guiné é um país, Guiné Equatorial é outro completamente diferente, apesar de vizinhos. A Guiné Equatorial não ia patrocinar um enredo para no samba se fazer propaganda de outro país que nada tem a ver com a história. Além do mais, tal mudança, mesmo ceifando uma criatividade, não comprometeu em nada o bom samba.

E, mesmo que bem timidamente, a sisuda Beija-flor também entrou na onda do “ooo”. O verso “voltar na memória de um griô” termina alongando bastante o “ô” de griô gerando um efeito bastante semelhante ao de um “ooo”.

4. União da Ilha: outro samba eivado de polêmicas, desde a assinatura do vice-presidente da escola, Djalma Falcão (compositor de carreira) até o “fiu-fiu” do refrão do meio.

Particularmente não gosto do samba, tinha uns 5 ou 6 melhores em disputa enxuta, com menos de 20 sambas. Se eu fosse jurado da Ilha, o eliminaria ainda na primeira ou segunda semana.

Mais um enredo brilhante do Alex de Souza desperdiçado em samba-enredo. O enredo sobre beleza era a cara da velha Ilha: alegre, brincalhona e irreverente. A escola tinha tudo para ter um samba contagiante, “pra cima”, como os sambas antigos da escola que até hoje embalam blocos e festas Brasil afora.

Mas ao contrário disso temos um samba quase todo feito em tons menores, o que dá um aspecto sisudo e triste a música. Exatamente o oposto do que o enredo pedia e do que o insulano se acostumou a fazer na avenida.

O samba foi muito bem ajeitado pelo Ito Melodia após o resultado do concurso e ele já apresenta boas melhoras em relação à versão concorrente, mas ainda fica devendo muito, seja em relação a safra seja em relação ao histórico da escola. Pelo menos Ito deu algum sentido ao já citado fiu-fiu que antes parecia totalmente deslocado da música.

A letra não é a mesma tragédia da melodia: tem algum trabalho, jogo de palavras e conexão de ideias, mas a própria letra, mais alegre, não bate com a melodia, mais para baixo.

Em suma, o samba apesar de alguns pontos positivos, não dá liga.

5. Imperatriz Leopoldinense: esse samba para mim é um grande mistério. Mistério porque por mais que eu insista em ouvi-lo com atenção eu não consigo entender o que todos acham de incrível, fantástico e extraordinário nesta obra.

Provavelmente o problema deve estar comigo, porque todas as análises que li desta safra endeusaram este samba como a grande maravilha do ano. Para não dizer que estou sozinho, o editor Migão me acompanha nessa.

Ainda não ouvi o samba ao vivo, no máximo pelo Youtube em apresentação na quadra durante a disputa. Isso pode estar influenciando negativamente minha avaliação, pois mais de uma pessoa já me disse que o samba está mal gravado. Mas minha impressão dele é exatamente a mesma desde o lançamento dele ainda como concorrente.

Não nego que seja um bom samba, alias é um samba afro do único enredo afro da escola em seus últimos 35 anos – desde “Oxumaré”, de 1979. Porém iguais a esse temos pelo menos uns cinco todos os anos. Com a supersafra do acesso, só esse ano devem ser uns dez. Só de sambas afro, nesse ano, Império da Tijuca e Cubango são melhores. Dependendo da sua classificação de samba afro (algo de limite subjetivo), ainda entram nesta conta Renascer, Beija-Flor e Viradouro.

O samba tem soluções melódicas diferentes e interessantes em alguns pontos, destaco aqui o trecho do falso refrão do meio.

Alias, esse falso refrão merece uma menção honrosa. A estrutura melódica é de um refrão de meio mesmo, com a melodia se repetindo duas vezes. Porém a letra da segunda passada é completamente diferente da anterior. Uma fuga do padrão que vejo com bons olhos.

Mas não considero um samba altamente poético nem uma melodia tão envolvente ou empolgante que o torne sensacional.

Um bom samba, só isso.

6. Unidos da Tijuca: definitivamente a Suíça não dá samba e Paulo Barros foi embora deixando o sucateamento da ala de compositores como herança.

A escola não tinha um samba que se salvasse entre todos os concorrentes. A tentativa de solução encontrada foi a bengala de sempre nessas horas: uma junção, a única deste ano. Porém nem isso salvou o samba. Melodia entediante que deve cansar rápido e uma letra que quando não é óbvia e mera cópia literal da sinopse, é polêmica, como na parte do “premio Nobel” do refrão principal.

O famoso premio Nobel é citado no refrão para exaltar a excelência suíça na ciência. Ao mesmo tempo outros reclamam que o Premio Nobel não é suíço, mas sueco-norueguês, e seria um erro do samba.

Para aumentar a polêmica tal premio nem passa perto de ser citado na sinopse, assim como a ciência suíça. O máximo que a sinopse fala, lá no meio dela, é de “livros escritos por um homem de mente brilhante e coração puro”.

Para não dizer que o samba é um desastre completo, a melodia e a letra no inicio da terceira estrofe são interessantes. Mas é um efêmero momento de três versos em um samba muito ruim.

Após essas longas explicações, segue a já tradicional classificação que tem em quase todos os posts do Ouro de Tolo sobre safras:

1º Viradouro
2º Mangueira
3º Portela
4º Beija-Flor
5º Imperatriz
6º São Clemente
7º Vila Isabel
8º Grande Rio
9º União da Ilha
10º Mocidade
11º U. da Tijuca
12º Salgueiro