Depois de nos deliciarmos com a safra do acesso, é hora de olharmos a irregular safra do Especial.

Mesmo a safra não sendo a tragédia que parecia no início de novembro, ela está abaixo do bom nível apresentado nos últimos três anos. Alias, minha vontade inicial era deixar vago o 10º e o 11º lugares e empatar três sambas em último, tamanha a falta de qualidade desses. A boa notícia é que, apesar de algumas polêmicas, foi mais um ano em que prevaleceram escolhas entendíveis nas disputas, apesar de algumas exceções.

Por fim, evitarei a medida do possível de comentar o enredo da escola, todos eles já amplamente discutidos em Made in USA anteriores (parte 1 e parte 2).

Abaixo uma resenha das escolas que desfilarão domingo, já na ordem de desfile.

1. Viradouro: na volta para o Especial, a escola niteroiense fez uma escolha arriscada e juntou dois sambas de meio de ano do genial Luis Carlos da Vila para fazer seu samba enredo, sem concurso. Interessante notar que ambas as músicas nunca foram pensadas para a avenida, mas de todo o repertório de meio do ano do compositor são as duas que mais se parecem com sambas-enredo

Salvo engano, é a primeira vez desde a Unidos da Ponte em 1993 que uma escola do Especial fica sem disputa mesmo sem reeditar samba. Muitos reclamam que o samba não tem pegada de desfile e já cravam que não irá funcionar na avenida, ainda mais com a Viradouro abrindo os desfiles.

Não é o meu caso. Adorei o samba, para mim está um patamar acima de todos os outros, sobrando na turma. Ainda mais com a safra mediana que se desenhou para 2015. O diferente assusta em um primeiro momento e a reação a este samba está me lembrando bastante a que ocorreu com o samba de Moacyr Luz na Renascer para o desfile deste ano. No fim, foi um sucesso retumbante.

A grande preocupação quanto a este samba é que por suas características de composição é um samba que necessita de uma bateria bastante lenta para poder render bem. Só que a bateria da Viradouro sempre foi uma “metralhadora”, normalmente “girando” acima dos 160bpm.

O presidente da escola, o competente compositor Gusttavo Clarão (responsável pela adaptação do samba), não é bobo e já demitiu o antigo mestre de bateria justamente com a explicação de que ele quer fazer um trabalho diferente na bateria, a deixando mais lenta. Porém não é tão fácil se “cortar” 20bpm de uma bateria de uma vez só.

Por fim, mas não menos importante, é muito gostoso ouvir um samba voltar lá para os anos 60-70 e ter um refrão inteiro apenas de “ooo”s. É o grande charme desse samba, a cereja no bolo suculento. Como já registrei na coluna sobre os sambas do acesso, as onomatopéias voltaram com tudo para delírio deste colunista, especialmente o “ooo”.

Torço muito para que o risco assumido pela Viradouro dê dividendos. Se ela fizesse o que todos fazem, provavelmente voltaria para a Serie A, então tinha que arriscar mesmo.

2. Mangueira: o grande samba subestimado do ano. É o trunfo da escola, com dificuldades financeiras, para ultrapassar a péssima posição de desfile, a “amaldiçoada” segunda de domingo. Esse samba, que me conquistou desde a primeira vez que o ouvi, ainda como concorrente, me agrada mais cada vez que ouço.

É, de longe, a letra “inédita” melhor trabalhada do Especial e não perde o rumo da sinopse. Pelo contrário, digo exatamente que parte da sinopse cada verso traduz. Alias, tenho ouvido algumas críticas a partes “ininteligíveis” da letra. Para esses críticos peço que leiam a sinopse, pois a letra ficará clara e evidente.

Já a melodia é a cara da Mangueira, mas não aquelas “marchinhas safadas” (salve, mestre Pamplona) que ela se acostumou a levar nos últimos carnavais. Estou falando da velha Manga vitoriosa dos fins de 80, da Mangueira do “Yes, nós temos Braguinha”, do “xinjim e acarajé”, de “Liberdade ou Ilusão”, de “Sinha Olímpia”. Atenção para o refrão do meio, em homenagem a Tia Fé (figura histórica do morro e da escola), que é uma pancada ainda maior que o refrão principal.

Outro ponto positivo é que o samba faz várias referencias ao verde e ao rosa sem ser chato ou repetitivo, se aproveitando do tema sobre as mulheres e aqui ressalto mais uma vez o maravilhoso trabalho de letra feita pelos compositores.

Torço para que a Mangueira use a dificuldade da posição do desfile como um fator de união para uma retomada dos bons tempos da escola.

3. Mocidade: Paulo Barros já chegou em Padre Miguel do jeito dele: arrasando a ala de compositores da Mocidade.

A escola passou por muitos problemas nos últimos anos, mas samba nunca o era. Quando não tinha um samba de ponta, normalmente era fruto de uma escolha equivocada.

Não foi o que ocorreu nesse ano. Apesar da qualidade discutível desse samba, a escolha foi acertadíssima: esse era o ‘menos ruim’. Detalhe: ainda teve recall dos sambas durante a disputa, que conseguiram voltar ainda piores do que já eram.

Mas isso já era esperado: o enredo apesar de muito bom era de transformação em música difícil e todos sabemos que Paulo Barros não costuma facilitar, exigindo muitas vezes uma cópia literal de vários trechos da sinopse que não se pautam pela rima ou métrica. Mas quando se contrata Paulo sabe-se que será um carnaval todo voltado para o visual.

No meio disso tudo, se ainda é possível se destacar algo no samba é o refrão principal, que pelo menos o diferencia dos outros dois sambas perdidos da safra.

De resto, o que sobra é acelerar a “Não existe mais quente” e torcer para que isso ainda dê algum caldo. Mas até onde é possível acelerar uma bateria invertida e com um toque de caixa extremamente técnico?

4. Vila Isabel: samba um pouco superestimado na minha opinião. Não consigo ver nele a beleza que muitos já falaram ou escreveram, apesar de não ser ruim. Alias, também não consigo entender certas coisas. A alteração que a Vila fez neste samba depois da disputa é uma delas.

A grande qualidade deste samba na disputa era ser um samba ousado em sua estrutura, seguindo a tendência pós-2012 de desvio do padrão 10+4+10+4. Porém, ao invés de seguir a linha mais popular de três refrões curtos, ele tinha duas estrofes seguidas para terminar em dois refrões seguidos: um bem curto preparando para o principal.

O que faz a Vila Isabel? Escolhe esse samba e, já que não tinha refrão no meio do samba, a escola, sob o pretexto de melhor explicar o enredo, cria do nada um outro refrão inteiro e o enxerta no meio das duas estrofes.

Se era para fazer isso, melhor escolher outro samba. Opções não faltavam, já que na minha opinião havia três ou quatro sambas melhores que esse na disputa. Se fosse para votar no vencedor, era justamente por sua ousadia sem comprometer muito a qualidade.

Do jeito que está, é samba para o meio da safra. Não é ruim, mas não consegue ser destaque positivo porque esse refrão caído de paraquedas quebrou todo o encadeamento lógico e artístico da obra.

5. Salgueiro: outro samba sofrível. Alias, toda a safra foi sofrível. Justamente no ano em que o Salgueiro trouxe um bom tema com boa sinopse ninguém foi capaz de fazer um samba sequer ‘passável’, como eu já havia adiantado nos comentários de sinopse.

Para piorar, aqui houve um equívoco na escolha. Apesar de não ser muito melhor, o samba de Marcelo Motta & cia era o menos pior de todos e foi eliminado ainda antes da final. O samba escolhido, de Xandy de Pilares, é o único samba do Especial do qual eu sequer consigo extrair um trecho ou pelo menos um verso de destaque: ele é linearmente ruim do inicio ao fim.

Nem dá para dizer que este é mais um samba da linha “pula-pula” que a Academia tanto apresentou em sua saga “Em busca do Ita perdido” após 1993. Nem animado ele consegue tentar ser. A “Furiosa”, como o nome já diz, já gosta de bater rápido, então é manter a pegada e torcer para que algo ocorra na avenida.

6. Grande Rio: para fechar a noite, o samba “pula-pula” do ano, mas até que é gostoso.

Depois de adiar até o fim de agosto a entrega da sinopse, os compositores ainda tiveram um tempo razoável para compor. Para dar mais tempo aos compositores, a escola preferiu sacrificar o tempo de disputa e o concurso ocorreu de forma rápida.

É verdade que há algum tempo a escola de Caxias não traz um grande samba para a avenida e a safra para 2015 na escola não diferiu desse histórico recente. O samba vencedor é uma tentativa de fazer um repeteco dos sambas dos dois últimos anos da Grande Rio.

Um samba animadinho, que tem uma ou outra boa brincadeira com as palavras e que pede alguma correria e muito toque de caixa da bateria para tentar animar o público.

Em 2013 deu tudo errado e o samba não se sustentou na pista nem por 15 minutos. Nesse ano a fórmula já rendeu melhor e o samba levou bem um desfile que teve o brilhante trabalho do carnavalesco Fabio Ricardo como ponto alto. Não é um grande samba, mas não faz feio também. Samba para o meio da segunda metade e não deve comprometer o desfile, já que é um pouco melhor que o samba sobre Maricá com uma letra de bons jogos de palavras.

Amanhã comento sobre os sambas das escolas que desfilarão na segunda-feira