Não queria escrever sobre as eleições. Tentei, me esforcei, pensei noutras coisas. Mas o tema tava rondando, pedindo pra ser escrito aqui. Afinal, salta aos olhos nessas horas o nosso espírito democrático. E, dentro dele, uma busca odisseica pela imparcialidade.

Que fique claro, não se trata de uma análise sobre as campanhas ou pesquisas. Já tem bastante gente por aqui escrevendo sobre isso nestas eleições. Este aqui está mais para uma análise do discurso, um exercício, um olhar sobre as coisas que vejo pululando nas redes sociais e nos textos que esbarro pelo caminho. Não sou ombudsman do Ouro de Tolo. A respeito dos colunistas daqui, há dos mais diferentes tipos: acredito que você possa tirar suas próprias conclusões.

O fato é que é muito curioso para mim como as pessoas acreditam na imparcialidade. Eu sinto como se fosse uma espécie de credo. Se tivesse um pouco mais de coragem, fundaria uma seita baseada na crença na imparcialidade e, tenho certeza, atrairia milhares, talvez milhões, de seguidores fiéis.

1692339-1413-atm14Em geral, as pessoas tendem a associar a ideia de democracia à imparcialidade. E como todo mundo quer ser muito democrático, precisam ser imparciais, muito imparciais. Não sei por que isso deveria fazer sentido, mas acho que é meio por aí que as coisas têm funcionado.

Só que não somos assim. Ou a maioria de nós mortais, a grande maioria, pelo menos. A gente tem lado, uma história, um passado, coisas que ajudam a construir a maneira como a gente vê o mundo. Ou deveríamos ter.

E ter lado não é demérito algum: ao contrário, é situar o leitor/ouvinte sobre quem somos, o que defendemos, qual o nosso ponto de vista. Porque lembremos sempre que a neutralidade, a pretensa neutralidade é ótima a fim de perpetuar as desigualdades e proteger os mais fortes.

Essa questão é, ou deveria ser, alvo de uma discussão mais profunda no jornalismo. A maior parte das pessoas ainda enxerga a produção de veículos de imprensa como se não houvesse interesses envolvidos. Sempre há, camaradas. Sempre.

Não se trata de implicância pura e simples, é uma provocação no âmbito das ideias. Não merece uma reflexão profunda o modo como o jornalismo tem tratado a notícia, como se tornou uma máquina de publicação de boatos, de o sujeito A disse que o sujeito B fez, de bolinhas de papel no horário nobre? Sem contar a desqualificação da participação popular nas decisões fundamentais com coisas como bolivarianismo, chavismo, populismo, sovietes e que tais.

Quando a Carta Capital ou o New York Times publicam editoriais explicando porque apoiam Dilma ou Obama, estão se posicionando. E isso é muito bom. Só que as reações são muito diferentes: aqui no Brasil é quase desmoralizante fazer isso. Poucos conseguem enxergar nisso um gesto significativo dos avanços da democracia.

E isso acaba se refletindo na maneira como nos relacionamos com a política. Eu, ao contrário de muitos colegas, acredito que o brasileiro gosta de política. Pratica, faz, exerce, todo dia. Talvez não tenha a exata noção disso, mas gosta e tem aumentado a sua participação gradativamente, ao descobrir, ainda que de maneira lenta, que ela não se restringe ao voto a cada dois anos. Não sei se melhoramos o nível, confesso que nem saberia especificar o que é melhorar o nível, mas a quantidade cresceu e isso é importante.

Essa mudança de comportamento, me parece, tem um pouco a ver com as redes sociais. Aí moram dois perigos claros. E não estou falando do fluxo constante de opiniões, mas do compartilhamento de qualquer coisa e os comentários aleatórios.

Honestamente, as opiniões de todos sobre tudo não me incomodam. Por outro lado, incomoda a tentativa de fazer as opiniões políticas parecerem fruto de uma postura completamente racional, de um saber superior, e dotada de total imparcialidade simplesmente impossíveis de existir.

Se observarmos bem, a quantidade de gente pelas timelines da vida compartilhando páginas falsas, notícias duvidosas, páginas preconceituosas é muito preocupante. Porque dão visibilidade a discursos mentirosos, preconceituosos ou cretinos. Às vezes, tudo ao mesmo tempo.

Além disso, os comentários aleatórios, supostamente feitos a título de livre expressão de ideias, e que supostamente manteriam o debate das ideias, criam um clima ruim. Não entendo a necessidade, por exemplo, de alguém fazer um comentário apresentando um ponto de vista divergente e polêmico, só por fazer. Um exemplo recorrente que encontro é: sujeito 1 posta texto defendo alguma política pública do governos Lula/Dilma/PT; sujeito 2 vai lá é comenta “FORA CORRUPTOS LULA DILMA PETRALHAS”, tudo em caps lock mesmo.

Não sei se isso tem a ver com democracia, especificamente, como você pode estar argumentando mentalmente. Claro, a democracia está no fato dele poder fazer isso. Mas, ele fazer, para mim, é só chatice mesmo. “Ah, mas você tem que aceitar uma opinião contrária”. Não, não tenho. A única obrigação que tenho é de não te impedir de falar, mas continuo podendo, legitimamente, te considerar, de maneira respeitosa, bobo, idiota ou apenas alguém com uma visão de mundo diferente da minha.

Leio sempre umas coisas por aí que acho, pra dizer o mínimo, risíveis. E me seguro, porque ninguém deve ser imparcial. Mas me choca quando as pessoas acham que estão sendo. Já li de um secretário municipal de uma cidade do interior do estado, num tom professoral quase, que ele não gostava do PT porque o partido “inventou a luta de classes”. Essa me marcou especialmente; fiquei com vontade de imprimir e emoldurar.

Em um discurso disfarçado de imparcialidade também, tem se falado sobre alternância de poder e corrupção. Sobre a primeira, sinto como se o PT fosse uma espécie de PRI, que estivesse ocupando o poder por 70 anos. Já sobre a corrupção, é problema cultural, não só dos políticos. Afinal, não são 594 extraterrestres – ainda que o History Channel possa discordar de mim – ocupando o parlamento em Brasília.

Diria mais: não resolveremos a questão da corrupção pelas próximas gerações. Aquela malandragem combatida nos anos 1930/40 se transfigurou num levar vantagem a qualquer custo instalada na mentalidade nacional. Nem se tem vergonha. Ao mesmo tempo, é atacada no outro se ele ocupar um cargo público, eletivo ou não.

Para ilustrar: já ouvi, ao vivo, na mesa do bar, por exemplo, de um estudante de medicina, rapaz bem nascido, que o fato dele praticar pequenos atos de corrupção no dia a dia não o impede em nada de criticar a corrupção de determinado partido. Fica claro que estamos falando de uma instituição nacional, um patrimônio imaterial da cultura brasileira. Se tivéssemos um pouco mais de cara de pau, seria tombada pelo Iphan.

Noutra oportunidade mágica, dessa vez proporcionada pelas redes sociais, pude ler um professor postando uma notícia falsa atribuindo uma declaração a uma pessoa pública. Como sabia que se tratava de uma notícia falsa e conhecia o dono do perfil, avisei. A resposta foi: não importa se é falsa, porque diz coisas importantes para levantar a discussão. O sujeito se disse neutro e eu, sinceramente, não soube o que fazer.

Além disso, ainda tem um purismo anticríticas meio insuportável. Fica parecendo que a gente tinha que receber um livro de regras de como se comportar na eleição, de como criticar os candidatos. Principalmente, no caso da candidata do PSB, já que os do PT e do PSDB tomam porrada nas redes sociais o tempo inteiro.

No fundo, acho que a razão maior de escrever este texto é dizer que ninguém é assim tão democrata, caras. A força feita por analistas por aí para parecerem imparciais é quase comovente. Não fosse tão chato e irreal.

Por isso, por favor, esqueçam, se puderem, a imparcialidade. Ela não existe. Eu já coloquei um camaradas no título, já postei umas fotos da Dilma no texto, já ficou claro que não pretendo ser imparcial, né? Dependendo da situação, a gente até pode e deve controlar as paixões. Mas vamos descer do muro mais vezes, tomar partido e confrontar ideias respeitosamente porque a vida é assim mesmo. Só vamos tentar ser menos chatos. E, por favor, mais parciais.

Porque isso é bom também.