Há quase três meses, eu publiquei um texto nesse blog criticando fortemente o governo Dilma. Sou, desde que eu me entendo como ser votante, (desde 2002) um crítico das políticas econômicas e sociais petistas. Mas sou oposição de esquerda, importante frisar. A cada ano que se passa estou lapidando meus argumentos, minhas estratégias e leituras conjunturais, entendendo que, para transformar esse país, e sonhar, para que um dia tenhamos um mundo socialista, é de suma importância compreender, cada vez mais, as entranhas desse sistema.

Confesso-lhe que ultimamente não está sendo fácil compreender o que se passa nas mentes do eleitorado brasileiro. Tenho certeza contudo que, essa dicotomia PT x PSDB não simboliza, nem de longe, mera disputa entre o projeto reformista (conservador) versus projeto proto-neoliberalizante (uma colcha de retalhos de políticas neoliberais da década de 1990 atualizada e associada a políticas assistencialistas). Essas eleições tem explicitado, para bons entendedores e debatedores que, a nossa Res Publica e nossa demo-cracia ainda merecem ser muito trabalhadas, por serem recentes e com pouca participação popular.

O pacto entre elites é histórico: do convite dos republicanos e militares para Dom Pedro II se retirar do Brasil; do conchavo entre elites do chamado Sul do Brasil (atual Sudeste), e seu consequente revezamento entre mineiros e paulistas no poder; da saída de Getúlio e entrada de Dutra, do retorno e a morte do populista, da abertura política e a redemocratização, até as “diretas já”, constituição de 1988 e eleição de Collor, a transição sempre foi lenta, gradual e sem ruptura. É possível perceber essa lógica quando Lula escreveu a Carta ao povo Brasileiro. Nela, não há rompimento com o passado, nem acerto de contas com os erros e busca por justiça, fortalecendo assim a ideia de “pacto social”. O passado nefasto dos crimes da Ditadura só foi parcialmente revisitado e rememorado no governo Dilma, com a criação da Comissão da Verdade, mas com restrições.

jt10_pt_psdbPortanto, a ideia de “coisa” pública ainda não está muito bem definida. Em tempos de “propinoduto”, “valérioduto”, “mensalão tucano mineiro e petista”, todos esses conceitos se tornam ainda mais frágeis e difíceis de se compreender. Mas, há de se concordar, caro leitor, que se investiga muito mais crimes hoje do que qualquer outra época.

Certamente que nessas eleições exite uma base moral a ser disputada. Essa moral forte e enraizada, associada a um forte patriarcalismo brasileiro, a dessecularização muito proeminente na chamada pós-modernidade promove um verdadeiro caça-as-bruxas, onde o vermelho e duas letrinhas juntas, “P” e “T”, causam uma verdadeira ojeriza coletiva.

Pegando carona nas ideias de Umberto Eco1, o protofascismo é aquele praticado não necessariamente pelo Estado, mas pelas violências cotidianas, rotineiras e invisíveis, ou seja, um estilo fascista que vem sendo estimulado cada vez mais por conta da insurgência de paixões “políticas” afloradas. As potencialidades do indivíduo ou grupo são despertadas nesses momentos de maniqueísmos e dicotomias rasas. O discurso é agressivo e falacioso, aqueles que praticam sabem que fazem e mesmo assim fazem, ainda que seja com discurso de defensor da democracia por vias não democráticas.

A busca de um único mal, nesse caso o PT (incorporando tudo aquilo relacionado a comunista, mesmo que não seja de fato) visa depositar nele toda a frustração contida e receio pela mudança da moral e costumes, tradições e, de certa forma, resistência ao mundo globalizado. Há, nesse sentido, receio para a abertura a temas polêmicos, tais como aborto, casamento igualitário, legalização das drogas, um receio da perda de identidade comunitária.

Fora-Dilma-e-leve-o-PT-juntoTodavia, isso ainda não explica totalmente o fenômeno brasileiro desse segundo turno. Qual motivo para tanta gente aderir ao anti-petismo? Muitos partidários dessa prerrogativa não sabem responder outra coisa senão “para tirar o PT e a Dilma do poder”, com a desculpa de que “alternância é importante para a democracia”. Se levarmos em consideração que Tony Blair ficou 12 anos como primeiro-ministro da Inglaterra, e que, durante 21 anos da Ditadura Civil-militar no Brasil tivemos 5 presidentes, esse discurso de rotação café-com-leite, democrata-republicana, pt-psdb só esconde uma grande falácia.

O poder midiático influenciou na banalização de termos, tais como populismo e coronelismo, desvinculando-se aos seus respectivos contextos históricos. Ou seja, houve uma reconfiguração seletiva de termos, voltada apenas a um segmento político, para deturpação e criação de protagonistas públicos de corrupção. É importante salientar, por exemplo, o julgamento do chamado “mensalão”, o primeiro a ser transmitido ao vivo pela rede aberta de televisão. Para Venício A. de Lima2, houve uma generalização seletiva que tornou a palavra “petista” sinônimo de “mensaleiro”, ou “corrupto”, e “comunista” , “terrorista”, terminologia comum na Guerra Fria e Ditadura Militar. Portanto essa designação passou a ser usada para determinar o inimigo público e que esse deve ser “varrido” e “eliminado” da sociedade.
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Ontem, 23 de outubro, a revista “Veja” lançou mais uma pérola de tentativa golpista midiática, com uma capa macabra, noticiando que tanto a presidenta Dilma e Lula já sabiam da corrupção interna na Petrobrás, dando a entender que eram coniventes e que formavam uma grande máfia. Graças as redes sociais, essas mídias tradicionais tem sido desmascaradas e contestadas mais rapidamente, mesmo que o dano moral e político possa ser irreversível, sobretudo num momento tão específico como esse, vésperas das eleições presidenciais.

Todavia, é fundamental que o PT assuma sua responsabilidade por essa situação, sobretudo por ter fugido de seu teor original, de quando foi fundado, e não ter combatido os casos de corrupção no tempo adequado dentro do partido. Se Dilma vencer ou não nessas eleições há uma necessidade dos atuais governistas repensarem suas estratégias e relações com a classe popular e os movimentos sociais. Há cada vez mais pessoas descontentes com os rumos trilhados, inclusive pelo fato que os votos brancos e nulos somados as ausências já são o segundo maior número dentre os votantes, superando até a do candidato Aécio Neves, do PSDB. E, ao mesmo tempo, um redução sensível nos votos a petistas, seja lá qual for a esfera de poder.

xo13Tais argumentos mostram que há um descontentamento nessa “tucanização” do PT. A prática do governo petista em pelo menos dois aspectos chaves mostram que isso tem se tornado realidade, a tendência do partido dos trabalhadores se alinhar mais ao centro, abandonando a linha de esquerda. O primeiro exemplo é que mais da metade da bancada federal petista votou a favor do nefasto “Novo código florestal”, criado pelo pérfido Aldo Rabelo. O segundo já é mais singelo e sutil, mas muito significativo: enquanto há uma crença que os tucanos desejam privatizar universidades públicas, os governos de Lula e Dilma transferiram verbas públicas aos grandes monopólios de ensino (Sistema Kroton e Sistema S) com programas de financiamento e empréstimos (ProUni e Pronatec), o que indica uma tendência de tornar mista a responsabilidade pela educação no Brasil, prevista inclusive no novo Plano Nacional de Educação, PNE.

Para finalizar, acredito que os rumos trilhados ao Brasil, seja com Dilma, seja com Aécio, farão com que os trabalhadores, organizados em sindicatos, coletivos e movimentos sociais terão que se mobilizar para lutar contra a precarização e/ou flexibilização de seus direitos. Isso já se iniciou com a Reforma da Previdência, em 2003, e recentemente com a FUNPRESP, a nova aposentadoria do servidor público. Com o Aécio o embate será duro; com Dilma é esperar para que haja uma sensibilidade do governo e do partido para perceber que a paciência do trabalhador está se esgotando, sob pena do boicote e rejeição ao PT seja definitivo nas próximas eleições.

1ECO, Umberto. A nebulosa fascista. Disponível em:

http://biblioteca.folha.com.br/1/02/1995051405.html Acesso em 24 de outubro de 2014 (publicado 14 de maio de 1995)

2 Dois textos se complementam de Venício A. de Lima: A linguagem seletiva do mensalão e O que será feito do ódio e de sua linguagem. Ambos se encontram na revista on-line “Observatório da Imprensa”. Disponível em:

http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed777_a_linguagem_seletiva_do_mensalao e http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed821_o_que_sera_feito_do_odio_e_de_sua_linguagem. Acesso em> 24 de outubro de 2014.